quinta-feira, abril 24, 2008

Estado laico e liberdade religiosa

Caro Bruno,

Eu é que fico perplexo por escreveres que não quero discutir os factos em torno das questões da laicidade. Não fui eu que abri a discussão neste blogue? E não teria aberto a discussão se, além de te reconhecer legitimidade para te pronunciares, também te reconhecesse responsabilidade e soubesse que os teus textos têm impacto e devem ser lidos com exigência. E já que colocaste a questão da legitimidade: o título do teu poste – a «unicidade laical» – não será uma insinuação torpe acerca da minha legitimidade? Ou será antes o estabelecimento de uma ligação entre D. Jorge Ortiga e o PCP? A ironia do título acaba por ser reveladora – em democracia pode-se combater e vencer um projecto de unicidade sindical. Os comunistas podem ter um sindicato «deles». Mas será legítimo em democracia que o Estado português não seja também o Estado «deles»?
Modelos de Estado laico e Estado não confessional há muitos. Eu acho que o Estado laico não implica um projecto de laicização da sociedade e é compatível com o reconhecimento do papel social e cultural das diversas confissões religiosas, sendo que o papel da Igreja Católica em Portugal tem um maior peso. E isto não é por causa da diferença entre a teoria e a prática. É porque a teoria é outra.
Tu achas que o modelo de Estado não-confessional é melhor e gostarias de seguir o exemplo do Reino Unido. Será que os comentadores que reagem tão violentamente aos teus pontos de vista são culpados de ignorância ou são culpados de não serem ingleses? O modelo do Reino Unido deve-se à enorme sapiência e clarividência britânica ou à peculiar relação entre um Estado e uma Igreja maioritária com características diferentes do Estado português e da Igreja Católica? Será por acaso que as ideologias laicas se desenvolveram na Europa do Sul e na América Latina católicas e não na Europa do Norte onde as Igrejas maioritárias são protestantes? Será irrelevante que a Igreja Anglicana não tenha ordens religiosas e portanto a questão congreganista que atravessou a política portuguesa desde o século XVIII ao primeiro quartel do século XX não se tenha colocado no Reino Unido? Porque será que os portugueses laicos e ateus do início do século XX retomaram políticas do Marquês de Pombal e dos liberais do século XIX? Será que os liberais do século XIX, mesmo católicos e querendo uma religião do Estado católica, não tiveram de afirmar o seu projecto de Estado liberal contra determinadas concepções e práticas da Igreja Católica que não tinham a ver com a teologia e a prática religiosa, mas com o regime de propriedade, a concepção das funções do Estado, da organização económica, etc, tudo questões que não se colocavam no Reino Unido?
Há Estados liberais em que uma religião oficial é compatível com a liberdade religiosa. Mas também há Estados, como o Irão, em que a existência de uma religião oficial implica a descriminação das religiões minoritárias e a codificação da pena de morte para os ateus. Antes o Estado laico francês ou turco (apesar de não concordar com alguns aspectos) do que o Estado anti-laico iraniano.
Caro Bruno,
Queres enxertar em Portugal um modelo de Estado não-confessional inspirado nos modelos nórdicos, mas facilmente despertas os fantasmas um catolicismo se não anti-liberal, pelo menos com uma concepção redutora da liberdade.
Eu quero partir do Estado laico como um dado civilizacional adquirido e construído no sentido de garantir a liberdade religiosa, incluindo a liberdade do ateísmo. Essa é, em minha opinião, a melhor forma de garantir que o Estado seja de todos, e a dignidade de todos seja reconhecida, o que implica a liberdade de praticar uma religião.
PS A forma heterodoxa deste poste deve-se ao facto de ter sido primeiro pensado como comentário, tendo desistido de o meter numa «caixa de comentários» devido à sua extensão.

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2 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

Na minha sincera opinião um estado democratico que assuma o seu laicismo e ao mesmo tempo conceda honras de estado a determinada religião so pelo facto de esta ter tido um peso ou de ter ainda na sociedade, pode ate ser laico mas continua preso nas amarras do conservadorismo social, tem medo de mudar e avançar, e assim rejeita vementemente a crença religiosa ao mesmo tempo que acolhe os preconceitos da mesma, é um legado de seculos de forte influencia religiosa(caso de portugal)onde os 50 anos antes do 25 de abril fortaleceram e propagaram, de facto acredito que o modelo social democrata escandinavo é o unico passivel de adr bons resultados à luz dos seus semelhantes da europa central ou de sul; mas nem os portugueses sao nordicos nemtemos o mesmo sistema cultural, infelizmente nalguns aspectos,á semelhança de todos os paises latinos.

1:37 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro voice_of_the_opressed,

Fiquei na dúvida se o início do seu comentário era uma crítica a uma parte do meu texto, em que falo do maior peso da Igreja Católica em Portugal. Um Estado laico não tem de dar «honras» de Estado a nenhuma religião, ou acolher os preconceitos ou crenças de qualquer religião. Tem é de ter o sentido das proporções e reconhecer o lugar que ocupa, por exemplo, o património arquitectónico e artístico da Igreja Católica em Portugal. Não vejo que esse reconhecimento oprima ninguém. A presença em Portugal de minorias religiosas e não religiosas deve também ser reconhecido e valorizado.

2:33 da tarde  

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