sábado, setembro 30, 2006

Ainda o Brasil de Lula

O post do Bruno aqui no Amigo do Povo e o artigo de António Costa Pinto publicado hoje no Diário de Notícias trouxeram-me à memória muitos dos relatórios escritos na década de 1930 por diplomatas britânicos colocados em Portugal e nos quais descreviam e analisavam sobranceiramente as peripécias da vida política lusa. É certo que o Bruno Cardoso Reis e o António Costa Pinto não chegam a ser racistas como os funcionários do Foreign Office. Porém revelam um paternalismo e uma condescendência para com a corrupção brasileira na versão Partido dos Trabalhadores e uma compreensão para com o estado em que se encontra do regime democrático no Brasil que, na minha modesta opinião, os brasileiros, ricos, pobres ou remediados, não merecem e, sobretudo, não necessitam.
O pior que pode acontecer ao Brasil e à sua democracia é que se compreenda e desculpe tudo o que de mal vai sendo feito por causa do "mito" das circunstâncias ou do "contexto" (para citar o título de um pequeno-grande livro de Karl Popper e de um ensaio aí inserto). O Bruno e o António Costa Pinto – que sacrifica a política à diminuição da desigualdade na distribuição de riqueza –, pensam, no fundo, que a baixa qualidade da democracia é pior que a ausência de democracia – com o que concordo –, mas também parecem pensar que esta democracia coxa parece condenada a apenas melhorar – e com esta dedução implícita eu discordo totalmente. É que uma má democracia mais facilmente se torna numa outra coisa qualquer do que numa boa democracia.Quanto às responsabilidades morais dos cientistas, falar-se-á delas numa outra oportunidade.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Almanaque do Povo

Malta Nova & Cadernos Diários: Recentemente chegado, eis O Gato Maltês. Também de fresco, e cinco dias por semana, podem agora ler-se Rui Tavares, António Figueira, Joana Amaral Dias, Ivan Nunes e Nuno Ramos de Almeida.
Menu Telegraph: Os blogues do [Daily/Sunday] Telegraph são bons. Assim mesmo, em geral. Gosto sobretudo de consultar os dos correspondentes em cidades como Harare, Pequim ou Nova Deli, das quais por cá só se escreve havendo efeméride ou catástrofe. O olhar próximo, quotidiano, é incomparavelmente mais interessante que o folhetim trágico-bizarro que tantas vezes consumimos.
[Reprodução: BND]

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As Estheres e os Vascos das nossas vidas



Hoje, no recreio, à tarde, vejo uma "niña" alta, magra e morena despedir-se com um acenar convicto e uma mirada directa. O Vasco responde da mesma forma. Com o pai ao lado, não se descose. Não falo no assunto. Vamos às compras ao supermercado, depois para casa. Com a mãe em casa, banho tomado, ambiente descontraído e "telepizza" à nossa frente puxo o assunto. Quem é a "niña". Descrevo-a e recordo-lhe quando e como foi. O rapaz volta a não se descoser - é a segunda vez! Lá diz que é a Esther mas a televisão ligada ajuda-o a proteger-se do espírito bisbilhoteiro do pai. Insisto, sempre na brincadeira. Finalmente, consigo que reaja. Tapa a cara com o guardanapo. Para quem tem 4 anos defende-se bem. Esconde o que lhe vai na alma, porque algo lhe vai na alma. A mãe enxota-me e aproxima a cara do filho. Lá lhe confessa, não sei por que palavras, que "le gusta la chica!" O pai - e também a mãe - trocam sorrisos mais babados do que abertos, mas felizes. Uma daquelas parvoíces que só os pais entendem. Lembrei-me logo das "Estheres" da minha vida quando tinha 5 ou 6 anos e do "Capuchinho Vermelho." A mãe que me desculpe!

A Laura

A Laura trabalha em casa do meu pai e está lá interna; faz-lhe companhia e trata de tudo. É brasileira e já passou os 50. Veio directamente da sua vila perdida no interior de Minas Gerais e nem Belo Horizonte conhece. Nunca tinha visto o mar. Perdeu tudo lá e quer fazer um pé-de-meia para ter uma reforma. Não sabe ler uma única palavra e só consegue escrever o seu nome. Está profundamente convencida que Deus rege os mais ínfimos pormenores da sua vida e as grandes rodas da máquina do mundo. Pelo salto que deu do seu mundinho para o Mundo, por aquilo que conta, por aquilo que vejo, acho que é uma das pessoas mais corajosas que já conheci. Ontem fez um pão caseiro que era uma autêntica obra de arte cujo aspecto só o seu sabor era capaz de bater. E eu, que não sei fazer pão, que nunca dei mostras de uma coragem daquelas e que tenho uma fé muito arrumada e conceptual, dou comigo a pensar se o género humano da Laura não é o sal da terra, o barro de que se fez a humanidade capaz de vencer a adversidade, aquela faúlha tosca, mas vital, que nos conduziu até aqui. É como se, de repente, olhasse para trás e visse os que me antecederam. E não estranho só a proximidade ou a possibilidade de uma "reversão". Questiono-me se somos melhores. E respondo-me que não.

P.S. Grande parte do que aqui digo é extensível às antecessoras da Laura: a Irina (uma russa da Sibéria), a Vera e a Elzenir (Di), ambas brasileiras, mas mais urbanas.

quinta-feira, setembro 28, 2006

Lula: o amigo do povo brasileiro


As eleições mais importantes para o futuro do português no mundo - ou seja, as presidenciais brasileiras - estão à porta. (A evolução das sondagens pode ser acompanhada com as margens de erro do costume aqui).
Concordo com 95% (calculados à pressa) deste texto do Pedro Magalhães publicado no Público e n'A Praia. Mas tenho dúvidas sobre um ponto crucial: "No Brasil, contudo, nada é tão urgente e imperativo como reformar um sistema eleitoral e de governo cujo funcionamento é um convite à corrupção, ao clientelismo e à irracionalidade na alocação dos recursos. Sem ela, as profecias de colapso podem vir a pecar apenas por atraso."

Claro que isso seria ideal, mas duvido que seja fazível. Parece-me pouco realista esperar que antes de existir uma alteração significativa na sociedade brasileira – na enorme disparidade de educação e de riqueza – seja realista esperar mais do que melhorias muito graduais do sistema político. Aliás, é um milagre da consciência social de alguma burguesia e da sofisticação económica dos pobres que tenham surgido presidentes como Lula e Cardoso. Prova que ainda há burgueses que percebem que tanta pobreza está mal (e lhes faz mal). Prova de que há pobres que percebem aquilo que os esquerdistas histéricos não conseguem: a instabilidade económica prejudica-os bem mais do que aos privilegiados (sobretudo os especuladores politicamente favorecidos). Sendo que a direita anti-Lula também ainda não percebeu que é realmente melhor ensinar um pobre a pescar do que dar-lhe um peixe, mas se ele estiver com fome é capaz de ser difícil ensinar-lhe o que quer que seja.
Por isso, não consigo deixar de sentir uma certa indulgência (culpada) pelos escândalos de corrupção do PT. É uma espécie de variante com consciência social do: é corrupto mas faz! Neste caso não se trata de ser comprado e fazer, mas sim de comprar outros para se poder fazer alguma coisa. Não é isso, no fundo, consequência de o PT ter adoptado uma política gradualista e não a via da revolução (em que podia ter atirado com todos os corruptos para cadeia)?

PS - É verdade que o PT colhe nesta tempestade os frutos do moralismo semeado durante anos: político que não era do PT era bandido até prova em contrário. E é verdade que a corrupção tem custos, mas num país em que se desperdiça tanto por más causas...

O mundo fascinante das noivas


Nos últimos tempos tenho-me apercebido da existência de um mundo pouco conhecido dos intelectuais, mas deveras fascinante – o mundo das noivas. De acordo com a doutrina exposta por Ana Abrunhosa, consultora das Noivas de Portugal, no n.º 22 da revista com este nome, uma convidada para um casamento deve ter em conta os seguintes itens:
- cores;
- sapatos e carteiras;
- colares, brincos e pulseiras;
- écharpes;
- chapéus;
- luvas;
- cabelos e maquilhagem;
- acompanhante.
O facto do item acompanhante aparecer depois das cores, dos sapatos e carteiras, écharpes, chapéus, luvas, cabelos e maquilhagem, não significa uma menorização deste pormenor. Vejamos o que afirma Ana Abrunhosa sobre o assunto: «Eis outro ponto fundamental para arrasar logo à chegada – o acompanhante.» E logo acrescenta: «Oriente-o de modo a compor a “sua” escolha coordenando-o consigo de uma forma subtil».
Este Amigo do Povo não comenta tão sábios conselhos. Chama apenas a atenção para a importância de um outro item: a lingerie. Segundo fontes bem colocadas, a lingerie, principalmente a da noiva, deve ser nova, sexy e o soutien tem de encaixar bem não só nos seios como também no decote do vestido.

quarta-feira, setembro 27, 2006

O "Idomeneo" de Berlim: indignação de mozartiano

Pelo que li da notícia no El Mundo , a representação em causa não tem nada a ver com o "Idomeneo" que eu conheço - e que conhecerão os apreciadores de Mozart neste género de ópera "de corte". Na ópera original não entra senão Neptuno e nem este deus pagão é apresentado de forma que justifique a cena ridícula e, sim, provocadora, das cabeças cortadas. O senhor encenador que componha uma ópera sua e deixe de assassinar as de Mozart (o qual, provavelmente, como cristão e maçon deísta – que respeitava as religiões do Livro – não acharia piada nenhuma a este exercício de publicidade barata). Pode haver muçulmanos indignados noutras paragens. Mas aqui há um mozartiano indignadíssimo!

terça-feira, setembro 26, 2006

O Triunfo do Absurdo ou da Cobardia?


"BERLÍN.- La Deutsche Oper de Berlín suspendió el lunes por la tarde la representación de la obra 'Idomeneo' prevista para el próximo mes de noviembre por recomendación de la Oficina Federal de Investigación Criminal, quien vio un peligro de agresiones islamistas en el contenido de alguna escena." Contínua aqui...

À volta do "Sol"...

A propósito deste post da Cláudia, do que eu "gostei" foi do destaque dado na pág. 1 do SOL a essa "sondagem": "Um quarto dos portugueses preferiam ser espanhóis", o que, salvo erro, contém um erro duplo (de concordância com o sujeito e de tempo verbal). Mas, ultrapassados estes problemas técnicos no jornal que, pelas evidências, honra o facto de ter entre os seus o mais célebre criador de factos políticos, há esperança para tantos portugueses com estes sentimentos: dirigirem-se a um consulado espanhol, pedirem a naturalização e entrarem assim no paraíso... Aos que ficam, deveria no entanto ser dada uma garantia: de que não estaríamos obrigados a recebê-los de volta.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Eu, que só sei a tabuada, e mal,

acho que há qualquer coisa errada nesta conversa de que um em cada três portugueses [link via Blasfémias] quer ser espanhol: mas quem é que engole que uns 265 indivíduos (a sondagem tem por base 741 entrevistas válidas) representam "um número surpreendentemente elevado" de portugueses que "defendem um Estado Ibérico único" (vide Sol, 23.09.'06, pp.22/23)?

Pequenas Verdades Inconvenientes do Grande Mundo

Em 1990 quando o Congresso dos EUA votou legislação para lidar com o problema da poluição atmosférica causadora das chuvas ácidas, os seus opositores falaram dos custos exorbitantes, os quais demostravam com estudos económicos profundamente científicos. Era inevitável, diziam, haver uma recessão económica por causa dos ambientalismos. Hoje a quantidade de chuva ácida foi reduzida em um terço. Custo? Bem, o custo foi uns impressionantes 10% dos valores que «os defensores da economia» apresentavam em 1990. Além de que a década de noventa, com os «perigosos ambientalistas» Bill Clinton e Al Gore no poder em Washington, foi, claro, a de maior crescimento económico e diminuição da pobreza na história recente dos EUA. Pequenas verdades inconvenientes.

E este não é sequer o único exemplo deste tipo de verdades inconvenientes - pois o mesmo se pode dizer do sucesso e dos baixos custos, por exemplo, das eliminação dos CFCs e a recuperação da camada de Ozono - como podem ver aqui.
Quanto ao documentário de Al Gore - uma verdadeira história americana que espero ajude a converter (mais) norte-americanos - tem um título enganador: não trata de Uma Verdade Inconveniente, mas de várias. (Aliás, se o governo de Bush II está tão seguro de que a ciência é incerta quanto ao aquecimento global, como explicar que - como se mostra no documentário e tem sido repetidamente documentado na imprensa norte-americana - se tenha dado ao trabalho de contratar professionais de relações públicas para alterar os textos de instituições científicas do Estado para esconder estas verdades inconvenientes?)
É verdade que os combustíveis fósseis, como motor energético das nossas economias, têm uma importância enorme e, portanto, o esforço exigido será maior. Mas as vantagens também! Faz todo o sentido - tanto económico como ambiental, pois opôr as duas coisas, sobretudo neste caso, é completamente irracional - fazer tudo o que seja possível para produzir e gastar energia de forma mais eficiente e menos poluente. Sobretudo num país como Portugal. Pelo peso económico que esta dependência energética do exterior tem. Mas também, porque se quisermos ter «Nokias» terá de ser criando empresas excelentes em áreas de grande crescimento potencial. Criar empregos? Que tal à custa do combate ao aquecimento global? Será que o Compromisso Portugal ou o BE se lembraram disto?

¡Enhorabuena!

Os príncipes das Astúrias vão ter o seu segundo filho. A Casa Real deu a notícia no dia em que Cavaco Silva iniciou a sua visita oficial a Espanha. Por mim, não vejo qualquer coincidência. Apenas bons augúrios!

Red Light Bairro Alto

No Sábado passado, ao entrar no Bairro Alto pelo Príncipe Real, surpreendi-me com as luzes vermelhas derramadas pelos candeeiros públicos. O Bairro parecia mais escuro e clandestino. Demorei algum tempo a perceber que o fenómeno não se devia a qualquer problema de electricidade, mas a uma iniciativa da Luzboa. Até ao Camões, o Bairro Alto era um Bairro de Luzes Vermelhas não por razões comerciais, como nas cidades do Norte da Europa, mas por opção estética. Seriam as luzes vermelhas uma evocação do passado ou uma premonição? Receio que a instalação desoriente alguns turistas. Felizmente não estamos à espera de muitos turistas húngaros, pois os tipos passam-se quando se sentem enganados.

Discutamos então o Emprego

O repto do Daniel Melo de discutir as políticas de Emprego, na sequência da iniciativa do Bloco de Esquerda, não teve repercussões na blogosfera. Os poucos posts que li referiam-se mais à forma da «Marcha do Emprego» do que à substância do tema em discussão e às propostas daquele partido político.
Fiquei com a incómoda impressão de que tal silêncio não se devia apenas a uma animosidade perante o partido em causa, mas ao facto do Emprego e das políticas a ele associadas se terem tornado um tabu em Portugal. Parece impossível falar do tema sem paninhos quentes, mistificações e distorções. Em Abril passado foi divulgado um estudo do Instituto de Emprego e Formação Profissional sobre desemprego e formação profissional que gerou escassas reacções no espaço mediático. Convém lembrar alguns destes dados oficiais: a 72, 5 por cento dos desempregados a formação profissional não deu acesso a qualquer emprego. Dos que, após formação financiada pelo IEFP, arranjaram emprego, 44 por cento declararam a sua insatisfação com a formação recebida e que esta em nada tinha contribuído para voltarem ao mercado de trabalho. Um terço das pessoas que ultrapassaram a situação de desemprego afirmaram que tal não se devera à formação, mas a amizades. No ano passado, 36 por cento das pessoas que frequentaram estas acções formativas eram licenciadas.
Comentando a situação acima descrita, o Secretário de Estado do Emprego e Qualificação Profissional apreciou os números apresentados como «muito positivos». Esta leitura foi a adoptada, na maior parte dos casos, pela comunicação social. Mesmo a geralmente crítica TSF intitulou a notícia em que estes dados são divulgados do seguinte modo: «Um em cada quatro desempregados consegue emprego». Chama-se a isto ficar deslumbrado com a água no fundo do copo.
Se consultarmos o portal do IEFP sobre a oferta da formação profissional conseguimos interpretar melhor estes dados. Imaginemos a situação de uma mulher licenciada em Letras, que reside na área de Lisboa, fez a sua carreira em Lisboa e ficou desempregada. Nesta página, podemos ver a formação profissional que lhe é «oferecida» pelo IEFP. As aspas não se encontram aqui por acidente. Trata-se uma «oferta» difícil de recusar. Se ela não quiser frequentar o curso de formação profissional «oferecido» perde direito ao subsídio de desemprego. Se aceitar, ganha, além do subsídio já recebido, um complemento de alimentação e transporte. A oferta de formação, no entanto, é limitada. Apesar da sua formação em letras, não há nenhum curso disponível que lhe dê ferramentas para enveredar no mercado de trabalho da tradução ou da edição. Como todos os outros «desempregados qualificados», ela terá de escolher entre três áreas: «Ciências Informáticas», «Gestão e Administração» e «Segurança e Higiene no Trabalho». Se escolher a segunda, na expectativa de rentabilizar os seus antecedentes profissionais na área de Recursos Humanos, terá de optar por um curso de «Marketing e Gestão Comercial, Logística Comercial e Qualidade» ou «Gestão Empresarial de Micro e pequenas empresas». Conheci pessoas que, levadas a cursos de formação profissional pelo IEFP, de segunda a sexta, das nove às cinco, pagavam com o subsídio outro curso, em horário nocturno, que, acreditavam, lhes dava maiores hipóteses de arranjar novo emprego. Tinham sorte. Se a nossa personagem quisesse, por exemplo, tirar um curso de pós-graduação em Recursos Humanos, em universidade pública ou privada, cujo horário coincidisse com o do curso de formação profissional, teria de abdicar do subsídio de desemprego e pagar com as suas poupanças, dinheiro da família ou empréstimo a tal pós-graduação.
Parece e é um imbróglio. Infelizmente, tal é apenas a perspectiva dos desempregados. Todos os outros ganham com a situação: ganha o Governo que vê os desempregados varridos das estatísticas de desemprego para os cursos de formação profissional; ganham as empresas de formação profissional cujos clientes são angariados, sem aspas, pelo Estado.
A proposta do Bloco de Esquerda prevê uma «reforma da formação profissional» assente em auditorias às empresas que fazem formação profissional, com o objectivo de separar o trigo do joio. É importante mas não chega. Será necessário repensar a própria oferta de formação profissional e, principalmente, permitir aos desempregados que desejam formar-se a possibilidade de escolha entre os cursos oferecidos pelo IEFP e outros cursos, em escolas públicas ou privadas. Caso contrário, levanta-se a suspeita da racionalidade da formação profissional se encontrar distorcida pelos interesses dos poderes de facto.
PS Apesar do link crítico para a tsfonline é de louvar a facilidade com que neste sítio se pesquisam notícias passadas, ao contrário do que acontece noutros sítios de meios de comunicação social, onde é extremamente difícil encontrar notícias com mais de um mês. Estes obstáculos à recuperação de textos são também um entrave à discussão na blogosfera, num país que já sofre de memória curta.

Imperdoável

De boina frígia bem enfiada gritando aos sete ventos: imperdoável! Realmente das alturas de limpeza moral e cívica onde está o lacismo - do incomparável alto formado pelas dezenas de milhões de mortos, contados à pressa diga-se, que o ateísmo e o laicismo causaram, logo que, tendo alcançado o poder, puderam por à prova a sua infalível tolerância, da França ao México, da Turquia à China, da Coreira do Norte até ao Camboja e à Rússia, sem esquecer a pequena mas afoita Albânia - percebe-se que não esteja para ouvir desculpas esfarrapadas do papa em particular e das religiões em geral.
Este fanatismo anticlerical que se crê o supra-sumo da tolerância e da sofisticação histórica é imperdoavelmente cómico. Parece que lá aprendeu umas lições com estas atrocidades dos seus correligionários: o fanatismo é mau! Mas eles (agora?) não são fanáticos, claro! Eles não seguem dogmas, mas sim brilhantes e indubitavelmente racionais convicções! Quem as questiona, quem se atreve a colocar em causa a sabedoria do seu decadente e antiquado modelo de laicismo de Estado é um grandissímo intolerante, claro. Talvez até devesse deixar, desde já, aqui, as minhas desculpas. Por outro lado, nem vale a pena, elas não chegam tão alto!

domingo, setembro 24, 2006

Reis e golpes militares

Caso ainda o não conheça, recomendo este texto na Spectator ao Luís Aguiar Santos. Qualquer monárquico aprenderá alguma coisa com ele. O mesmo sucederá a qualquer republicano mais ou menos devoto. A crónica, propositadamente ou não, assenta como uma luva a uns e a outros. Ao lê-lo lembrei-me de Afonso XIII e do general Primo de Rivera, como podia ter-me lembrado de muitos outros monarcas que apoiaram golpes militares para o bem da nação (também me lembrei de Juan Carlos I e de Tejero Molina). Tudo, como está bom de ver, a propósito do recente golpe militar na Tailândia que contou, ao menos, com o beneplácito do rei.

Três Encarapuçados

Ontem, sábado 23 de Setembro, dia do "soldado vasco", três cavalheiros com carapuças enfiadas até ao pescoço leram, em vasco, uma mensagem que deixou Zapatero com os cabelos em pé. O paladino da paz, como gosta que retratem, foi imediatamente humilhado por Rajoy que lhe pediu, e pediu também ao PSOE e ao Governo espanhol, que se regresse ao moribundo pacto antiterrorista.
E isto apenas pelo facto dos três cavalheiros terem dito, a dado passo, que havia que "seguir luchando firmemente con las armas en la mano hasta conseguir la independencia y el socialismo en Euskal Herria" (País Basco espanhol e francês e Navarra). É claro que um optimista poderá sempre dizer que as conversas entre Governo e terroristas estão num impasse e que este é apenas expediente legítimo encontrado pela ETA para tentar forçar a mão do Governo.No entanto, é capaz de não ser verdade. A resposta de Zapatero e a aflição evidenciada são o sinal claro de que a degradação do ambiente político em Espanha o está afectar e que a ETA, independentemente daquilo que é a sua agenda, percebe melhor que ninguém a fragilidade do Governo, como percebe que dificilmente será com Zapatero que negociará a paz - isto no caso de vir a negociá-la com alguém nos tempos mais próximos. Nos últimos tempos, e apesar das boas notícias que a economia espanhola não se cansa de dar, Zapatero sente grandes dificuldades. São estas provocadas, por exemplo, pelo impasse das negociações com a ETA, pelas revelações publicadas no El Mundo - às vezes parecendo inverosímeis mas não sendo necessariamente falsas - em torno das investigações sobre os ataques terroristas de 11 de Março e a forma como o actual Governo as parece ter ilegítima e ilegalmente influenciado, além das críticas e humilhações vividas por Espanha no domínio da política externa - veja-se a questão do combate pela UE à imigração ilegal. E ainda assim Zapatero reage. Mas fá-lo, sobretudo, na condição de um tipo ridículo: em público e diante de jovens nacionalistas da esquerda catalã, membros do seu partido, lançando avisos e absurdas ameaças à ETA criticando a "esquerda" vasca por não querer fazer política. Pena é que ninguém lhe explique que, naturalmente, a ETA só quer fazer política. Mas, naturalmente, a sua política. E se essa política implicar o regresso aos ataques terroristas não hesitará em fazê-lo. Sobretudo agora que a trégua dada pelo Governo de Madrid permitiu à ETA reorganizar-se e ganhar novo fôlego para novas batalhas políticas e militares.

Cavaco Silva no El País.

Vale a pena ler a entrevista de Cavaco Silva ao El País publicado na edição de hoje (domingo). É um documento da praxe em vésperas de uma visita oficial a Espanha por parte de um chefe de Estado português.
É óbvio que os entrevistadores levavam consigo para a conversa a agenda política do PSOE - referendo sobre o aborto, voos da CIA, imigração ilegal para a UE - e uma grande vontade de ter encontrado em Belém Soares em vez de Cavaco. Pelo teor das respostas dadas vê-se que, de facto, Cavaco está mais maduro politicamente e, sobretudo, muito mais paciente para com os jornalistas. É curioso que sobre várias questões delicadas pouco ou nada tenha sido perguntado: sobre a original política externa de Zapatero, sobre o estatuto das autonomias e o diálogo com a ETA, e sobre as relações económicas entre os dois países e o doentio proteccionismo económico espanhol que remonta, pelo menos, ao reinado de Filipe II. Nada disto se deveu apenas ao facto de muito espanhóis gostarem de amesquinhar os portugueses e as suas opiniões. De qualquer modo percebe-se muito bem aquilo que Cavaco Silva pensa quando fala em política interna portuguesa ou sobre política internacional (nomeadamente naquilo que ao Médio Oriente diz respeito: "O Líbano é a fronteira sul da Europa" e deve, o "Estado libanês", ter "uma soberania plena sobre todo o [seu] território.").

sábado, setembro 23, 2006

Almanaque do Povo

Afinal havia: Andei para aí há uns tempos a lamuriar-me de que não havia blogues portugueses sobre bem-comer-mal-comer, e afinal havia. Há. Contraprova, do crítico gastronómico Lourenço Viegas, ao qual cheguei via Bomba Inteligente. É de ler e clamar por mais.

For the Record: ZDQ em grande, postando sobre as inenarráveis afirmações de Alexandre Pais.

Imaginem uma revista de mundaneidades: cem vezes mais inteligente, descabelada e engraçada que a Hola! Existe, é virtual e publica-se de Manhattan para o resto do planeta. Chama-se Gawker.

[Reprodução: BND]

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O Magistério do Entendimento

"E se é verdade que, no decurso dos séculos, surgiram entre cristãos e muçulmanos não poucas discórdias e ódios, este sagrado Concílio exorta todos a que, esquecendo o passado, sinceramente se exercitem na compreensão mútua e juntos defendam e promovam a justiça social, os bens morais e a paz e liberdade para todos os homens."
Declaração Nostra Aetate, 3. A Religião do Islão.

Ia escrever alguma coisa a propósito da questão de Ratisbona, mas depois li este post, no Tristes Tópicos, e a ele nada me ocorre acrescentar; linko-o, não vá ele ter passado despercebido.

[Foto: Concílio Ecuménico Vaticano II, autor n/identificado]

Quando é que o Roberto Carlos faz anos?


Num cantinho do Público de hoje lá se informa que Júlio Iglésias cumpre mais um aniversário. Parabéns a um excelente cantor romântico que, finalmente despido de preconceitos, redescobri há um par de anos. Justamente numa altura em que deixei de me importar de gostar de coisas simples e que não pertencem ao grupo da estética musical correcta. Não sei se me faço entender. Quando é que o Roberto Carlos faz anos?

P.S.: A senhora loura, à esquerda do cantor, é Miranda (a "legítima esposa").

Objectivo: Portugal?

Sobre o "Compromisso Portugal" e as ambiguidades que encerra e que, caso não sejam bem e prontamente resolvidas, o condenarão ao fracasso, espero que, ao menos, os seus promotores leiam e pensem nas palavras de Pacheco Pereira no Abrupto. De facto, ou os cavalheiros saem do Beato para o "país real" ou tudo não passará, obviamente, de uma operação mediática sem qualquer impacte na sociedade portuguesa. Há que pensar e agir politicamente. A não ser, claro está, que os objectivos sejam outros.

Pavor

Não tenho medo de morrer. Só tenho medo de regredir. De voltar a necessitar de alguém que me dê a comida à boca, me mude a fralda, me leve de um lado para o outro, me lave, me sente, me deite e me levante. De não ter alguém que no fim da vida me cuide e me ame como me cuidaram e me amaram nos pimeiros meses de vida. Minto! Não tenho medo! Tenho pavor!

quinta-feira, setembro 21, 2006

O metro, as greves e os direitos

Muito obrigado aos senhores funcionários do metropolitano de Lisboa, pela greve que realizaram hoje pela manhã, dia de temporal na capital, e pelo caos que conseguiram lançar na cidade. Exerceram o seu "direito" de greve à custa do inferno em que mergulharam milhares de semelhantes seus, alguns dos quais detentores de um passe de transporte, pago mensalmente com a contrapartida - que impediram a empresa em que trabalham de cumprir - de receberem um serviço (já pago) de que hoje não puderam usufruir. Que se saiba, a empresa do metropolitano de Lisboa não violou nenhuma regra contratual a que esteja obrigada para com estes seus funcionários "grevistas". Estes apenas têm a prerrogativa legal de poderem deixar de trabalhar quando querem obrigar a entidade empregadora a fazer qualquer coisa extra-contratual. É por isso que eu acho que o "direito à greve" não tem lugar num Estado de Direito. Ou há violação de contratos ou não há: se há, existem os tribunais; se não há, alguém está violar os direitos legais e reais dos outros. E hoje, claramente, os violadores são os grevistas.

Corrupção no futebol.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Outros caminhos!

Só hoje soube que a Ana Cláudia fez uma paragem no seu “Quatro Caminhos”. Não conheço o motivo, nem devo, mas é muito mais do que uma pena. A Ana Cláudia é uma das mais bonitas e inteligentes mulheres da blogsfera e, portanto, uma perda para todos. Menos mal, ao menos para os quatro varões que aqui regularmente pastoreiam, que a Ana Cláudia promete continuar no mundo dos blogues através do “Amigo do Povo”. Privilégio para os que a lêem e para aqueles que com ela escrevem no mesmo espaço. Oxalá uns e outros o saibam apreciar.
Também por isso estes caminhos por onde a Ana Cláudia vai agora andar, numa espécie de regime de exclusividade, serão ainda mais dela do que de algum de nós outros quatro.

A essência da política



O pacto para a "área" da justiça entre Governo e PSD, e devidamente patrocinado por Cavaco Silva, foi muito criticado por ser demasiado consensual, quase ressuscitador do defunto Bloco Central e, sobretudo, pernicioso para a democracia representativa. O nome e o perfil do novo Procurador Geral da República tem sido muito criticado por se tratar de uma personagem polémica, nada consensual. É assim a política. É assim a democracia.

Um Manifesto

Este "manifesto" prepara-se para cumprir três meses. Mas continua a ser um bom manifesto.

terça-feira, setembro 19, 2006

Sol, 2 - Mais E/Ou Menos

Tiramo-lo do saco de plástico (pois...), folheamo-lho, e a impressão geral é a de excessiva familiaridade: a cor e estrutura do caderno politico-económico; o formato e estrutura do suplemento de lazer, o lustro do papel e estrutura da revista. Já a diferenciação pelo tamanho da letra e a demarcação entre as várias secções, representam alguma inovação e funcionam bem.
Passando ao que realmente conta, devo dizer que depois de lidas, as noventa e seis páginas do caderno principal sabem a pouco: muita publicidade, imagens enormes (na secção de sinistralidade, por exemplo, não caberia o dobro do texto e metade da ilustração?); mais páginas dedicadas a Desporto e Televisão que ao cômputo de Cinema, Literatura, Artes Visuais e Música. Os cronistas são conhecidos, a sua opinião interessa a muita gente e - sobretudo no caso de Marcelo Rebelo de Sousa (não percebi aquilo do diário diferido chamado Blogue) - têm algum espaço para se espraiar. Contudo, e tendo em conta que falamos de um semanário, os demais artigos não têm caracteres para fôlego fundo: é paradigmática a p.28, dedicada a questões sobre a Educação, que deixa quem lê com vontade de... ler o Público ou o DN para saber mais sobre o assunto.
Para bem do recém-nascido título, espero que esta tendência para a posticização da informação seja revista.

O Beijo

Hoje no Campo Grande em Lisboa, por volta das 4,30 da tarde, numa daquelas duas esquinas onde costuma parar um dos senhores polícias que guarda a casa do presidente Mário Soares, dois jovens beijavam-se, e beijavam-se bem! Numa questão de segundos dei por mim a pensar que já não via nada assim há algum tempo. Terão passado meses, anos? O que é que terá mudado para que se tenha tornado tão raro ver adolescentes em animada marmelada na via pública? Provavelmente ando distraído ou frequento lugares sem jovens, ou com jovens que não se beijam. Certo é que fiquei tão agradado por ver este gesto de paixão e este delicado pontapé no recato que passei pelo jovem casal olhando fixamente para os lábios e as línguas que se uniam e tocavam. E de olhar tão fixamente, embora com algum pudor, não pude deixar de ver a pequena sombra de buço que despontava por cima dos lábios da jovem moça.

É bom saber que não estamos sós!

A propósito deste meu texto e dos comentários que provocou, talvez valha a pena ler esta crónica de Martim Silva no Diário de Notícias de hoje. É tão bom saber que não estamos sós!

A vida é um imenso Bazar


Ao contrário do João Miguel Almeida, felicito-me por nunca ter ido a Marrocos. Basta-me a miséria portuguesa e, por isso, quando viajo, o que raramente acontece, tento ir para o pé dos mais ricos ou remediados do que nós a ver se aprendo qualquer coisa (o que não quer dizer, vá lá, que só se aprenda com os ricos). Apesar de sempre ter vivido lado a lado com a pobreza, sempre a detestei e ainda a ela não me habituei. Acho que se devia acabar com a pobreza. Fujo dela sempre que posso e, por isso, só irei a Marrocos quando o seu PIB per capita for maior do que o português (o que sucederá, talvez, daqui por uns 10 ou 20 anos).
Quanto ao post do Bruno (acima linkado), sempre o felicitaria por ter demonstrado para além de qualquer discussão que a guerra não é política (declaração do maior interesse) e por criticar os americanos por não negociarem – embora, ao mesmo tempo, reconheça que, tal como os israelitas, têm andado afinal a fazê-lo, ao menos, com o "Hizballah" (como, aliás, sempre negociaram e negoceiam com o Irão). Quanto ao facto dos EUA serem um império, não me parece que tal passe apenas pela cabeça dos neo-conservadores, a não ser que, por exemplo, o já o desaparecido presidente Wilson também o tivesse sido. O problema é saber de que império falamos quando falamos de império (e de imperialismo). Por exemplo, durante a guerra fria era preferível o império soviético ou o império americano? E um e outro foram construídos com base nos mesmos pressupostos político-ideológicos? É claro que o imperialismo americano era considerando absolutamente insuportável por toda a América Latina, mas ao mesmo tempo “toda a gente” na mesma América Latina tentava emigrar o mais que podia para os EUA. Já para muita gente na Europa Central e de Leste teria sido preferível a continuação do domínio nazi (outro império) ao advento do imperialismo soviético. E já agora perguntaria: os sistemas internacionais de estados tendem a ser mais estáveis quando existem impérios ou antes pelo contrário?
No que respeita à negociação com terroristas árabes que Mário Soares advoga mas da qual o Bruno heterodoxamente discorda, devo dizer que ainda me espanto com a razão que terá levado esse homem superiormente coerente que é, foi e será o Dr. Soares a não negociar, como chefe do Governo do Bloco Central, com as FP25? Não o deixaram? Não eram terroristas? Andava distraído? Não tinha pensamento sobre o assunto? Logo o Dr. Soares que se caracteriza, de facto, por aceitar negociar tudo com toda a gente (ou quase) deixou que desmantelassem as FP25 e pusessem aquela gente toda na prisão (talvez tenha sido assim para depois andar a promover a sua amnistia). Mas a verdade é que o Dr. Soares negociou com toda a gente. Com Cunhal antes e depois do 25 de Abril e não se teria importado de negociar com Salazar ou com Marcelo Caetano caso estes o tivessem consentido. Segundo Rui Mateus, num livro proscrito, passou grande parte da sua vida política a negociar com uma certa Europa. Quis negociar com o PSD a sua ascensão à presidência da República em 1984 e 1985, como negociou com Paulo Portas o início de uma campanha de terrorismo político no Independente contra Cavaco primeiro-ministro (essencialmente por este não ter querido negociar com Soares a presidência da República). Aliás, e segundo consta, o Dr. Soares contínua convencido de que António José de Almeida devia ter impedido, pela negociação – confesso que não sei com quem, mas presumo que com a Igreja Católica – o fim da I República. Resumindo, e como se pode ver, e honra lhe seja feita, o Dr. Soares pode não ser muçulmano, mas sempre viveu imbuído daquele espírito de comerciante árabe que faz a sua vida no bazar. Aliás para o Dr. Soares a vida e a política – para ele as duas coisas confundem-se – são um enorme bazar. Tudo se compra, tudo se vende, tudo tem um preço. Para lá chegar só importa regatear.

Sol, 1 - Bold But Not Beautiful

No sábado consegui à justa um exemplar do novo semanário português. Não é todos os dias, nem sequer todos anos, que se apresenta a oportunidade de ler o primeiro número de um título de imprensa. Aproveitei-a, atraída pelo objectivo que este se propõe cumprir - e que será a sua sorte ou danação -, o de sabatino-de-referência-alternativo-ao-Expresso, como também pela quantidade massiva de publicidade a que estive exposta (depois de passar diariamente por três dezenas de mupis, não pude deixar de pagar para ver).
De imediato, o frontíspicio impõe-se-nos: o seu logótipo é diferente dos que conhecemos e aos quais estamos habituados, o seu colorido é arrojado, desperta a atenção. Mas em vez de ser claro é de difícil leitura, de um bambinismo que não nos remete para o que quer que seja que associemos ao universo da imprensa. Suspeito, é certo, estar a tentar racionalizar o facto de que ele me parece simplesmente muito feio. (cont.)
[Foto: Barlavento]

segunda-feira, setembro 18, 2006

Contras e Pró

Apesar de estar fora não consegui escapar ao «Prós e Contras». Uma vez que o tema me interessava – o terrorismo e o islamismo – a ponto de até ter trabalhado sobre ele, achei que era meu dever aprender alguma. E aprendi.

O José Pacheco Pereira informou-nos que no Mundo Islâmico, de Marrocos ao Afeganistão, a condição da mulher tem piorado devido ao flagelo do fundamentalismo. Não sabia. No Iraque e no Afeganistão provavelmente sim, como resultado da subida ao poder dos islamistas aliados dos EUA. E piorou a condição da mulher se com isso se quer dizer passar da proibição do uso do véu ou da indumentária islâmica por ditaduras comunistas e baathistas laicas – das poucas que ainda vão restando – para a sua imposição pela pressão dos novos grupos dominantes. Mas em Marrocos, ou no Egipto, ou na Tunísia, ou na Argélia, ou na Jordânia, ou no Kuwait, ou no Qatar? Aí JPP está realmente a dar-me uma grande novidade. Em Marrocos, onde estive recentemente, não só não notei nenhum retrocesso, como mais do que impressões pessoais importa saber que há poucos anos o rei Maomé VI, usando a sua autoridades simultaneamente política e religiosa e o prestígio adicional de descender do Profeta, promulgou um novo código de família considerado exemplar quanto ao estatuto da mulher.

Os dois representantes da comunidade islâmica, embora mais o primeiro do que o segundo, desempenharam na perfeição o papel desejado por aqueles que querem mostrar que o Islão é todo pró-bin Ladin ou pelo menos tende a desculpá-lo. As teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro são um delírio negacionista tão inaceitável como o negacionismo relativamente ao Holocausto, mas infelizmente vão exigir o mesmo trabalhar para lhe responder ponto por ponto, e nunca desaparecerão completamente.

Helena Matos queixou-se de que todos estes debates em Portugal são choques ideológicos contra os EUA, ou (lá acrescentou algo a custo) a favor dos EUA. Não percebi se era um caso de auto-crítica ou de dupla personalidade.

Mário Soares foi de longe o melhor do programa. Discordo da ideia da negociação com a al-Qaeda, mas não com os grupos de guerrilheiros sunitas iraquianos, o que aliás tem sido tentado pelos EUA. (Como ainda há pouco me confirmou um dos principais generais norte-americanos com funções no Iraque, de visita ao King’s College). Sobretudo, é divertido ver as virgens ofendidas que parece que não sabem que a negociação com o inimigo – feio, porco e mau como ele sempre é – deve andar a par da prostituição em termos de antiguidade e frequência na história humana. (Aqui fica mais uma novidade para os que ainda acreditam no Pai Natal: há muitos anos que Israel e os EUA negoceiam, directa ou indirectamente, com o Hizballah.) E evidentemente que concordo com Soares no ponto mais geral e mais importante: a necessidade de uma resposta política e não apenas militar ao islamismo radical.

Soares tem ainda toda a razão quanto afirma que Bush tem desenvolvido uma política sumamente estúpida de combate ao terrorismo. Em particular o ataque ao Iraque foi a melhor prenda que podia ter sido dado a bin Ladin. Desviou esforços do Afeganistão e da decapitação da al-Qaeda, permitiu a sua sobrevivência e dos talibã, que se reagruparam e ganharam novo fôlego. Além disso deu uma credibilidade à ideia do choque de religiões, da «cruzada sionista-cristã» contra o Islão, que antes nunca tivera mas que é agora alimentanda por imagens diárias de civis trucidados nas TVs árabes, e ofereceu de bandeja um novo campo de propaganda pela acção e de treino aos jihadistas de todo o mundo.

Quanto ao facto de a política externa de Bush conrresponder a um projecto imperial - um ponto de Soares que tanto chocou JPP - só posso concluir que o velho senhor anda mais actualizado nas suas leituras que o ilustre comentador (e boa parte da metade direita do nosso comentariado). É que os principais ideólogos neo-conservadores, os grandes educadores de Bush em política externa, adoptaram alegremente - pelo menos até há pouco tempo - um discurso explicitamente imperial. Enfim, não posso dizer que gostei, mas lá que foi esclarecedor, lá isso foi.
PS - para uma leitura um pouco diferente ver este poste na Bloguítica.

O "tempo" e a política


Vale mesmo muito a pena ler esta crónica de uma "doutora" que só anda a pé, de bicicleta, de barco à vela ou de transporte público movido a GPL. Passa as férias ao pé de casa, não consome nada que fira o ambiente nem que tenha sido importado de muito longe por causa dos combustíveis fósseis que, fatalmente, tais "mercadorias" incorporam. E o Al Gore, que faz filmes como parece que o “arquitecto” José António Saraiva faz o Sol, é a mesma coisa. E depois, claro, quantas vezes não terão pensado no último ano os habitantes de Nova Orleães como teria sido diferente as suas vidas se o vice de Clinton tivesse ganho em 2000. Tempo mais fresco, níveis das águas mais baixo, tufões e tornados aguentáveis.

A miséria ao Sol

Abri o primeiro número do Sol, com humildade. Na minha mente ainda ecoava o anátema de Carlos Pinto Coelho em relação à blogosfera, que acusava de estar infestada de escribas adolescentes e de almas solitárias. José António Saraiva justificou, recentemente, em entrevista a Judite de Sousa, a célebre esperança de ganhar o Nobel: as pessoas devem sempre tentar superar-se, colocar-se a meta mais elevada. Imaginem, portanto, a minha surpresa ao ler a entrevista a Filomena Mónica em toda a segunda página do novo semanário. É que as declarações a um jornal de referência de uma socióloga de 63 anos, investigadora do Instituto de Ciências Sociais e autora de diversos livros deviam encontrar-se nesse patamar superior. Vejamos o que afirma a senhora: «O corpo de José Sócrates deve ser bem feitinho. O doutor Mário Soares está muito gordo, mas também já é velho…». O resto do texto encaixa na mesma onda, embora com menos acutilância. Felizmente, a maior parte dos blogues que leio está muito acima deste nível. Maria Filomena Mónica não se enxerga. Critica os jornalistas e os políticos portugueses por não serem como os britânicos. Mas já alguém leu entrevistas destas dadas por historiadores e sociólogos do Reino Unido a jornais de referência? Imaginamos Eric Hobbsbawn a ocupar uma página do Times para dizer que Tony Blair é um tipo sem piada, pois tem o perfil de pai perfeito de família, e que John Kennedy tinha pinta porque foi para a cama com a Marilyn Monroe? Há uma frase de Aquilino Ribeiro que já não sei onde li e cito de cor: o mal de Portugal não é quem tem olho ser Rei. O mal é quem tem dois olhos furar um para ser Rei. A nossa aristocracia intelectual, mesmo com os dois olhos intactos, não me consola.

domingo, setembro 17, 2006

O Papa e o Islão


Quando Ratzinger foi eleito, em Abril de 2005, deixei claro no Barnabé - numa das tais homilias que tanto ofenderam certas almas anticlericais mais sensíveis - que não me parecia que este papa tivesse sido grande escolha, nomeadamente pela sua falta de sensibilidade para o diálogo inter-religioso.

Viu-se agora o resultado. Bento XVI não terá querido, no agora famoso discurso de Rastibona, ofender deliberadamente o Islão, e nele argumentou até explicitamente a favor do diálogo entre religiões e tradições culturais. Mas a sua escolha de citações mostra que ainda não percebeu que não está a dar aulas ou a admoestar teólogos, está a ser escutado, se bem que nem sempre com grande atenção às nuances, pelo mundo!

Dito isto, não deixa de ser triste que a indignação entre os muçulmanos que sentiram ser injusta a acusação da sua religião promover a violência, tenha resultado precisamente em mais actos violentos. E não deixa de ser lamentável que dirigentes de países islâmicos onde se pratica a discriminação legal dos cristãos, ou até mesmo a proibição da prática pública da fé cristão e em que a apostasia dos muçulmanos é punida por lei, venham agora dar lições de tolerância.

Apesar de tudo isto convém lembrar que estes gestos violentos foram a reacção de uma pequena minoria do 1 bilião de muçulmanos. O «Choque de Religiões» tem de esperar! Seria bom, no entanto, que os diplomatas do Vaticano - sempre tão criticados quer por católicos progressistas, quer por católicos tradicionalistas - tivessem alguma mão no papa antes de ele falar, e não apenas depois, como neste caso.

E agora: Marcha contra o Emprego?


O Bloco de Esquerda gabou-se da sua capacidade de mobilização em defesa do emprego. Fraco teste. Alguém é contra o crescimento do emprego? Gostava de ver era a capacidade de mobilização do BE em defesa do desemprego. É que se algumas das políticas que propõem até parecem boas, mas não são novas. Muitas das medidas económicas novas que propõem - das 35 horas até o agravar os impostos sobre as empresas para pagar eventuais buracos na segurança social - levariam a mais desemprego. Aí está uma causa fracturante de que o BE não se lembrou: defender o desemprego!

Regresso às aulas.

Uma vez que a política e os dilemas éticos não podem nem devem deixar de fazer parte da vida académica, entrando muitas vezes pelas salas de aula , neste início de ano lectivo talvez valha a pena ler um texto de Michael Bérubé no New York Times de hoje e que termina assim:
"Every responsible teacher should think of the classroom as a relatively safe space, free of intimidation or coercion. But in return, every responsible student should realize that the classroom is only relatively safe, because arguing about ideas isn’t risk-free. Of course, students sometimes have qualms about taking classes with overtly partisan professors. “As conservatives,” Julie Aud, a student at the University of Indiana and press secretary for her chapter of the College Republicans, told CBS News, “we should never have to feel uncomfortable in the classroom because of our beliefs.” Perhaps so, but as students, you should expect to feel uncomfortable about your beliefs as a matter of course — that is, if your professors are doing their job properly, and keeping the floor open for every reasonable form of debate and disagreement."

Boas notícias!


A licenciatura em História na Universidade de Évora teve 19 das suas 20 vagas preenchidas (95%)! Foram e são boas notícias, sobretudo porque há sete alunos em fila de espera para entrarem no regime especial para maiores de 23 anos, e uma meia-dúzia de alunos brasileiros frequentará várias disciplinas dos diversos anos do curso. Para o ano há mais e não se sabe como será! Mas por agora Clio está de parabéns em Évora. Justamente em 2006, ano em que se comemoram vinte anos sobre a classificação, pela UNESCO, da capital do Alentejo como cidade património mundial.

Viva a luta de classes, viva a classe trabalhadora, viva o Paços!

Os “Novos Artistas da Bola” é a melhor tertúlia da rádio portuguesa. Está na Antena 1 todas as segundas-feiras depois das 19. Dela fazem parte o “portista” Miguel Guedes, o “sportinguista” Eduardo Barroso e o “benfiquista” Medeiros Ferreira. Como gosto de tertúlias radiofónicas – embora em Portugal elas escasseiem – e sou de “os Belenenses”, ouço com gosto, atenção e quase sempre sem paixão as opiniões dos circunstantes. São personalidades distintas que se expõem perante o auditório muito mais do que imaginam.
Na próxima segunda-feira sempre quero ver de que forma o moderador e os restantes “tertulianos” reagirão aos gritos inflamados de Eduardo Barroso contra as arbitragens que sistematicamente prejudicam o Sporting e contra a do dia de ontem em particular. Cheira-me que todos lhe recordarão o golo marcado pela União de Leiria o ano passado em Alvalade e que o árbitro auxiliar da partida não validou por não ter visto que se encontrava um metro “para lá da linha de golo”. Mas, e sobretudo, talvez lhe façam ver o facto da equipa de betos e de jovens estrelas da “academia” não ter sido capaz de meter um único golo na baliza do Paços de Ferreira em mais de 90 minutos. E isso quando, de repente, inúmeros jornalistas e comentadores desportivos punham o Sporting das jovens estrelas entre as melhores equipas de futebol da Europa – neste domínio nada mais hilariante do que ouvir ontem na Rádio Renascença e na TSF os comentadores de serviço antes do início do jogo.
Por isso, e por agora, tudo demonstra que a jogar à bola o Sporting não passa de uma equipa de bairros – do bairro de Alvalade e do “bairro” de Alcochete – à qual o pior que lhe pode ser dado são uns tipos fortes, trabalhadores e inteligentes oriundos da “capital” portuguesa do “móvel”. Viva o Paços e viva o grande líder da classe trabalhadora, o camarada José Mota.

sábado, setembro 16, 2006

Declarações ou proclamações?

Nós e as arabices.

Sobre o Bento XVI, Manuel II e os nossos irmãos muçulmanos, sugiro a leitura desta crónica sobre as intoleráveis práticas intimidatórias levadas a cabo pela "rua árabe": no JN. Surpreendente por se sempre me ter parecido uma jornalista simpática mas pouco convincente.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Lição de vida.

Hoje fui buscar o Vasco à escola. Encontrei-o triste, na verdade inconsolável. Enquanto me relatava a razão do seu desconsolo, chegou a chorar. Pouco, com decoro, mas chorou. Dois soluços e os olhos cheios de lágrimas. Dos quatro amigos apenas dois ficaram depois do almoço. Destes dois, um é o seu grande amigo. Mas, inexplicavelmente, o amigo, de quem tanto sentiu a falta durante as férias grandes, recusou-se a brincar com o Vasco, trocando-o por outros coleguinhas. Pela primeira vez o Vasco sentiu-se traído por um amigo. Como era minha obrigação, consolei-o e desdramatizei. Só não lhe disse que não seria a última.

“Clubite” e “magistrados”

Enojado com o “caso Mateus”, e talvez também com o “apito dourado”, o Conselho Superior de Magistratura propôs na passada quarta-feira que os “magistrados” deixem de fazer parte dos órgãos de justiça futebolística (Conselho Disciplinar da Liga e Conselho de Disciplina da FPF). Com tal alvitre pretende mostrar força, autoridade e ética. Mas faz mal. Em primeiro lugar, porque reconhece que nenhum magistrado será capaz de exercer funções na justiça desportiva de forma imparcial, séria, acima de quaisquer pressões, e sem padecer de “clubite” – como alguém chegou falar –, ao mesmo tempo que pretender dizer que, no fundo, os pecados de magistrados nos órgãos de justiça desportiva são, afinal, uma doença de diagnóstico fácil, de cura impossível mas sem gravidade (para os próprios, para o desporto – neste caso o futebol – e para a sociedade). Em segundo lugar, porque demonstra que não age. Só reage. Ou seja, mais do que afastar magistrados do futebol o Conselho Superior de Magistratura na sequência de uma catadupa de escândalos, o Conselho Superior devia agir nos termos da lei sobre todos aqueles que, pertencendo à “corporação” da magistratura, no futebol, no desporto em geral, ou noutros domínios, se comportam vergonhosamente, ao arrepio das mais elementares regras que governam a magistratura.
No entanto, e ao ler aquilo que nos últimos dias o Público tem noticiado sobre o processo “apito dourado”, cruzando-o com aquilo que se sabe acerca do “caso Mateus” (e atenção que há muita coisa importante que não se sabe), fico cada vez mais com a certeza de que os “magistrados” não se comportam vergonhosamente apenas quando se trata de justiça desportiva. Sou cada vez mais tomado pela sensação de que alguns juizes e procuradores do Ministério Público serão susceptíveis, no âmbito da sua acção” normal”, a “pressões”. Por isso, talvez valesse a pena que o Conselho Superior de Magistratura mostrasse trabalho nesse domínio antes que seja demasiadamente tarde. É que caso não o faça corre vários riscos. E um deles será, daqui por uns anos, ver-se na contingência de impedir os “magistrados” de fazerem parte de órgãos do próprio sistema judicial. Ou será que alguém acredita que é só na justiça desportiva, e em especial na do futebol, que os “magistrados” padecem, para usar uma metáfora, de “clubite”?

FCG e Montesquieu

Fernando Gabriel (FCG) respondeu no "Guest of Time" a este meu post. Acho que tem razão nos reparos que me faz. Obrigado.

quinta-feira, setembro 14, 2006

CDS: treinadores de bancada e sebastianismo (pobre dr. Ribeiro e Castro)

O dr. Pires de Lima, que acaba de deixar o seu lugar no grupo parlamentar do CDS, veio defender publicamente a necessidade de mais um congresso. Ainda há poucos meses o CDS esteve reunido em congresso e, novamente, é necessária uma reunião magna do partido segundo este "crítico" da actual direcção. Em relação à ala crítica (ou "portista") do CDS, que até é aquela de que me sinto mais próximo, já toda a gente percebeu duas coisas: primeiro, que está apostada em tornar a vida do dr. Ribeiro e Castro num inferno; segundo, que está à espera que o dr. Paulo Portas se decida a reassumir a liderança. Esta postura tem dois grandes inconvenientes. Por um lado, está a levar a opinião pública (dentro e fora da área liberal e conservadora) a fartar-se do CDS e a convencer-se da sua imaturidade e inutilidade; de facto, que partido é este em que uma obstinada oposição interna não deixa governar nem quer governar? Os adversários públicos de Ribeiro e Castro não estão nos partidos concorrentes, mas dentro do CDS: todos os dias lhe desfazem a liderança e tudo fazem para o desacreditar e humilhar. Depois, pedem congressos e, lá chegados (surpresa das surpresas!), nenhum destes barões valentões se chega à frente para apear Ribeiro e Castro. Com isto, estarão a pensar que não afectam a imagem pública do partido? Santa ingenuidade! O segundo inconveniente é que esta espera sebástica pelo dr. Portas leva os seus apoiantes a anularem-se politicamente dentro e fora do partido, queimando toda a energia em guerras de alecrim e manjerona que, além de despertarem desconfiança fora, não estão a preparar em nada as opções do partido para a próxima legislatura. Pode admitir-se que tenha sentido o dr. Portas não entrar já, para não se "desgastar" (e parece evidente que entrará assim que o quiser, porque o partido o quer); o que se pode questionar é se, com esta estratégia de afrontamento, o dr. Portas terá (a um ano das eleições gerais? a seis meses?) alguma coisa à qual voltar, quero dizer, um partido que ainda seja levado a sério por alguém de fora e que consiga nas eleições um resultado que não o leve novamente a ir-se embora e o CDS a ficar no estado balcanizado e politicamente irrelevante em que tem escolhido estar. Porque esta é a questão: com mais ou menos deputados, o fundamental é que se perceba o que o CDS quer para o País – seja alguma coisa parecida com isto ou não. O dr. Ribeiro e Castro está a fazer o seu papel de travessia do deserto e tentou – porque há que reconhecer que tentou – ter um discurso coerente e geralmente acertado sobre as principais questões políticas; mas, sempre que fala, não é o dr. Louçã que faz ruído para que nada se ouça, é o dr. Pires de Lima e os outros barões valentões, mesmo no grupo parlamentar. Mas, se há uma travessia no deserto a ser feita, porque não deixam o homem fazê-la? É preciso torrar-lhe a paciência e deixar arder o partido? Ou será preciso concluir-se que os "críticos" são gente que nada sabe construir (nem uma estratégia decente) e que, portanto, não merecem qualquer confiança para virem a ter maiores responsabilidades no partido e no País? Já há quem comece a pensar isso (quer dizer, quem sempre votou CDS e não é democrata cristão).

quarta-feira, setembro 13, 2006

Obituário de um historiador

Joachim Fest, falecido a 11 de Setembro, continua a ser para mim o autor da mais interessante biografia de Hitler. Uma biografia publicada há mais de 30 anos - levemente retocada há meia dúzia - e que permanece acima de todas as outras: das mais polémicas, das pioneiras e das mais aclamadas nos meios académicos. Fest escreveu muito sobre o nazismo e fê-lo de uma forma única. Tal deveu-se ao seu enorme talento literário, à forma como reuniu e tratou fontes históricas da maior relevância, mas sobretudo pelo facto de ter tido de Hitler e do Nazismo uma visão única, simples e verosímil. Essa visão veio-lhe daquela que foi a sua experiência de vida - família versus sociedade e regime político - entre 1933 e 1945. Uma visão que lhe permitiu reconhecer a natureza totalitária - embora não única - do nazismo e, ao mesmo tempo, uma clara e descomplexada percepção sobre a forma como a sociedade alemã em circunstâncias particularmente difíceis se rendeu a uma realidade que significou a capitulação moral de um país e que foi, afinal, a capitulação moral de cada cidadão individualmente (independentemente de muitos e de muitas maneiras terem combatido o nazismo).

Nunca li o prefácio à última edição da biografia de Hitler publicada, salvo erro, no ano 2000, e que ao que parece, segundo algumas notícias, insiste em termos menos ortodoxos na natureza não excepcional do nazismo. Mas li - aliás nunca li mais nada escrito por Fest, excepto pequenos excertos da sua biografia de Albert Speer – a edição em língua inglesa da aclamada biografia de Hitler. Noutros tempos dei excertos do livro a ler aos meus alunos de história contemporânea. São passagens que merecem ser conhecidas por merecerem compreendidas e discutidas. Um dos mais importantes e surpreendente excerto dessa biografia a caminho da meia idade é o prólogo intitulado "Hitler and Historical Greatness". Aí, e recorde-se que o prólogo foi lido pela primeira vez na Alemanha em 1973, Fest inicia a sua prosa afirmando que a “História não regista nenhum fenómeno como ele” e que, portanto, nos devemos interrogar e discutir se Hitler merece o adjectivo de “grande”. E conclui que caso o cabo austríaco feito chanceler da República de Weimar em Janeiro de 1933 tivesse morrido cinco anos e meio depois de ter chegado ao poder ninguém lhe regatearia o adjectivo. Isto apesar de Mein Kampf, do programa anti-semita e de conquista do poder mundial com recurso à força das armas ali expresso. E depois Fest termina: “Podemos chamar-lhe grande?”

Nota final: Três obituários de Joachim Fest estão aqui, aqui e aqui.

As novas convicções do presidente Soares

É curiosa, ao menos para os menos atentos, ou mais esquecidos, a posição que Mário Soares tem tomado em relação às posições dos EUA e da Administração Bush depois do 11 de Setembro, e que, em boa medida, já havia assumido nos oito anos em que Bill Clinton tinha sido presidente. Mário Soares que contra tudo e contra todos defendeu em Portugal e na Europa, para não dizer no Mundo, a bondade do “fanático religioso” Carter e do “idiota” Reagan, tem passado a última dúzia de anos a exibir publicamente o nojo que a “América”, esta “América”, lhe causa.
Alguns dirão que tal deve ao facto de que, sendo Mário Soares um “europeísta” a outrance e tendo percebido que a “Europa” já nada tem a ganhar com a relação mantida com os EUA durante a Guerra Fria, desaparecida a “ameaça comunista”, reformulou o seu discurso em função de convicções profundas: o socialismo, a liberdade, a “verdadeira” democracia, o “ódio” ao “capitalismo selvagem”, ao “neo-liberalismo” e ao “neo-conservadorismo”. Embora pense que estas explicações estão correctas, também penso que elas esquecem uma outra, igualmente importante. Mário Soares, o político de grande “faro” e “taticista” por necessidade vital, mudou nos últimos anos politicamente por ter percebido que lhe seria muito difícil garantir um “capital” de simpatia – e não apenas na esquerda – caso não adoptasse o discurso dominante profundamente anti-americano. Só assim poderia Mário Soares ser ouvido e respeitado. E é isso que como político ele deseja acima de tudo nos últimos anos de vida. As convicções ficam para além da vida. Com convicções, aliás, ninguém vai muito longe em política. Se exceptuarmos, claro está, a convicção de que é fundamental prolongar eternamente a vida política e a vida na política.

terça-feira, setembro 12, 2006

A esquerda e a direita...


Ou o "casal maravilha" do declínio intelectual e político da América... Uma máquina de facciosismo (em duas peças) que se alimenta a si própria: o alimento de um é a trampa que o outro produz. Ou a verdadeira aplicação da lei de Gresham à opinião política...

segunda-feira, setembro 11, 2006

Mais azul...


Será o homem que escreve isto mais um rosto da perigosa "esquerda" internacional?

Do revisionismo ao negacionismo.

Nunca como neste 5.º aniversário do 11 de Setembro foram tantas as vozes dizendo que os ataques terroristas tiveram – como têm e terão – causas profundas e que foram, de uma maneira ou de outra, provocados pelos EUA, pela hidra judaica, pelo Ocidente. Como no discurso acerca da criminalidade politicamente correcta – roubo, furto e um outro tipo de violência – os carrascos são sempre as principais vítimas, para não dizer as únicas vítimas. Se continuamos assim não apenas deixará de exstir um consenso mínimo acerca daquilo que sucedeu nos EUA há meia década, como estou certo que se generalizará a ideia de que, afinal, o 11 de Setembro nunca existiu. E note-se que não estou a falar em documentários ou livros alimentados por teorias da conspiração. Acontecerá, isso sim, que no discurso dominante seja inevitável que o revisionismo de hoje seja substituído pelo negacionismo de amanhã.

Rui A. sobre um erro persistente

Subscrevo em absoluto o conteúdo deste post do Rui Albuquerque sobre a chamada "laicidade". O maior equívoco desta é a ilusão de resolver um problema, "atropelando-o" ou decretando o seu fim. E já não são perigosos cristãos "fundamentalistas" como eu que o dizem, mas historiadores "mainstream" que a laicidade é uma (mais uma) forma moderna de religião civil dos estados que a proclamam e que em geral se colocam, assumidamente ou não, no papel da Providência enquanto mediador supremo entre os indivíduos e as gerações. É que a religião tem um lado público que não é anulável; as ideologias que a interditam só a fazem surgir das formas mais inesperadas e caricatas (por vezes nas próprias proclamações "anti" ou "a-religiosas").

Frase do post: "Com a laicidade passa-se algo de semelhante: pretende-se impor sobre as mais íntimas convicções pessoais e individuais, o manto diáfano do nada absoluto."

domingo, setembro 10, 2006

Empobrecer honradamente... ou talvez não!

O primeiro-ministro José Sócrates afirmou ontem no Porto, ao falar da Segurança Social, que se nós pagamos as reformas dos nossos pais e avós, os nossos filhos e os nossos netos pagarão as nossas reformas. Este é o “sistema” que herdou e o “sistema” que pretende preservar, recusando, entre outras coisas, qualquer “privatização” do dito sistema. Estas tiradas demagógicas e ideológicas têm sempre, ao menos, um problema: a realidade. Ou seja, com o crescimento económico miserável que Portugal conhece desde 2001 e que também será preservado por, ao menos, mais uma década; com a baixa natalidade e a permanente subida da esperança de vida; com a certeza de que, à partida, as pensões a pagar dentro de 20 ou 30 anos serão em média, e em termos relativos, muito mais altas do que hoje em dia; gostava de saber com que dinheiro serão pagas as ditas pensões dentro de 20, 30 ou 40 anos, se tudo se mantiver como agora. Presumo que recorrendo a três medidas nada injustas e nada cegas. Baixa do valor das pensões; aumento regular da idade da reforma; subida dos impostos; aumento do déficit e da dívida pública. Resumindo: todos ficamos com a certeza de que caso tudo continue como está empobreceremos sem excepção honradamente ao menos nos próximos 50 anos.
É claro que tudo aquilo que Sócrates pode não passar de uma peta para tranquilizar transitoriamente os socialistas que persistem em existir no seio do PS. Tudo muito conveniente no momento em que Partido e grupo parlamentar foram olimpicamente ignorados pelo Governo na negociação com o PSD de um “pacto” sobre a “Justiça”. Passado o nojo, é provável que Sócrates inflicta 180º e retome a via do realismo político que o tem ajudado a celebrar algumas vitórias.E depois há Cavaco Silva em Belém. Sempre vigilante, sempre com uma palavra amiga, experiente e assisada, exercendo para já sobre o regime uma tutela discreta, eficaz e, sobretudo, nunca vista no nosso curto passado democrático. Ao menos nos primeiros seis meses de mandato.

A Democracia é coisa de idiotas!

Idiota, como se sabe, é o titulo de um dos mais notáveis e discutidos romances de Dostoyevski. Escrito enquanto o autor deambulava pela Europa fugindo aos seus credores russos, conheceu várias versões. Neste romance o «idiota» (o príncipe Lev Nikolayevich Myshkin), mais do que agir, contempla, mais do que dar, recebe. No fundo, o «idiota» é «idiota» pela sua ingenuidade, inocência, simplicidade, sabedoria cordial, amor compassivo. O idiota era, ou foi, para Dostoyevski, o exemplo da perfeição moral.
Ontem (Sábado), no Público, Vasco Pulido Valente preencheu a sua coluna em torno da discussão (“Uma Discussão”) que parece interessar meia população mundial e que diz respeito à natureza evidentemente idiota do carácter de George W. Bush. Para Vasco Pulido Valente, como para muitos daqueles que consideram Bush idiota, o idiota é aquele que faz muitas coisas, todas elas mal e com consequências dramáticas para um grande número de pessoas. Isto tudo por causa da indiscutível responsabilidade de George W. Bush na adopção pelos EUA de políticas que, resumindo, tratam de enfraquecer a América e tornar mais instável e inseguro o mundo. Numa palavra, tudo aquilo que de mais importante tem corrido mal no planeta Terra desde Setembro de 2001 se deve a actos ou medidas postas em prática pelo ex. governador do Texas. Para que se perceba aquilo que Vasco Pulido Valente quer dizer e a quem se refere quando chama idiota a alguém, lá trata de relembrar que idiota é aquele que, como Napoleão ou Hitler, Salazar ou Lyndon Jonhson, se mete a fazer coisas, a executar políticas que acabam mal porque são arrojadas, deslocadas, irrealistas, megalómanas. Sê-lo-ão aliás tanto à luz da análise histórica como aos olhos daqueles que a seu tempo apelaram ao imobilismo, à ponderação, ao “realismo.”
Tem toda a razão Vasco Pulido Valente no seu juízo, bem como aqueles que criticam Bush chamando-lhe idiota por ter aceitado o conselho daqueles que acharam ser opção sensata e necessária intervir militarmente no Iraque para, dessa forma, democratizar não apenas o território invadido mas, depois, uma boa parte do Médio Oriente. Em primeiro lugar, o singelo objectivo de democratizar é mau e idiota. E, sobretudo, democratizar impondo a democracia pela força das armas é ainda mais idiota. Como sabemos nunca democracia foi imposta pela força das armas no passado. E quando se tentou fazê-lo – como consequência de intervenções militares externas, de guerras civis, de revoluções – fracassou-se sempre. A democracia, dos EUA à Europa Ocidental, do Extremo Oriente à África do Sul, do Brasil ao Chile, nasceu sem excepção, e como se sabe, de geração espontânea uma vez que, como também se sabe, as sociedades evoluem quase directamente, sem percalços de maior, da tirania para a democracia. Aliás, o que foram senão idiotas homens como George Washington ou Thomas Jefferson? Lutaram pela independência das Trexe Colónias? Que disparate! Não era óbvio que iam perder? O que foi Winston Churchiil senão um idiota? Onde já se viu fazer com que a Grã-Bretanha e um império semi-esfarrapado e impreparado para a guerra continuassem praticamente sozinhos uma guerra com a quase generalidade do continente Europeu entre Junho de 1940 e Junho de 1941? Os realistas, os “velhos do Restelo” da altura, é que tinham razão quando começaram a pressionar seriamente Churchill e os seus incondicionais para que se iniciassem negociações com Hitler. Afinal, não apenas a guerra estava perdida como era um sonho quimérico pensar que a Europa, ao menos em parte, podia e devia ser subtraída à Alemanha, restaurando Estados, Governos e liberdades literalmente engolidas pelo avanço do fascismo e do nazismo – tanto na frente interna como externa. E Pitt, o jovem Pitt, que foi senão um idiota? Não teria sido melhor para ele, para a Grã-Bretanha e para a Europa, meter a viola no saco e deixar tudo a Napoleão e à França. E Reagan na década de 1980? Outro idiota chapado, sempre com aquela conversa de que a União Soviética era não apenas o “império do mal” mas que, sobretudo, seria um dia derrotada numa guerra “fria” que durava há já mais do que três décadas. A afrontar os soviéticos, a propor essa idiotice que foi a “guerra da estrelas”, sempre a sublinhar a superioridade moral da democracia sobre o comunismo. Idiota chapado!
Eu não vou ao ponto de dizer que George W. Bush não é idiota. O que me parece óbvio é que os “idiotas” são muitas vezes, têm sido muitas vezes, os únicos defensores consequentes de uma ordem ou de um sistema de valores da qual os “realistas”, os “lúcidos”, os “inteligentes”, os “velhos do Restelo” dependem mas que nem por um minuto parecem perceber como se preserva, como se construiu e como se conquista.

sábado, setembro 09, 2006

Almanaque do Povo

Não há festa como aquela, de facto: Mencionada no Tugir, no Kontratempos, no Canhoto, no Insurgente e no Bloguítica (et alii), averiguada pelo D N e difundida pela Lusa, a lamentável presença das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia na Festa do Avante! desencadeou um processo comunicacional que responde eloquentemente a quem não se farta de questionar a utilidade da vivência em rede.

Nota: Com mais detalhe, o Kontratempos inventaria a sequência noticiosa aqui. No blogue de Tiago Barbosa Ribeiro pode também subscrever-se este protesto.

Divulgação, 1: A associação Alagamares promove o debate e a acção cultural nas áreas da história, património, artes e ambiente de Sintra, concelho no qual se encontra sediada. O seu site, para além de um variado plano de actividades, divulga notícias e artigos sobre a actualidade local.

Divulgação, 2: A Fundação Cuidar O Futuro está a desenvolver, entre outros, o projecto Memória na Internet de Maria de Lurdes Pintasilgo. Com a cooperação da Fundação Mário Soares, disponibilizará on-line, até Dezembro de 2007, 10 000 documentos e 100 fotografias pertencentes ao espólio documental da ex-primeira ministra.

Leituras de Verão1

El Siglo é uma espécie de romance maldito de um dos meus escritores preferidos, Javier Marías, autor de obras-primas como Coração tão Branco e Amanhã na Batalha pensa em mim. O livro saiu em 1982, antes da consagração do escritor, e passou despercebido. Teve edições posteriores sem grande sucesso. É a história de um homem que fracassa nas suas intenções de se tornar um mártir por amor e um herói de guerra, convertendo-se em delator. Os capítulos ímpares estão escritos na primeira pessoa e os pares na terceira. Este Verão li uma edição de bolso de El Siglo, em castelhano. Não me encheu as medidas. Reservo uma opinião definitiva sobre a obra para uma segunda leitura. Mas gostei bastante do capítulo VI, intitulado «Lisboa». Transcrevo aqui um excerto:
«No tardó Lisboa en asimilarlo, pues es la ciudad adecuada para los exiliados que no quieren hacer mucho ruido, sino pasar desapercibidos tentando al tiempo a que siga su ejemplo; para los traficantes menores de mercancías oscuras, tan apocados y pusilánimes en su delincuencia, con tan poca ganancia tras sus travesías que ni siquiera pueden permitirse el lujo de correr un riesgo demasiado alto; para los fugitivos sin culpa, indecisos y desorientados, que al final optan siempre por dirigirse al ocaso; para los personajes pacíficos y temerosos que, no deseando ver ni oír mucho ni tampoco ser detectados, se aseguran una cierta ceguera y una cierta sordera al volverse hacia las estribaciones del Océano Atlántico, tan uniforme e inescrutable y estrepitoso. Sin embargo Lisboa, que los alberga a todos cuando se lo piden, no cierra a escuchar y espiar las pisadas del siglo con atención y cuidado, contentándose con atisbarlo de lejos en medio de sus convulsiones sin tomar parte en ellas. A diferencia de algunas capitales del norte, tan adormecidas por los prolongados letargos del invierno invidente; o de algunas del este, que sufren los vaivenes y vicisitudes de la fortuna con la cabeza gacha para esquivar los mandobles que sobre ellas se cruzan; o de sus primas del sur, demasiado excitadas y activas para detenerse de vez en cuando a otear o a contar las pulsaciones de los sucesivos años, Lisboa mira. Mira, pero no juzga. Es como el testigo silencioso del continente, al cual, desde su occidente extremo, contempla a medida que es iluminado por el sol que avanza. Mira de reojo para que no la deslumbre el astro, ya a veces, aburrida, le da la espalda. Es un lugar acolchado y tenue, sesgado, que se aparece como en un estado de potencialidad infinita, de inacabables morosidad y recato. Hace ostentación continua de sus numerosas reservas – que están siempre intactas -, pero como garantizando que no va emplearlas, como con la promesa de que jamás se dejará embaucar para hacer uso de ellas; o, lo que es lo mismo, de que nunca caerá en el error de competir o ponerse a tono con sus vecinos, de incorporarse a los acontecimientos de un mundo que está acostumbrada a observar y que suele tocarla de refilón tan sólo.»

quinta-feira, setembro 07, 2006

Bush e a Guerra!

Agora que se aproxima o 5.º aniversário do 11 de Setembro, sucedem-se os comentários, as análises, as opiniões, as recordações e evocações daquele fatídico guia que o Economist se apressou a classificar como de mudança para o mundo. Não vou agora discutir se assim foi ou não. Por mim, e antes de dar uma resposta, prefiro esperar 25 a 30 anos como é normal e sensato que façam os historiadores. Aguardemos, portanto, pelo dia 12 de Setembro de 2026. De qualquer modo convém dizer que tendo mudado o mundo ou não, como o mudou a Revolução Francesa, a Grande Guerra, a Revolução Bolchevique ou a Grande Depressão, o 11 de Setembro de 2001 mudou ao menos a política externa e a política de segurança interna dos EUA e da Europa, nomeadamente da União Europeia. Sobre segurança interna sobre a Europa não falo agora nem sei se alguma vez falarei.
Quanto às mudanças na política externa americana provocadas pelo 11 de Setembro, convém talvez recordar que tal apenas se deu pelo facto dos atentados perpetrados naquele dia terem sido, de facto, contra o Ocidente e os EUA e aquilo que eles significam para os seus autores e para as vítimas em termos civilizacionais. Pela sua natureza, mais do que pela sua espectacularidade, natureza ratificada pelas declarações de Bin Laden imediatamente a seguir, os atentados obrigaram a Administração Bush a regressar activamente ao mundo quando o seu principal objectivo político inicial tinha sido recuar para posições mais consentâneas com os seus interesses. Condolezza Rice tinha aliás, num artigo publicado na Foreign Affairs, salvo erro na Primavera do ano 2000, afirmado que a política externa norte-americana, no caso de vitória republicana nas eleições, implicaria a sua submissão a interesses bem definidos, parecendo estar excluídas intervenções políticas e militares extemporâneas prosseguidas ao sabor dos caprichos de uma parte da opinião pública internacional e dos seus aliados, nomeadamente os europeus. Na altura, os desafios principais à segurança norte-americana parecia residir no Pacífico – China e Coreia do Norte –, ao mesmo tempo que se desvalorizava a importância da Europa enquanto parceiro político e militar dos EUA.
O 11 de Setembro fez portanto com que a política externa americana de uma Administração republicana - por acaso a de George W. Bush - tivesse de redefinir toda a sua estratégia. De uma posição expectante e favorável a um isolacionismo moderado, a nova Administração viu-se perante uma guerra que lhe foi declarada por um indivíduo e uma organização no dia 11 de Setembro de 2001. Uma guerra que entrava pela América dentro, recorde-se, também pelo facto da Administração Clinton não ter podido ou, eventualmente, não ter querido resolvê-la - atemorizada pelos elevados custos políticos que comportava e pela fragilidade interna que os sucessivos escândalos ajudaram a produzir.
O resto da história é conhecida. A opinião publica internacional - com excepção de boa parte da islâmica - apoiou a iniciativa militar dos EUA e dos seus aliados no Afeganistão. Não tivesse o choque sido grande e inesperado e os norte-americanos e os seus aliados rápidos na resposta, é óbvio que as manifestações que tiveram lugar mais tarde contra a invasão e a ocupação militar do Iraque teriam acontecido antes, sendo provável que se tivessem louvado nessa altura tanto a bondade dos talibãs (que seriam comparados favoravelmente com os aliados sauditas dos EUA), como o direito do Afeganistão e dos seus povos a viver em paz, clamando-se tanto a natureza incivilizacional da guerra como as infinitas vantagens e o carácter inato ao homem e à mulher tanto da paz como do pacifismo.
Ainda o episódio Afeganistão não tinha acabado - como ainda não acabou - virou-se a Administração Bush para o Iraque. Evocando o apoio de Saddam Hussein ao terrorismo islâmico e a posse pelo regime a que presidia de “armas de destruição maciça”, assim como a necessidade de libertar o Iraque democratizando-o, criando a partir daí um foco de contaminação democrática na região, os norte-americanos regressaram política e militarmente ao "idealismo" do presidente W. Wilson que afirmara significar a entrada dos EUA na Grande Guerra em 1917 a transformação daquele conflito numa luta pela imposição da democracia e da autodeterminação dos povos - mesmo que parte da retórica fosse uma resposta à propaganda bolchevique na Rússia recém e ainda parcialmente submetida a uma grande revolução proletária. A intenção americana, britânica, espanhola, mas também de outros aliados europeus - e não só - de levar a guerra ao Iraque - país que como se sabe vivera em paz e tranquilidade absoluta, interna e externamente, desde o primeiro dia da década de 1980 - não apenas foi vista e sentida por todos aqueles que se lhe opunham como um insulto aos "árabes" mas, sobretudo, demonstrou à exaustão que os americanos estavam praticamente isolados não do mundo mas no mundo. Os seus aliados mais poderosos na Europa continental - RFA e França - viraram as costas ao amigo americano por razões variadas que não importa agora enumerar. No mesmo mundo ocidental sucederam-se manifestações anti-guerra. Nestas, e ao menos para mim, a principal diferença em relação àquelas ocorridas aquando da intervenção militar norte-americana e europeia nos Balcãs quando os EUA eram conduzidos pela Administração Clinton, estava apenas no facto das manifestações anti-guerra no Iraque contarem então com a presença daqueles que tinham louvado acriticamente a intervenção militar americana na Europa por ter sido planeada e executada por uma Administração democrática. Ou seja, muitos europeus repercutiam na sua opinião acerca da bondade ou não de uma intervenção militar no Iraque a forma como liam política e ideologicamente a Administração Bush. Comportavam-se como cidadãos do império americano que ora apoiavam ou não uma guerra consoante não a bondade desta mas o perfil político-ideológico daqueles que a propunham e executavam. Tornara-se óbvio que caso tivesse sido uma Administração democrática a levar as suas tropas para o Médio Oriente para derrubar Saddam, uma boa parte da opinião pública europeia e internacional teria reagido de outra maneira, apoiando a intervenção, independentemente dos pretextos evocados. A invasão correu como correu. A ocupação como sabemos. A opinião pública norte-americana que reelegeu George W. Bush fustiga-o agora nas sondagens. Quase que já se perdeu a conta ao número de mortos - a maior parte deles provocados por actos terroristas perpetrados por sunitas contra xiitas -, os EUA parecem ter-se envolvido num imbróglio político-militar e estratégico idêntico ao do Vietname, enquanto os observadores, na sua maioria, tendem a considerar que tudo não passou de um erro com enormes proporções, embora normalmente nunca digam qual teria sido a alternativa na altura da preparação da invasão e da sua execução, sobretudo quando a ideia de levar a guerra ao Iraque já tinha sido levantada seriamente por Clinton dado o impasse insustentável a que chegara a situação na região. Tenho pois para mim que uma invasão do Iraque era não apenas desejável como inevitável – apenas a data poderia ter sido outra e a ocupação planeada e, sobretudo, executada de outra forma. E nesta altura em que a Administração Bush, a meio do segundo mandato, dá provas de ser capaz de reagir e repor-se nas sondagens, nomeadamente recordando aos cidadãos norte-americanos que o país está de facto em guerra e que o pacifismo que de repente toma oportunisticamente conta das hostes democráticas significará a catástrofe, eu aproveito para deixar aqui as minhas críticas à Administração Bush, ao mesmo que tempo que relembro - a todos - que ainda é cedo para avaliar a invasão do Iraque e a sua ocupação.
Terminada a guerra, faltou à Administração Bush conseguir impor a rendição incondicional dos iraquianos em termos idênticos àqueles que tinham sido impostos por Washington aos Confederados no fim da guerra civil americana, aos alemães na Primeira e Segunda Guerra Mundial, e, sobretudo, ao Japão também no fim do segundo conflito mundial. Mas além da rendição incondicional do Iraque houve duas opções que foram ignoradas pelos EUA e que se prosseguidas teriam produzido resultados capazes de reduzirem significativamente os custos da guerra. A primeira, e mais importante, teria sido levar a guerra à Síria destruindo não apenas uma ditadura sanguinária e impopular mas, sobretudo, para ocupar e destruir importantes santuários do terrorismo islâmico no Líbano e no Iraque, ao mesmo tempo que seria aliviada a pressão sobre Israel. Mas as virtudes da ocupação da Síria não ficariam por aqui. Elas teriam reduzido muito significativamente a agressividade iraniana, percebendo as autoridades do país como seriam grandes as possibilidades do Irão poder vir a ser vítima do poderio militar norte-americano. Finalmente, uma derrota da Síria teria significado o alargamento a este país charneira do processo de democratização do Médio Oriente que sustentou a intervenção militar norte-americana no Iraque.
A segunda opção deveria ter passado pela reprodução no Iraque (e na Síria) de uma ocupação militar com um muito maior número de efectivos, na linha do modelo utilizado na Alemanha e no Japão a partir de 1945 (neste último caso tendo agido os norte-americanos sem apoio de terceiras potências). Sucede que no Iraque os EUA estão tomar uma atitude que se assemelha muito mais à experiência histórica da "reconstrução" do Sul nas décadas de 1860 e 1870 do que aquela que foi a sua atitude na Alemanha e Japão. Na "reconstrução" do Sul o poderio militar reflectido numa vitória em toda a linha e numa indiscutível superioridade moral, política, económica, social e tecnológica da União, a par de uma planificação da ocupação que passava pela imposição de instituições democráticas não racistas, acabaram por soçobrar perante uma resistência objectivamente débil mas que contou, acima de tudo, com a cumplicidade daqueles que pelas mais variadas razões condescenderam não cumprindo aquela que era a vontade e a necessidade de se impor uma nova ordem. Por isso tiveram os norte-americanos, e em espacial os afro-americanos, que esperar cem anos e pela presidência desse notável, ao menos neste aspecto, presidente que foi Lyndon B. Johnson.
Cinco anos depois do 11 de Setembro, com ataques terroristas quotidianos no Iraque, com a agressão militar de grupos terroristas xiitas a Israel, com vários ataques de terroristas islâmicos em vários pontos do globo - da Indonésia ao Reino Unido, da Índia a Espanha - o excesso de confiança, o deficiente planeamento de ocupação, além da tentação de se passar a ser pomba quando ainda era tempo para se ser falcão – não se invadindo nem ocupado a Síria -, não se pode deixar de olhar com alguma apreensão para o trabalho entretanto produzido pela Administração Bush. Cinco anos depois dos ataques terroristas em Washington D. C. e em Nova Iorque.
De qualquer modo, em 2026 estar-se-á em muito melhor posição analisar e avaliar o impacte dos atentados de 11 de Setembro de 2001 na história dos EUA e das regiões de onde esse mesmo terrorismo, não apenas simbolicamente, irradia.