quarta-feira, abril 30, 2008

"Os que dizem que a educação é cara não sabem o preço da ignorância"

, afirmou o Primeiro-Ministro José Sócrates no Verão de 2005. A frase é uma muito provável adaptação de outra bastante conhecida, da autoria de Sir Claus Moser (reputado estatístico germano-britânico, promotor de uma das reformas da educação básica em terras de Sua Majestade e apoiante de primeira hora do New Labour), e ganha em ser novamente lida à luz do que hoje aparece no Público. A ministra Maria de Lurdes Rodrigues declarou aos media quão cara nos está realmente a sair a educação portuguesa, na forma específica da quantia investida por aluno e perdida a cada respectivo chumbo, do seu agravamento em cenário de abandono escolar, e das embaraçosas taxas de insucesso detidas pelo país no contexto da OCDE. A isto acrescentou o jornal uma estimativa global aproximada desse custo, de que foi extraída vistosa parangona. Que deduzir destes dados?
Quem leia ou ouça a nossa ministra fica com a impressão de que o grande problema do sistema de ensino português é a retentividade. Várias vezes repetida nos últimos anos, a freudiana doutrina (não exclusivamente) ministerial pode-se exprimir assim: em Portugal chumba-se; os estudos internacionais dizem-nos que está por provar a eficácia do chumbo; vários países europeus que há muito optaram pela progressão automática dos seus alunos têm mais sucesso que nós; ergo, a progressão automática é fundamental à resolução os nossos problemas.
No pensar subjacente a esta perspectiva, não sei se destaque como mais exótica a espécie de inversão do ónus da prova pedagógica, se a persistente evocação do modelo finlandês. Quanto à primeira, a doutrina anti-retentiva resume-se a afirmar que não há nexo provado entre chumbo e recuperação, que é necessária uma mudança de paradigma que nos aproxime de uma escola já não de selecção mas de inclusão, e a deixar no ar a sugestão de que a progressão automática poderia sair mais barata ao Estado. Tudo aceitável num domínio reflexivo vago, menos a sugestão de menor custo de tal progressão, que carece de substância, especialmente quando olhamos para a experiência de países onde a dita existe há muito (seguramente não são de subestimar, por exemplo, e apesar do aumento de dotações orçamentais, os sérios problemas - como este, ou este, ou este - que o caso britânico, sob política afim da socrática, está longe de conseguir ultrapassar).
Quanto a propôr a aplicação em terras da nossa República de aspectos de uma arquitectura educativa criada num (e para um) país com uma cultura cívica como a finlandesa, nem fazendo figas para que factos como os aqui contados se evaporem de Portugal da noite para o dia tal ideia se afigura de um optimismo menos temível. Clarificando: a erradicação do chumbo garante em si mesma alguma coisa que não uma ascensão em rankings internacionais? Não. A sua implementação em Portugal seria o fim do sistema educativo? Também não. A questão é que é insensato apresentá-la assim aos portugueses, como forma pretensamente simples e barata de resolver um problema tão complexo como o do sucesso académico em Portugal, porque não o é. A retenção mantém-se entre nós porque é um sinal socialmente inteligível de mostrar aos principais interessados e motores do processo (convinha não esquecer: os alunos, não os professores) que não estão ao nível esperado, que têm de fazer mais, e um dos poucos instrumentos consequentes de diferenciação (potenciando o trabalho com grupos um pouco mais homogéneos) de ritmos de aprendizagem. Há hoje já diferentes curricula, expedientes questionáveis de gestão há muito que os há (escolas que empurram alunos para outras escolas, desenho de turmas 'boas' e 'más', etc.), mas para sequer se pensar na implementação da progressão automática, "mais trabalho" e "diversificação das estratégias de recuperação" não chegam nem de perto. Teria de haver muito mais que isso: revisão da carga disciplinar, tutoriais, simplificação de procedimentos administrativos, alteração do conceito de turma, personalização do currículo e revisão dos tempos de avaliação. É muito mais urgente o desenvolvimento de uma cultura de estudo do que a subida num raio de um top qualquer. Não podemos queimar etapas, temos de carrear para o Básico o que realmente é básico. O desenvolvimento das tão faladas competências (a propósito, Palmira F. Silva escreveu há dias um post de antologia sobre as orientações ministeriais para a avaliação da aprendizagem da Química no Ensino Básico) de pesquisa, selecção, argumentação, contextualização, crítica, não acontece sem o domínio do cálculo, da leitura e escrita, passando pela memorização e repetição de dados, de factos, suplementados por tecnologias de informação. A educação custa, pois. Não custa é apenas dinheiro.
[Foto: Inmagine]

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terça-feira, abril 29, 2008

LOL

segunda-feira, abril 28, 2008

Da não Unicidade Laical


Este poste é (ainda) menos de resposta ao meu caro amigo João Almeida do que o anterior. Mas queria deixar claro que quando me referia a unicidade laical estava a fazê-lo, não por via do texto dele, mas sim apontando para uma tendência dominante quando se fala de Estado Laico em Portugal para o definir em termos restritivos de um modelo único e à francesa, justificando medidas que considero restritivas da liberdade religiosa, quando não simplesmente e ridiculamente insensatas.

Essa tendência mais uma vez aflora nos comentários feitos a estes postes em que surgem livres pensadores a defender que os católicos (porque as outras minorias não interessam) podem fazer o que quiserem desde que não os chateiem, nem procurem influenciar o Estado. É uma noção muito vulgarizada mas curta do que seja uma sociedade livre. Numa sociedade plural e num Estado liberal, "os católicos" ou "os outra coisa qualquer" podem defender as ideias que entenderem pelas razões que entenderem - religiosas ou outras - e naturalmente procuram influenciar o Estado, como outro grupo qualquer, no sentido que entendem mais conveniente para o conjunto da sociedade. Isto, claro, independentemente de se concordar, em concreto, com essas ideias ou com o que é pedido ao Estado. Uma nova constituição para cada português talvez resolvesse estre problema, mas parece-me uma ideia um pouco utópica.
A tendência de unicidade laical vem de par com a propensão para fazer de quem se atreva a questionar o sacrossanto princípio do Estado Laico - seja lá de que forma atabalhoada isso se define - como um perigoso clerical, inimigo do povo, e indigno do convívio de pessoas civilizadas. Até já houve blogues feridos por causa desse obscurantismo e fanatismo iluminado anti-católico que não admite contradição.
Ora, no meu entendimento, o direito de influenciar o Estado e de participar no debate público e político é inseparável das liberdades de crença, expressão, e organização. Claro que tal coloca problemas de conciliação de liberdade indidividual e livre organização colectiva, mas que são os problemas típicos de uma democracia liberal. Aliás, surgem bem mais conflitos de direitos nos Estados oficialmente laicos do que nos Estados não-confessionais que são a regra na Europa, ou mesmo nos Estados confessionais que por aqui ainda restam.

Tentar redefinir o Estado laico parece-me uma luta perdida e desnecessária. Embora, repito, seja claro que há realmente vários entendimentos de Estado Laico - desde o do nosso Arcebispo Primaz ao do Caudillo Mexicano. Porém, os Estados que se auto-definiram tradicionalmente como laicos: França, Turquia e México - portanto a minha escolha de exemplos não tem nada de arbitrário - realmente lutaram (violentemente, por vezes) para excluir a religião do campo público. É esse exemplo, esse purismo supostamente normal, mas que é realmente uma excepção nas democracias liberais, que é evocado pelos defensores mais vocais do Estado Laico em Portugal. Por tudo isso continuo a achar que o conceito deve ser distinguido do de Estado não-confessional ou de separação de que existem vários modelos.

Não me passaria pela cabeça que o João Almeida com o seu bom humor e interesse pela discussão aprofundada destas questões se incluísse nessas tendências. Mas, afastado esse fantasma, sempre gostaria de saber porque é ele acha tão má ideia insistir que Portugal não é, hoje em rigor e de facto, um Estado Laico, mas sim um Estado Não-Confessional. Se calhar até estamos menos em desacordo do que parece.

Sermos um Estado não-confessional até me parece bem. Mas, rigorosamente, nem quis propriamente propor nenhum modelo fechado. Limitei-me a apontar para o facto de o Estado Laico ser excepção e não regra. E ser até possível encontrar Estados confessionais - como a Inglaterra anglicana, ou a Suécia luterana até 2000 - entre os melhores exemplos de democracia liberal. Portanto a ideia de que um Estado Laico é a única via para a liberdade está longe de ser verdadeira. Claro que se pode e deve falar do Irão ou da Arábia Saudita. Como se deve falar da China (e não estou só a falar dos budistas tibetanos que ficam muito bem em qualquer conversa de sala), Coreia do Norte, Vietname, Cuba. Estranhamente os amigos (laicos) da liberdade nunca parecem ter tempo para se ocupar do assunto das perseguições a católicos, hoje, por essa bandas.

Portugal deve seguir o seu caminho com bom senso e seguindo os melhores exemplos em termos de defender o mais possível os direitos de liberdade de expressão e organização dos seus cidadãos. Não tenho nada contra um coro de comunistas numa cerimónia pública no Alentejo, como não tenho nada contra um coro de igreja no Minho (e vice-versa, para variar). Isto implica não discriminar ninguém pela sua fé religiosa (ou ausência da mesma) e celebrar, em vez de esconder a riqueza e a diversidade da sociedade portuguesa, a inovação e a tradição, evidentemente sem excluir as religiões.
O lado negativo do laicismo português é precisamente o que tem de destrutivo, de polícia de costumes e de guardião de uma ortodoxia (virtual ainda por cima, sem qualquer base na lei), bem mais próximo das piores tradições nacionais que tanto se gaba de combater (a posteriori) mas de que encontramos ecos na alegre caça às cruzes.
FOTO: Juramento de posse do Governo Zapatero diante de S.M. el-Rei de Espanha perante um.... crucifixo.

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A animalidade política de Santana

Goste-se ou não, Santana Lopes é o mais lídimo representante do animal político em Portugal. Depois de ter conquistado a liderança do governo com a saída de Durão Barroso, Santana mantém-se no poder até ao golpe fatal de Sampaio. Depois de se ver derrotado por Sócrates, Santana diz que vai andar por aí. À boleia de Menezes, Santana regressa como líder parlamentar do PSD numa bicefalia que muitos previram como altamente prejudicial para o político de Gaia. Assim foi. Agora Santana regressa, como candidato à liderança do PSD. Outra vez.

Tenho quase a certeza que Santana irá perder. Mas estou certo que, mais uma vez, este não será o seu fim. Qual Benjamin Linus, da aclamada série televisiva Lost, Santana parece guardar uma ilha que ninguém sabe onde existe. Contra tudo e contra todos. Numa espécie de política do umbigo. De caçar para si próprio. Um animal político. O verdadeiro rei da selva.

domingo, abril 27, 2008

Almanaque do Povo

Careful review, pois pois: O blogue da Menina Limão foi o mais recente alvo de flagging malicioso. Não é, claro, a primeira vez que isto acontece na lusoblogosfera, mas por isso mesmo será boa altura para dar o toque ao Blogger, senhorio distraído que reprova conteúdos sem verificar coisa nenhuma. Quem quiser reclamar pelo levantamento do aviso, pergunte à própria menina limão, que ela explica como reclamar com base nos Termos de Utilização do próprio serviço.

Blogger nova: Há umas semanas assistiu-se à chegada de Laurinda Alves à blogosfera. A ideia de postar micro-entrevistas ainda não encontrou tom, mas é muito bem lembrada.

Blogger
veterana: Diotima retornou recentemente à bloga. Traz consigo a habitual dose de mordacidade, agora guarnecida de sólida bagagem horticultural.

The Deleuzian nomadic model: Prestes a completar doze anos de actividade, a Ubuweb está melhor que nunca. Merece repetida visita.


[Almanach do António Maria, R. Bordalo Pinheiro, BND]

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sábado, abril 26, 2008

A seguir

Apesar da notícia surgida no Público, tipo anúncio oficial, apesar dos blogs e dos comentários em várias caixas de vários outros blogs, apesar dos precedentes, etc., a manif' «contra a polícia» parece ter sido desconvocada. «Apesar» ou precisamente por tudo isso? Nem uma palavra, uma imagem, nada. Organização competente, ao que parece. Caso para dizer «antes assim»? Esperemos para ver, a estação quente ainda está a começar.

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quinta-feira, abril 24, 2008

Estado laico e liberdade religiosa

Caro Bruno,

Eu é que fico perplexo por escreveres que não quero discutir os factos em torno das questões da laicidade. Não fui eu que abri a discussão neste blogue? E não teria aberto a discussão se, além de te reconhecer legitimidade para te pronunciares, também te reconhecesse responsabilidade e soubesse que os teus textos têm impacto e devem ser lidos com exigência. E já que colocaste a questão da legitimidade: o título do teu poste – a «unicidade laical» – não será uma insinuação torpe acerca da minha legitimidade? Ou será antes o estabelecimento de uma ligação entre D. Jorge Ortiga e o PCP? A ironia do título acaba por ser reveladora – em democracia pode-se combater e vencer um projecto de unicidade sindical. Os comunistas podem ter um sindicato «deles». Mas será legítimo em democracia que o Estado português não seja também o Estado «deles»?
Modelos de Estado laico e Estado não confessional há muitos. Eu acho que o Estado laico não implica um projecto de laicização da sociedade e é compatível com o reconhecimento do papel social e cultural das diversas confissões religiosas, sendo que o papel da Igreja Católica em Portugal tem um maior peso. E isto não é por causa da diferença entre a teoria e a prática. É porque a teoria é outra.
Tu achas que o modelo de Estado não-confessional é melhor e gostarias de seguir o exemplo do Reino Unido. Será que os comentadores que reagem tão violentamente aos teus pontos de vista são culpados de ignorância ou são culpados de não serem ingleses? O modelo do Reino Unido deve-se à enorme sapiência e clarividência britânica ou à peculiar relação entre um Estado e uma Igreja maioritária com características diferentes do Estado português e da Igreja Católica? Será por acaso que as ideologias laicas se desenvolveram na Europa do Sul e na América Latina católicas e não na Europa do Norte onde as Igrejas maioritárias são protestantes? Será irrelevante que a Igreja Anglicana não tenha ordens religiosas e portanto a questão congreganista que atravessou a política portuguesa desde o século XVIII ao primeiro quartel do século XX não se tenha colocado no Reino Unido? Porque será que os portugueses laicos e ateus do início do século XX retomaram políticas do Marquês de Pombal e dos liberais do século XIX? Será que os liberais do século XIX, mesmo católicos e querendo uma religião do Estado católica, não tiveram de afirmar o seu projecto de Estado liberal contra determinadas concepções e práticas da Igreja Católica que não tinham a ver com a teologia e a prática religiosa, mas com o regime de propriedade, a concepção das funções do Estado, da organização económica, etc, tudo questões que não se colocavam no Reino Unido?
Há Estados liberais em que uma religião oficial é compatível com a liberdade religiosa. Mas também há Estados, como o Irão, em que a existência de uma religião oficial implica a descriminação das religiões minoritárias e a codificação da pena de morte para os ateus. Antes o Estado laico francês ou turco (apesar de não concordar com alguns aspectos) do que o Estado anti-laico iraniano.
Caro Bruno,
Queres enxertar em Portugal um modelo de Estado não-confessional inspirado nos modelos nórdicos, mas facilmente despertas os fantasmas um catolicismo se não anti-liberal, pelo menos com uma concepção redutora da liberdade.
Eu quero partir do Estado laico como um dado civilizacional adquirido e construído no sentido de garantir a liberdade religiosa, incluindo a liberdade do ateísmo. Essa é, em minha opinião, a melhor forma de garantir que o Estado seja de todos, e a dignidade de todos seja reconhecida, o que implica a liberdade de praticar uma religião.
PS A forma heterodoxa deste poste deve-se ao facto de ter sido primeiro pensado como comentário, tendo desistido de o meter numa «caixa de comentários» devido à sua extensão.

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Duas discussões, de facto

O post da Ana Cláudia Vicente refere duas discussões, uma sobre a guerra colonial, outra sobre a «rua» em democracia. Deixo de parte a da guerra colonial, quero apenas notar que a Ana Cláudia, apesar da atenção que tem e que falta a outros, passou em claro as duas discussões em curso sobre a «rua».
Há uma discussão nos links no 5Dias e no blog da Atlântico que a Ana refere. Trata-se de uma discussão que eu não mantenho. A saber, discute-se por lá casos de polícia (sobre isto ver também o meu comentário na caixa do post da Ana): quem é pior, skins ou okupas? Como combater a delinquência e a ilegalidade? Etc. Não tendo eu conhecimento de assuntos de segurança interna, isto tudo só me interessa na estrita medida dos princípios: ditos de «Esquerda» ou de «Direita», aqueles que combatem a democracia ilegalmente devem ser combatidos legalmente pela democracia (pela lei, que a polícia faz, se necessário, cumprir). Saber quem é pior é irrelevante, tal como contar os mortos de nazis e sovietes não adianta nem atrasa.
A outra discussão, que eu fiz no post que a Ana refere e noutros, e que faço também num livro (que já valeu à editora ser hackada sem que ninguém se indignasse…), não é uma discussão de polícia mas sim de política. Interessa-me saber: 1) que apoios, directos e indirectos, têm os que atacam ilegalmente a democracia? 2) que significado social têm esse ataque e esses apoios? Os apoios directos encontram-se na extrema-esquerda parlamentar, sobretudo no BE, como é público, os indirectos na Imprensa (incluindo blogs) que acham tudo «normal»; o significado social é tratar-se de uma generalização de uma relação cesurista com a vida em comum, democrática, e a promoção de uma distopia supostamente socialista e na verdade totalitária. Que se infiltra nas forças democráticas, como PS e PSD. Não por acaso, visa sobretudo o PS, a única força democrática de Esquerda em Portugal.
Apesar de a acção de polícia poder ser necessária (e é bom que surja, se vier a ser precisa), o que me interessa é a discussão política. E nada disto é de agora, a displicência e as cumplicidades são infelizmente muito velhas.

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quarta-feira, abril 23, 2008

Duas interessantes discussões

[c.Nick, Nearing Zero cartoon freeware]
dos últimos dias, encontrei-as pela bloga. A primeira faz-se do confronto de diferentes experiências da guerra colonial/de independência, atentamente inventariadas por Joana Lopes; a segunda tem que ver com o cabimento da "rua" numa democracia consolidada, aqui mesmo iniciada pelo Carlos Leone, tocada por Paulo Pinto Mascarenhas no blogue da Atlântico, e abordada num registo clássico de condescendente pelo Luís Rainha, no 5Dias.

segunda-feira, abril 21, 2008

A Unicidade Laical

O João Almeida fez-me a honra imerecida de me dedicar um poste. Não tenho, de momento, nada de fundamental a acrescentar aos argumentos que sobre o tema escrevi. Até porque as dificuldes que o João parecer ter em perceber-me (ou até em aceitar sequer a legitimidade como ponto de discussão do que tenho para dizer?) parecem ter algo a ver com o facto de que não parece ter lido o que escrevi, pois repete objecções a que respondi (portanto não vale a pena repetir-me). Mas sempre me oferece o pretexto para desenvolver um pouco mais o assunto.

O João oferece-nos a sua definição de um estado laico que nunca existiu. Uma coisa muito útil e que tomarei em boa nota. Será certamente uma novidade para a França, México e a Turquia. Talvez convenha avisar os tribunais turcos para evitar o risco de que em nome desse princípio constitucional afinal inexistente o partido actualmente no governo turco seja proibido por violar o sacro Estado laico.


Até admito haver várias definições de Estado laico - desconfio que a de D. Jorge Ortiga não será a de Emiliano Zapata. Até por isso eu prefiro o termo menos confuso de Estado não-confessional ou de separação. Desde logo porque quem usa o termo Estado laico geralmente quer aproximá-lo do modelo (mal conhecido, admito) francês (ou será turco ou mexicano?)

Claro que o modelo de Estado laico puro - de um espaço público totalmente monopolizado pelo Estado e totalmente estranho à religião nunca foi completamente concretizado (com a possível excepção de Estados violentamente ateus como a Albânia, a URSS ou a China, Coreia do Norte.) Mas isso só mostra que nem sempre é clara a fronteira entre público e privado, estatal e não-estal (um problema de base do laicismo). Reflecte também o problema mais geral de que entre o ideal e a prática geralmente (graças a Deus) vai alguma distância.
Afinal até De Gaulle e Mitterand tiveram missas de Estado em Notre Dame.
Afinal, até o governo de Zapatero, com os seus laivos laicistas, foi há dias jurado diante deS.M. el-Rei de Espanha e um belo crucifixo (Algum comentário a fazer pessoal laicista radical português? Estou desiludido convosco! Nenhuma lição a tirar?! Nenhum exemplo para Portugal?!)

Que a discriminação religiosa foi de regra até (pelo menos) à década de 1950 por todo o mundo, inclusive no Ocidente democrático, não contesto, do Sul baptista dos EUA até ao norte protestante da Irlanda. Mas não vejo é o que é isso tenha a ver com o assunto. Ou no que é nisso o Estado Novo ou a nossa Monarquia Constitucional se notabilizem, excepto pelas limitações no apoio efectivo à Igreja Católica se comparadas com a maioria (se não todos) os Estados europeus dessa altura e até - volto a sublinhar - a própria França laica, que paga padres na tropa e nas prisões e nos hospitais (antes e depois de 1905) e que pagou uma volumosa indemnização à Igreja Católica pelas expropriações que lhe foi, coisa que o Estado Português (Novo ou velho) nunca fez.
Que isso seja desconhecido militantemente pela maioria católica e sem ser católica é possível, mas que não me parece argumento de grande valia. A ignorância sempre foi afoita e o preconceito persistente. Que alguém como o João continue a recusar pelo menos discutir alguns destes factos já me deixa mais perplexo, mas é algo com que conseguirei viver graças às suas muitas outras qualidades.

Nem vejo que certo tipo de estatuto especial para a Igreja tradicionalmente dominante num país seja necessariamente uma discriminação inaceitável das outras. Por enquanto, ainda ninguém levantou a questão - creio - de se expropriar a igreja anglicana de Westminster por ter uma localização tão discriminatoriamente central em Londres, ou passou pela cabeça de muita gente dizer que a Inglaterra não é uma democracia liberal porque tem uma Igreja de Estado.

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Da crise do PSD e outras perguntas

Parece porventura uma banalidade dizer que a supremacia do ego é nos dias que correm a doutrina oficial. Podemos observá-lo em diversos aspectos da vida contemporânea. Mas o flagelo do egoísmo e do egocentrismo parece quase um mal irremediável que vai corroendo as nossas relações com os outros, no sentido mais largo que esta expressão pode ter. Isto não é o que está no fundo da crise do PSD? Barões ou populistas, nas cúpulas ou nas bases, o que está mal não é um profundo egoísmo ideológico, virado para os interesses próprios e pleno de "pessoalismos"? Não é a ausência de um sentido político de comunidade, de partilha, de bem-estar comum que está em causa na política actual? Não é isto a falência de qualquer modelo de governação? E isto não é novo, nem é de hoje. Mas a quem podemos afinal confiar a direcção da nossa comunidade? O que fazer da política? Como transformar as energias que emergem dos nossos egos e pô-las ao serviço do bem de todos? Como sermos mais com os outros e para os outros, sem ortodoxias nem fanatismos? Como nos libertarmos destas teias do ter e do possuir? Como organizar um partido que lute apenas pelo bem-estar comum, sem falsas utopias, sem ingenuidades, sem lógicas de partido único ou doutrinas absolutistas da vida em comunidade?

Perdoem os caros leitores tantas perguntas sem respostas.

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sexta-feira, abril 18, 2008

Não estou

Não estou na corrida para comentar a demissão de Luís Filipe Menezes. O que não quer dizer que não estarei na corrida para comentar a demissão de Luís Filipe Menezes. Em compensação, ontem à noite estive a rir-me com as notícias na SIC da demissão de Luís Filipe Menezes, estou-me a rir enquanto escrevo este poste, e é provável que ainda me venha a rir mais nos próximos dias com a novela enovelada da demissão de Luís Filipe Menezes.

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Em louvor do Estado laico

Nunca pensei citar o Presidente da Conferência Episcopal numa discussão com um amigo do Povo. Mas Deus, além de escrever direito por linhas tortas, inspirou D. Jorge Ortiga a dizer, em entrevista ao Público de 6 de Abril passado: «Reconhecemos, e afirmei-o categoricamente, a laicidade do Estado». O que significa que para um bispo identificado com a linha mais conservadora da Igreja o Estado laico é um adquirido civilizacional. Congratulo-mo que assim seja. Não percebo a indignação de Bruno Cardoso Reis ao proclamar, no blogue Atlântico, que «Portugal não é um país laico». Nem Portugal, nem o México, nem a Turquia. Um país laico seria um país sem qualquer vestígio de vida religiosa. O que já foi a intenção assumida de vários projectos políticos que tomaram o poder do Estado, mas nunca uma prática totalmente realizada. Um Estado laico não é necessariamente um Estado laicista, ou seja, um Estado que quer «limpar» a sociedade do fenómeno religioso. Pelo contrário, um Estado laico pode ser a condição necessária para permitir o convívio pacífico entre diversas confissões religiosas.
No seu ataque ao quimérico «país laico», Bruno Cardoso Reis afirma que a Igreja Católica em Portugal não foi favorecida pelo Estado em Portugal nos últimos duzentos anos. É a vitória do bloguista sobre o historiador. A Igreja Católica foi favorecida pelo Estado em relação a outras confissões religiosas. As Testemunhas de Geová, por exemplo, foram particularmente perseguidas durante o período da guerra colonial, pois a sua fé implicava a objecção de consciência e impedia-as de prestar serviço militar. Num segundo post, Bruno Cardoso Reis, admite a vantagem do catolicismo em relação a minorias religiosas, mas volta a insistir na ideia de que a Igreja Católica nunca foi favorecida sistematicamente pelo Estado. Francamente, não percebo. Durante a monarquia constitucional a Igreja Católica era a religião oficial portuguesa e os padres funcionários públicos sustentados pelo Estado. Durante o Estado Novo, a Igreja Católica possuía o monopólio do ensino religioso no sector público e tinha um lugar privilegiado no protocolo do Estado.
Respondendo a críticas, no segundo post, Bruno Cardoso Reis, avança com uma definição de Estado laico: seria aquele «em que o acesso das religiões ao espaço público é inteiramente ou substancialmente limitado, como sucede tradicionalmente em França, no México, na Turquia». Convém distinguir entre espaço público e Estado, como D. Jorge Ortiga distingue entre Estado e Governo. Mesmo os países com um laicismo mais forte, como a França, proíbem os véus muçulmanos nas escolas públicas (e por acaso não concordo com isso), mas não as manifestações religiosas em Lourdes. Ou seja, não admitem manifestações religiosas num espaço público que é do Estado, mas o Estado não monopoliza todos os espaços públicos. Em Portugal, no século XXI, o Estado laico será mais favorável à convivência entre diversas correntes religiosas, espirituais e filosóficas do que qualquer outro Estado decalcado de países com uma História e tradições religiosas maioritárias diferentes da portuguesa.

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Os amigos da multidão de visita

Mau grado os posts despropositados, temos leitores atentos.
Por isso não estranhem se, tal como já acontece com links em posts recentes, este blog em breve for hackado. Contra o capital, claro, pois isto aqui é uma corja de capitalistas...

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Soalheira ou Solarengo

Ainda a respeito deste exercício, fui explorar as diferenças entre soalheira e solarenga. De facto, a segunda é remetida para solar, mas (logo acrescentam vigilantes dicionários de serviço) no sentido de casa nobre. Ora não vejo porquê. Até me parece que o calor mais pachorrento para que o uso tem remetido solarengo é algo que nos faz falta. É que, pensando bem, soalheira aponta para sol a pico e relativamente violento, num sinónimo de canícula.
Enfim, serve o presente ainda para apontar a falta que sinto de em português haver um On Language, um William Safire (qual novo Samuel Johnson), conservador q.b. que nos guia divertidamente pelos avanços e recuos de uma fala e escrita inglesa em movimento, com o bónus adicional de um particular e irónica atenção à política. Mais uma vez (a contragosto o confesso) se chega à conclusão que a liberdade está (mesmo, mesmo) em certo perigo em Portugal.

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quinta-feira, abril 17, 2008

O Bloco (anti)democrático

Agora que o PPD/PSD consegue aumentar ainda mais a barafunda em que vive e que serve para entreter quem resume a política a peripécias sem sentido, convém notar uma notícia de 4 linhas discretamente surgida hoje no Público: «convocada manifestação contra a polícia a 25 de Abril». Curioso? «Diversas organizações marcaram uma ‘manifestação antiautoritária – contra a repressão policial’ para dia 25 de Abril, às 17.30h, na Praça da Figueira, através de um blogue na Internet. Isto é tudo demasiado óbvio, ainda há dias se tinha anunciado aqui o género de agitação antidemocrática em preparação a coberto «de Abril».
Para aqueles para quem o 25 de Abril é democracia (e não, como estes fascistas supostamente de Esquerda dizem, democra-CIA), é preciso perder de vez as tibiezas. Isto não passa da repetição do exercício perpetrado o ano passado, igualmente a 25 de Abril, e já com várias sequelas (milheiral no Algarve no Verão de 2007, centenário do regicídio já este ano). O que a notícia demonstra uma vez mais é a cumplicidade (para quem não sabe, o termo é pejorativo) da comunicação social dita de referência com organizações (não especificadas) anti-democráticas que, pelos vistos, insistem em manif’s selvagens para se fazerem de vítimas da lei (não é a polícia, tão reclamada contra skins, que está em causa). Quem é democrata, independentemente de ser de Esquerda ou não, laico ou não, republicano ou não, só pode denunciar abertamente o carácter anti-democrático destas práticas – repetidas e exploradas partidariamente pelo BE – sem esperar pelo pior. Fingir que não se vê para não se envolver em querelas com conhecidos, amigos, sócios, etc., é perder a legitimidade para se diferenciar.
Pela minha parte, nada a acrescentar.

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Conluio de borboletas?

É conhecido o efeito de borboleta, em que o bater das asas de uma borboleta num extremo do globo terrestre pode provocar uma grande tormenta no outro extremo num determinado intervalo de tempo. Parece-me que esta será a última grande teoria de Luís Filipe Vieira para explicar o sucedido ontem em alvalade num jogo histórico: algures no Pacífico há um conluio de borboletas...

quarta-feira, abril 16, 2008

1968-2008

Para quem não percebe aquilo que Obama quer representar, Bobby (Emilio Estevez, 2006) ajuda a perceber. Há uma América do Norte gravemente ferida desde década de sessenta do século passado, e não conheço filme que melhor ilustre esse padecimento do este. Para quem não viu, fica a sugestão: Let's look at the trailer:

terça-feira, abril 15, 2008

Coisas que só a mim me ocupam*

1. No último fim de semana, fonte habitualmente suspeita (Público, mais a mais VPV) dava conta de uma empresa de funerais de luxo. Parece que os entes queridos guardam cabelos do falecido . Mas, esperem, isto não é tudo, muito menos é fetichismo; os cabelos são guardados depois de a funerária os ter processado de modo a se tornarem diamantes de várias cores. Isto não é profanação de cadáver?


2. Também no último fim de semana, os Obamitas voltaram ao noticiário em Portugal. Reportagem na RTP informava que no You Tube (eis uma desinvenção que seria urgente...) fazem enorme sucesso vídeos com criancinhas sub-verbais a dizerem «O-ba-ma». E, como se fosse preciso explicar, a voz off lá dizia que isso se devia à facilidade das crianças pronunciarem o nome. Bem sei que é sempre o pessoal que não é de Esquerda que «gosta de Obama» (eis toda uma política), mas isto não devia ser considerado exploração infantil?


3. Esquerda por Esquerda, que dizer da tendência alegrista do PS, que agora anuncia debates (coisa nunca vista, pois quando Alegre não aparece eles não o são...) como se fizesse uma revelação? «O dever dos socialistas é continuar a perguntar», pois então.


4. Claro que, para bem perguntar, convém começar por perceber. Há quem não perceba e quem se contente em citar quem não percebe. (Certas coisas, como a duplicidade do PCP no que toca a eleições no Zimbabwe ou à situação dos Direitos Humanos na China, em Cuba, na Colômbia ou na Coreia do Norte, já para não falar de Angola, deixaram há bastante tempo de suscitar perguntas.) Mas o facto é que a vacuidade de certas «perguntas» explica-se bem pelo esquecimento do que é óbvio: o socialismo da nossa autoprocalamada «verdadeira esquerda» não pretende ser colectivista (aliás, a definição de «trabalho» naqueles posts até Max Weber a aceitava), é distópico.


5. E, como observava no último fim de semana (sim, post pescadinha-de-rabo-na-boca), o distopismo cresce (gosto muito de o Público só nos dar a opção de achar os artigos interessantes). Foi muito fácil atacar «os políticos» (sobretudo do PS, agora espantem-se com o Ribau, vá...) de «pressões», não foi? Agora sobra apenas a melhor corporativite jornalística na defesa da Srª Sócrates, outrora conhecida por Fernanda Câncio, que por alguma carga de água tem um espaço fixo de opinião no seu jornal para perorar sobre coisas que não estudou a título de opinião (coisa, não por acaso, cada vez mais comum no jornalismo português - o link é o mesmo do ponto 4). Enquanto o PSD não protesta contra as opiniões da Srª Seara (perdão, Drª Jornalista Judite de Sousa) nos jornais desportivos, vamos vendo a distopia a crescer. Não será apenas em Abril.



*título copiado daqui

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Sigur Rós na Radar, em Dezembro de 2007!

Eu que normalmente oiço falar das novas tecnologias bastante a tempo - sem qualquer presunção de me julgar iluminado - demoro depois uma eternidade até me render às virtudes do produto ou serviço, aplicável em algum domínio da minha vida, se assim posso escrever. Foi assim com a ferramenta "blogue", com as rádios pesssoais (LastFM, por exemplo), com os softwares de partilha ilegal de ficheiros (que juro conhecer mas nunca utilizar!), etc, etc.
Isto tudo para dizer que desde que conheci os podcasts e os vídeos que abundam na web quase que deixei de ouvir rádio ou ver televisão "em directo". Isto para dizer, finalmente, que um dos meus álbuns preferidos, Ágaetis Byrjun (1999) dos islandeses Sigur Rós foi objecto da rubrica Álbum de Família da Radar, em Dezembro de 2007 e só hoje descobri! É ouvir em diferido ou realizar o download legal deste magnífico podcast.

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Acordo no Quénia?

Será que desta vez o acordo veio para ficar? Tem todas as condições para isso, faltando ainda saber onde acabam e começam as prerrogativas governamentais de cada um dos actores da cena política queniana e do novo governo de coligação.

domingo, abril 13, 2008

Almanaque do Povo

Postar até quinar: Por sugestão de um dos amigos aqui do Povo, o David Soares, li este artigo do NYT, a propósito das mais recentes baixas-em-acção de blogo-empreendedores. Apesar dos simpáticos valores auferidos por rapaziada menos mal sucedida (c.70 000 USD/ano), o artigo adverte que postar pode fazer mal à saúde: a crescente aposta na criação e manutenção de fluxos ininterruptos de dados, em intensa competição por uma audiência global, sublinha agora o facto de que para uma mente sã ainda não foi inventado cold reboot.

Por falar em NYT: Nos dias que precedem a viagem do Papa Bento XVI aos EUA, eis uma curiosa peça multimédia. Aí estão registadas 25 vozes de católicos norte-americanos de diferentes idades, géneros, ascendências e sensibilidades. Uns afastados, outros comprometidos, esperançados, confusos. Washington D.C. e New York são as cidades no roteiro, mas, como indicam vários desses testemunhos, é Boston que paira sobre o (in)consciente colectivo católico norte-americano. Uma visita a acompanhar.

PSD[ownhill?]: Pelas minhas contas, Fernanda Câncio era já jornalista ainda eu acabava a escola primária. Ao longo dos anos vi trabalhos seus para televisão, reportagens na imprensa, li um dos livros publicados (sobre vida suburbana, tema que me é caro). Teremos mundividências muito diferentes, mas nunca foi preciso partilhar com alguém a forma de perspectivar a realidade para lhe reconhecer qualidade profissional; a mim, banal leitora do seu trabalho, parece-me que ela a tem. Daí que esta declaração, sobretudo para quem já votou no partido de quem a faz, seja incompreensível. Sou típica eleitora de centro, mas o pêndulo tem tombado as mais das vezes para os sociais-democratas; custa-me particularmente, pois, que o partido esteja largado a quem faça tais juízos na vez de fazer oposição. Em tempos não-tão-idos, o PSD preocupava-se com a vida dos pequenos e médios empresários, com o desenvolvimento regional, com a população idosa, com a reconversão da indústria - agora, pelo menos um dos vice-presidentes da comissão política nacional acha que assim é que é, assim é que se faz.

Lendo e aprendendo: Certo é que sempre que passo pelo Combustões fico a saber algo mais. Os recentes posts sobre Banguecoque são disso exemplo.

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Para os amigos do povo e demais transeuntes

Confesso que não esperava por este convite para escrever neste blogue. Tenho pautado a minha presença na blogosfera (desde Julho de 2003) por uma forma discreta e anónima, num registo pessoal que não me apetece hiperligar com estas palavras.
A alguns amigos que escrevem neste blogue só tenho a agradecer a amabilidade do convite. Aos outros agradeço a simpatia.
Tentarei delinear um registo que sirva os propósitos deste blogue. E se a pluralidade é um ponto de partida, como se diz em bom português, "não começamos mal"!
Até logo.

A «rua»


A foto foi tirada no dia 1 de Abril, na Faculdade de Letras. Está, por lá, pintada em vário sítios: «Em Abril sai à rua». A «rua» faz parte cada vez mais relevante da democracia portuguesa, já forçou o PCP a mudar de métodos e atrai cada vez mais o PSD (por exemplo aqui, pese embora a ignorância da jornalista, que se imagina caso nunca visto...).
Veremos, quando acabar a conversa sobre o grande escândalo «Coelho na construção civil», quem vai sair à rua. E como a «rua» se comportará, depois das amostras em 2007, que começaram justamente no 25 de Abril (mais sobre tudo isto aqui). Não é preciso ter uma bola de cristal, basta responsabilidade.

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sexta-feira, abril 11, 2008

Talento sem filme

Youth without youth, de Francis Ford Coppola, é uma banhada. Eu, que até já fui acusado de ser demasiado indulgente com alguns filmes, não consigo descrever a minha reacção de outro modo. O plot é uma variação estapafúrdia, do mais gasto dos plots: «boy meets girl». Neste caso, um velho orientalista apanhado por um raio que o rejuvenesce trinta anos encontra a reencarnação de um antigo amor da juventude. Que é também a reencarnação de uma mulher da antiguidade remota, que consegue falar imensas línguas antigas conhecidas e desconhecidas. Esta variação do plot só se torna nítida ao fim de uma hora. Em toda a primeira parte do filme a história de amor é secundária e o espectador é confrontado com os dilemas existenciais de um investigador, que além de ser rejuvenescido por acção de um raio caído dos céus, em 1938, ganhou superpoderes e por isso é disputados por norte-americanos e nazis. A segunda guerra mundial acaba e seria natural que a disputa continuasse por intermédio de norte-americanos e soviéticos. A meio do filme acaba a história de espionagem e começa outra de amor e demanda espiritual.
Pior que as incongruências do guião é a deriva estilística do realizador. Coppola imita Coppola, imita o Carol Reed de O Terceiro Homem (nas cenas nocturnas de Genebra), parece que imita Oliveira. O espantoso é que fiquei com a impressão de que alguns diálogos palavrosos das personagens seriam mais toleráveis numa película do quase centenário realizador português. Em Youth without youth aparecem todos os géneros: ficção científica, fantástico, melodrama, histórico. Só não aparece a inspiração do realizador que nos deu grandes filmes como todos os Padrinhos, o Apocalipse Now, e pequenas obras-primas como Do Fundo do Coração e Rumble Fish. De todos os seus filmes anteriores, Drácula é o mais parecido com este, sendo muito mais eficaz. O filme adapta uma história de Mircea Eliade, de quem li, desde a minha adolescência, várias obras como O Mito do Eterno Retorno. Sempre tive curiosidade em ler as incursões do orientalista na ficção, curiosidade que Coppola conseguiu extinguir. Um filme a perder.

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A esquerda e o casamento

O valor fundamental da esquerda é a igualdade. O casamento é uma instituição igualitária. Logo, a esquerda devia defender o casamento.

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Ainda o «divórcio sem culpa»

O meu post sobre o projecto de «divórcio sem culpa» deu origem a comentários desenvolvidos que me atribuíram um tom que não é o meu. CLeone, no início do seu primeiro comentário, afirma que a «questão da culpa não é metafísica». Ora, se no meu post recorro à palavra «metafísica» é com ironia, sublinhando a carga religiosa que continua a ter a palavra «culpa» neste contexto. E também a conotação anti-religiosa de algumas intervenções a favor da eliminação da «culpa» do casamento. Estas conotações dão bastante dramatismo à discussão, ao mesmo tempo que a distorcem, criando mal-entendidos e alimentando processos de intenções. Depois CLeone afirma que «as leis não devem inculcar moralidade» e portanto o divórcio não deve suscitar «sanção moral». Concordo ao mesmo tempo que lamento que em certos meios algumas pessoas continuem a ser mal vistas por se terem divorciado.
Quanto ao projecto do PS, do qual hoje o Público traz mais notícias, só posso concordar com duas inovações que visam «proteger as partes mais frágeis» da família: «o não cumprimento culposo dos deveres parentais passa a ser crime de desobediência. E o trabalho da mulher a favor da família pode passar a ser compensado economicamente no momento da partilha dos bens». Isto não me impede objectar ao princípio do projecto de lei, princípio que é resumido no Jornal de Notícias da seguinte forma: «o juiz vai deixar de considerar os deveres do casamento para determinar a dissolução do mesmo». Eu não gosto de viver numa sociedade em que os meus deveres para com o Estado, que tem muito mais poder do que eu, são levados muito a sério e os meus deveres livremente assumidos para com outra pessoa, numa relação de igual para igual, são considerados irrelevantes.

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quarta-feira, abril 09, 2008

Notícia(s)

Hoje, pelas 18.30h, Maria Lúcia Lepecki apresenta na Biblioteca Nacional, em Lisboa, o escrito Lavagante, de José Cardoso Pires, editado postumamente pela recém-surgida edições nelsondematos. Na mesma ocasião, a BN assinala a recepção do espólio do escritor, doado pelas suas Herdeiras.
Já amanhã, mas em Évora, estreia no Teatro Garcia de Resende «Memórias de Branca Dias», de Miguel Real, adaptado por Filomena Oliveira. Permanece em cena até dia 4 de Maio.

(A avaliar pelo estudo sobre blogs divulgado ontem no DN, e que não vi comentado em blog nenhum, acho que estas notícias são bastante ociosas. Pois tanto melhor...)

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terça-feira, abril 08, 2008

Ncontrast: conceitos perpendiculares

Aproveito esta oportunidade para vos apresentar uma nova revista caracterizada por uma miscelânia entre uma cultura visual e uma vertente editorial que abrange áreas desde as artes plásticas, design, multimédia, fotografia e letras. Nas suas várias secções são também focadas personalidades e outros eventos dentro de um conceito muito próprio, caracterizado pela inovação do seu conteúdo e imagens. A revista está disponível em vários pontos do país e a sua distribuição é gratuita, estando assim em contacto com um público generalista. Também podem consultá-la on line.
Bons contrastes.

segunda-feira, abril 07, 2008

O Club de Mark Eitzel

A capa aqui ao lado é a de Mercury, o melhor disco do American Music Club, um pseudónimo de Mark Eitzel (por isso o melhor é consultar o site pessoal para informações dos discos do grupo ou dos que assinou a solo):
http://www.markeitzel.com/ (Mercury, apesar do que está no site, é de 1993).
Mas dizer «o melhor» é pouco importante, a produção média é tão estável que entre este e os da mesma década (San Francisco, Everclear), os da década anterior (Engine e California, pelo menos) e os da década actual (como o que os trouxe ao Santiago Alquimista em 2005, Love Songs for Patriots), nem é necessário escolher. Além do mais, Eitzel a solo, desde 60 Watt Silver Lining (1996) até Candy Ass (2005, se não erro) tem um som praticamente igual ao «clube». No novo, acabado de surgir, The Golden Age, o American Music Club retoma mesmo uma canção do último album a solo de Eitzel, com arranjos mais elaborados. Eu preferia «The Sleeping Beauty» na versão de Candy Ass, tocada ao vivo por Eitzel (desta vez a solo) também no Santiago Alquimista numa versão ainda mais minimal. Mas faz sentido: Eitzel é sobretudo um poeta, com um talento para interpretar as suas coisas graças a variações no uso da voz e com um sentido de gosto muito estável em matéria musical; as mudanças instrumentais apenas ajustam a música a um grupo em vez de a um único intérprete.
A música de The Golden Age, cuja capa impecavelmente kitsch aqui não reproduzo de propósito (só a vendo por completo, abrindo o CD, se percebe a piada, coisa que é costume negar às coisas de Eitzel em nome de um suposto dramatismo), é American Music Club no seu melhor: letras de um dos melhores letristas americanos (como Lou Reed, Tom Waits, Stephen Merritt e poucos mais), rock escuro, adulto, por vezes completamente irónico (arranjos como sempre muito discretos), som perfeitamente coerente mas capaz de se refazer para ser tocado em palco (Eitzel tem até um CD intitulado The Ugly American, maioritariamente composto de canções do AMC arranjadas com instrumentos tradicionais gregos...). Um dos melhores discos do ano, sem reservas. Nunca é de esperar menos de quem gravou, há 20 anos, «Outside this Bar».
Voltarão cá?

(Apenas uma nota, muito lateral: para aferir do estado da crítica de música em Portugal, comparar o que um crítico do Público escreveu este fim de semana sobre Karajan e o que, no mesmo local, escreveu um músico.)

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domingo, abril 06, 2008

Almanaque do Povo

"Padrõezinhos cá para cima"*: Pesquisa sumária permitiu-me constatar que a dificuldade de leitura da Câmara de Comuns não me é particular. Rui Bebiano e Joana Lopes explicaram, Pedro Vieira ilustrou, a mim resta-me concordar: de ninguém com mais de dezasseis anos - quanto mais de actores políticos/comentadores de política - se espera tal domínio da língua.

Radiolog: Já lá vai, o tempo das primeiras reportagens e debates públicos sobre blogues. Ultrapassado o efeito-novidade, é agora mais difícil saber sobre quem vai ganhando protagonismo ou entrando na blogosfera. Valham-nos as rádios e os seus podcasts: quem como eu muito pouco consome esse meio de comunicação tem segunda oportunidade de ouvir, por exemplo, Pedro Rolo Duarte à conversa com Sofia Loureiro dos Santos, ou com Maria João Nogueira, ou ainda Ana Sousa Dias em entrevista à dupla Joana Lopes/Shyznogud.


Divulgação: O 5º colóquio 2007/2008 promovido pelo CRC acontecerá no dia 15 de Abril, pelas 18:30. A encíclica Spe Salvi estará em debate e intervirão João Bénard da Costa, Laurinda Alves e o Pe. Peter Stilwell. Como de hábito, o colóquio terá lugar no CNC, mas desta feita na Sala Sophia de Mello Breyner Andresen (entrada pela Rua António Maria Cardoso, nº68). O acesso é livre e todos são bem-vindos.

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sábado, abril 05, 2008

As ilusões de narciso

Cinco anos depois da invasão do Iraque, José Pacheco Pereira gasta tinta e papel de jornais a defender o seu apoio a uma guerra legitimada por embustes. A esta distância a sua atitude é menos explicada por razões e argumentos do que por uma atitude que os esquerdistas dos anos 60 e 70 definiam na frase «Antes estar errado com Sartre do que ter razão com Aron». A variante que explica Pacheco Pereira seria qualquer coisa do género: «Antes estar errado com o Presidente dos Estados Unidos do que ter razão com comunistas e esquerdistas». É o narcisismo e o instinto de trincheira a prevalecer sobre a lucidez. A esta crítica pode objectar-se que as nossas escolhas nunca são inteiramente racionais. Que escolhemos sempre com quem estamos antes de escolhermos por que é que estamos. Mas nem todas as tomadas de posição são consequência da pertença a um determinado grupo. Há grupos que são formados pela soma de diversas tomadas de posição; há grupos que se definem mais por uma atitude do que por uma ideologia. Eu prefiro outra variante daquela máxima antiga: «Antes estar certo com um dissidente, no caso da guerra do Iraque um dissidente conservador, do que estar errado com um grupo de fanáticos.»

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Divórcio e responsabilidade

A minha ignorância de questões técnico-jurídicas, tem-me mantido afastado do debate em torno das alterações à lei do divórcio. Porém, a consciência da ignorância própria, não me impede de ver o dislate alheio. Rapidamente a questão perde um carácter jurídico e resvala para o campo metafísico-filosófico. Neste caso o problema metafísico é o de haver ou não haver culpa. Parece que a proposta do PS pretende afastar o conceito de culpa e decretar o divórcio imediato em caso de violação dos direitos fundamentais de um cônjuge. Se alguém não é culpado por violar os direitos fundamentais de outra pessoa, então o que é a culpa? Muitos divórcios são legitimados pelo conceito de culpa. Incluindo a culpa de, desde o início, querer um «casamento de fachada». Concordo que não faz sentido culpabilizar uma pessoa apenas porque deixou de amar outra. Daí a declará-la irresponsável em caso de divórcio vai uma grande distância. Se uma pessoa se quer divorciar porque deixou de amar o cônjuge é responsável por quebrar uma promessa e defraudar as legítimas expectativas de outra pessoa. Quem não quer as responsabilidades inerentes ao casamento tem boa solução – não case.

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sexta-feira, abril 04, 2008

Palavras Escolhidas

Aproveitando o desafio do João e umas longas horas de avião, aqui vão algumas das minhas palavras preferidas em português. Tal como para a Ana Cláudia a sonoridade é um atractivo de peso, a par da originalidade, do eco natural da coisa representada e do sentido prático.
Achaque, quem os não tem? É um desporto nacional. Infelizmente agora anda tudo disfarçado de nomes complicados, científicos e medicamentosos (das minhas palavras desfavoritas em português) com séria perda linguística e creio que também orçamental e até sanitária (outra desfavorita).
Alquebrado diz tudo o que há a dizer.
Alecrim soa a cheirosa alegria campestre.
Careta dizem que é feio, mas eu gosto, quebra a monotonia. Tem um certo toque mágico.
Derrame, chato, muito chato, mas pelo menos que se possa usar um palavra tão jeitosa. (E estou a falar de derrame de líquidos em geral, o cerebral fica para outras letras).
Desconseguir, parece que veio de Luanda, e ainda não consta dos dicionários, mas dá imenso jeito num país onde não só não se faz, como não se faz tão trabalhosamente.
Entrudo, carnaval e tudo isso, mas mais negro, mais remoto.
Ermamento remete para um debate que marca o nascimento da moderna história portuguesa.
Pândega, uma favorita familiar, com um certo gosto de divertimento docemente antiquado.
Paspalho, muito prática.
Solarengo, gosto da palavra e do que ela diz.
Zarolho é dramática como facto e como palavra e, no entanto, estranhamente algo divertida. Talvez porque me lembra de piratas e das suas aventuras - uma grave falsificação histórica, claro, mas sem a qual a minha infanto-juventude teria sido mais chata.

Enfim, passo a bola linguística ao Carlos e ao David, para qualquer dia.

quinta-feira, abril 03, 2008

R.E.M., versão «economy class»

Eu devia ter suspeitado quando li o elogio no Público... Basicamente, o novo disco dos R.E.M. está para a sua música como os filmes «negros» da fase londrina de Woody Allen estão para o seu cinema: apreciados por quem não gosta do que eles fazem melhor. Allen é um autor como há poucos, mesmo muito poucos, e quem perpetra crítica de cinema hoje geralmente nem tem idade para ter acompanhado uma Obra monumental (isso mesmo também se viu nas críticas surgidas na imprensa de referência ao seu livro mais recente). E algo semelhante sucede com os R.E.M.
Para quem começou a ouvir R.E.M. com o sucesso radiofónico de «Losing My Religion» (óptima canção, e bem dentro do estilo «clássico» do grupo), em 1991 ou 1992, nada daquilo lhe era familiar. Não por acaso, a canção fazia parte de um album intitulado Out of Time. Por isso é apenas lógico que o novo Accelerate soe bem a ouvidos criados a golpes de Nirvana e afins: demasiado rápido e demasiado gritado, curto e monótono, enérgico e feito para ser tocado ao vivo. Mas sem ocupar demasiado tempo, há muitas outras músicas para tocar... E o ponto é esse: song per song, os R. E.M. têm o CV mais impressionante do rock americano. Espalhadas por quase 30 anos, por dezenas de gravações e por dois alinhamentos (com e sem o baterista), definiram um som fundamental para reviver o rock americano nos anos '80 (no final dessa década eram macaqueados a torto e a direito por bandas independentes) e, nos anos '90, refizeram-no livremente apesar do contrato monstro com uma grande editora. O sucesso público de Out of Time, a perfeição de New Adventures in Hi-Fi (quando o «Lo-Fi» era moda, fizeram o seu melhor disco... como os Sonic Youth e os U2, duas outras bandas dos anos '80 que culminaram nos '90's), a reinvenção espantosa do line-up original em Up, enfim, o conjunto do que fizeram até hoje é um sucesso quase incomparável, apesar de flops ocasionais (Green nos 80's, Monster nos 90's e Reveal já nesta década). E para dar conta desse sucesso teria de fazer uma lista, com mais de 30 títulos, de canções mais-que-perfeitas, coisa que agora não me apetece.
Isto porque, infelizmente, o novo disco pouco contribui para essa longa história. Começa, verdadeiramente, só na terceira canção. E nunca passa muito do registo mono-tom referido acima. A comparação fácil é com Life's Rich Pageant (80's) e Monster (90's). Infelizmente, tem muito mais do segundo do que do primeiro. Ou seja: esprimido, não é um album (como Life's...), mas um «maxi» ou, vá lá, um EP.
Vale a pena? Sim. É um grande passo em frente em relação ao último disco? Não, esse era apenas demasiado longo (este é bastante curto apesar das duas primeiras faixas escusadas, sobretudo a segunda). Isto, claro, não é grave. Quebrar o silêncio de quatro anos só com isto é que é pior. Para uma perspectiva, há esta devidamente autorizada (restrita, ou quase, aos anos na Warner, no site oficial).
Para um grande comeback, contudo, temos o novo dos American Music Club...

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quarta-feira, abril 02, 2008

A seguir com atenção

Passaram quase despercebidas nas notícias de Terça as palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, a respeito da necessidade de a diplomacia portuguesa superar as guerras intestinas da administração pública nacional. Da vida portuguesa, em geral. Amado referiu-se em concreto aos campos da economia e da cultura, cruciais na promoção de Portugal no exterior e na defesa dos interesses permanentes do Estado. Os jornais deram notícia, sem grande interesse (os de referência quase nada acrescentaram ao que se leu nos gratuitos). TV's, nada.
Nunca percebi por que motivo não há a prática de reuniões regulares entre os dirigentes máximos de órgãos como o Instituto Camões, o IPLB, a BN, a Torre do Tombo, mesmo a INCM (enquanto Imprensa), enfim, as principais instituições públicas portuguesas de cultura. Sendo os recursos disponibilizados pelo Orçamento de Estado tão curtos, seria apenas lógico que, formalmente instituído ou não, se verificasse um trabalho conjunto de concerto das iniciativas e de partilha de meios. Tal e qual uma Fundação como a Gulbenkian, a qual, apesar do dinheiro de que dispõe, coordena a nível do conselho de administração as suas diversas actividades. Isto não implicaria que cada ministério deixasse de fazer as «suas» nomeações e ter as «suas» tutelas, claro, nada de refazer todas as coisas para ficar tudo empatado em guerras de competências. Apenas articular de forma sistemática o que se faz.
Se ao menos na diplomacia isso acontecer, será já um enorme passo em frente.

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terça-feira, abril 01, 2008

A humanidade e a mentira

Hoje é um dia em que, um pouco por todo o mundo ocidental, as mentiras ganham alguma relevância sendo, de certa maneira, tidas como lícitas ou, pelo menos, não reprováveis. Portugal inscreve-se nesta tradição, mas parece que ja permanece nela há bastante tempo, fazendo mesmo da mentira um dos alicerces fundamentais da sua conduta. Ela tem adquirido, nestes últimos tempos, múltiplas formas, revestindo-se de um carácter político, económico, religioso e mesmo matrimonial. Em todos estes campos, as mentiras têm vindo a posicionar-se de uma forma preocupante, chegando a ser o cerne de muitas formas de agir não só individuais mas, num campo mais amplo, sociais. Elas insinuam-se cada vez mais como uma espécie de base da civilização contemporânea e como regra para quem quiser viver em sociedade.
Hoje em dia, a mentira é vista como utilitária socialmente, contribuindo para a formação de uma ordem social harmónica, coexistindo com a verdade de uma forma misteriosa e, de certo modo, atractiva.Mas o que é a verdade? ou o que são as verdades? Numa sociedade plural, tende a não existir só uma verdade mas verdades, embora não seja impossível a existência de uma uniformidade numa pluralidade. Contudo, este é um dos dilemas da nossa sociedade contemporânea: como conseguir uma unidade numa pluralidade. No fundo, muitos pensam que a verdade deve coincidir com a realidade, embora esta seja percepcionada de maneiras distintas. As verdades pautam-se por uma certa conformidade do que se diz com o que é, e, neste sentido, o que é varia consoante o individuo.
Mas uma coisa é certa: a verdade existe porque existe o seu contrário. Será que a mentira é mesmo uma das bases essenciais da civilização contemporânea e não se confina meramente ao dia 1 de Abril? Será a mentira necessária para a consistência da vida em comum?


"Gosto da verdade. Acredito que a humanidade precisa dela; mas precisa ainda mais da mentira que a lisonjeia, a consola, lhe dá esperanças infinitas. Sem a mentira, a humanidade pereceria de desespero e de tédio."

FRANCE, Anatole in A Vida em Flor