quarta-feira, outubro 31, 2007

Desmantelar fragilidades

Ao folhear o Metro, apercebi-me que a ASAE, poderoso e fundamental organismo administrativo de fiscalização das actividades alimentares e económicas, encerrou nove operadores de hiper e de supermercados na sequência de uma operação de fiscalização feita em todo o país. Ela tem vindo a mostrar, em muitos casos e para bem de todos nós, o pior que o país tem, causando o pânico naqueles que pelos mais variados motivos não cumprem a cartilha das boas práticas da adequada prestação de serviços a clientes e utilizadores em geral. Odiados por uns, suportados por outros, estes profissionais da verificação lá vão desmantelando as muitas fragilidades que por aí andam.
Neste domínio, Portugal parece estar, de facto, em fase de mudança e, muitas vezes, ao arrepio destas lógicas de qualidade de serviço são até compreensíveis as atitudes de estupefacção dos comerciantes e proprietários que, habituados a uma cultura permissiva, prefeririam gerir o negócio de acordo com os interesses que a cada momento se afiguravam mais oportunos.
Mas apesar dos resultados e da aparente eficácia e zelo, cumpre não esquecer que é pouco adequado enveredar exclusivamente por uma cultura propensa acima de tudo para a detecção do erro, sempre apta a penalizar a carteira e a imagem, destituída de uma filosofia de acompanhamento, de aconselhamento dos erros a evitar no futuro. Em última análise, a promoção da cultura do bem-fazer não pode ser simplesmente imposta por decreto.

terça-feira, outubro 30, 2007

História da PIDE

A História da PIDE, desde 1945 até ao fim, é o novo livro de Irene Flunser Pimentel, que será apresentado hoje pelo Professor Medeiros Ferreira, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, às 18 e 30. O livro é uma adaptação da tese de doutoramento da autora feita no Departamento de História da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, sob a orientação do Professor Fernando Rosas.

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domingo, outubro 28, 2007

O caso Litvinenko


The Litvinenko Case foi um dos três filmes que mais apreciei no DocLisboa – os outros foram o pouco falado Calle Santa Fé e Elle s´apelle Sabine - e o mais estimulante do ponto de vista da reflexão. Vou cingir-me a três pontos que não vi focados nos textos que li sobre o documentário acerca do ex-agente do FSB que entrando em rota de colisão com o regime de Putin por denunciar a corrupção e o carácter criminoso do regime russo, acaba por se exilar em Londres, onde é morto por envenenamento.
O primeiro é a dimensão dostoeiveskiana da personalidade de Litvinenko, um desses homens que, mesmo nas piores circunstâncias e sob as maiores ameaças, não se resignam à injustiça e por isso justificam o projecto de uma vida humana decente, apesar de todas as misérias e defeitos da nossa espécie. Um aspecto apenas aflorado no filme é o da sua conversão religiosa do cristianismo ortodoxo ao islamismo. A partir da informação fragmentada surgiu-me a hipótese de essa conversão ser motivada pela exigência de fundamentar a moral numa fé transcendente e absoluta, dando sentido à dissidência ética no contexto da indiferença geral e de uma eminente ameaça de morte. A conversão ao islamismo é a conversão à religião do inimigo tchecheno. A sua participação na guerra levou-o a tomar consciência da corrupção no exército russo – há oficiais que vendem armas ou alugam soldados ao inimigo, há violências injustificadas, há a suspeita de que os incidentes que justificaram a guerra, os atentados a civis moscovitas em 1999 podem ter sido manipulados pelo FSB, o serviço secreto russo. E o inimigo, mais fraco do ponto de vista militar, mostra uma moral mais sólida. Litvinenko mostra como ficou impressionado ao interrogar um guerrilheiro tchecheno, de 17 anos, a quem perguntou por que é que combatia e respondeu: «Odeio esta guerra. Mas todos os colegas da minha turma combatem». E Litvinenko encontra um paralelismo entre esta situação e as histórias que ouviu da resistência russa aos alemães nazis durante a II Grande Guerra.
Outro ponto que não vi comentado é a entrevista de Andrei Nekrasov a André Gluksmann. O filósofo francês compara a complacência europeia face a Putin com a reacção europeia face a Hitler. O Führer foi o produto de uma minoria militante – os nazis – e a indiferença não só dos alemães, mas de todos os europeus. Eu penso que a comparação podia ir mais longe. A complacência europeia face à emergência do nazismo pode explicar-se em parte pela sua má consciência em relação às injustas condições impostas pelo Tratado de Versalhes ao povo alemão. O fim da Guerra Fria e o desmantelamento da URSS foi visto com uma satisfação mesquinha por europeus e norte-americanos. Muito do dinheiro canalizado para gastos militares que deixaram de fazer sentido após o fim do Bloco de Leste podia ter sido empregue na recuperação económica dos países ex-soviéticos, um pouco à semelhança do Plano Marshall para a Europa Ocidental após o fim da II Grande Guerra. Em vez disso, proclamou-se arrogantemente o «fim da História» e gozou-se o espectáculo, com alguma curiosidade mórbida, da implosão das estruturas de poder da URSS, das ascensão do crime organizado, dos delírios etílicos de Yeltsin, do embaraço russo com o afundamento do submarino Kursk. A má consciência norte-americana e europeia, combinada com o ressentimento russo em relação ao período pós-soviético, criaram um clima de condescendência face a um Putin que, atropelando liberdades fundamentais, devolvia prestígio às instituições russas e poder de compra aos cidadãos russos. Estamos agora na fase em que a condescendência é substituída pela inquietação alimentada pelo temor. Ou pela indignação impotente senão hipócrita quando vinda dos apoiantes de uma administração norte-americana com uma política externa devastadora para os direitos humanos, sem sequer ter a atenuante, como a Rússia, de um passado autocrático.
O último ponto, o mais apaixonante de um ponto de vista da ciência política e da História, é a continuidade que o documentário estabelece entre o KGB e o FSB. Entre as duas instituições dos serviços secretos a continuidade reside na ideologia nacionalista e nos métodos. Mas também sugere-se, na formação e recrutamento das elites que governam a Rússia. Putin formou-se no FSB, como Andropov no KGB. Mesmo Gorbatchov, que pretendia reformar o socialismo soviético, surge na vida pública pela mão de Andropov. Estas hipóteses, a serem verificadas e fundamentadas, desafiam radicalmente as teses marxistas que serviram de fundamento ao Estado soviético e segundo as quais as relações de produção determinam, «em última instância», as superstruturas. Pelo contrário, no contexto de uma profunda transformação económica e social, é o KGB continuando sob um novo nome, o FSB, a fomentar uma reestruturação de toda a sociedade a partir de cima. É a nomenklatura, com todos os seus pseudónimos, e as suas armas, o medo e a intimidação, que determinam, «em última instância», o que acontece na Rússia.



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quarta-feira, outubro 24, 2007

No espírito da primeira Lilibeth


Diz o Bruno:

"Nomeadamente, resta saber se o bom povo britânico não virá entretanto tentar impor a sua vontade ao resto da Europa, descarrilando tudo mais uma vez."

Já os livres e leais portugueses contam com os Britânicos para continuarem a fazer descarrilar os bons e bem intencionados planos dos que nos querem meter de novo em "invencíveis armadas" (metendo-nos com as potências continentais em guerras "civilizadas" da pólvora e da manteiga que não são nossas).

(Quanto à imagem, é uma sugestão de inspiração, para que não voltemos a estar do lado errado da História.)

sábado, outubro 20, 2007

O Jovem Historiador e ainda as Guerras da Descolonização

Parece que é oficial, que o jovem historiador de que se falava aqui e aqui é realmente jovem e é realmente bom: ganhou o prémio de melhor trabalho por um jovem historiador da Fundação Mário Soares. Muitos parabéns ao Pedro Aires Oliveira e muitos parabéns também ao jovens de Portugal em geral. Parece que já não temos só tunas, e que até se vai fazendo uma história (jovem?) da descolonização portuguesa.

Quanto à série de Joaquim Furtado, A Guerra cumpriu o seu objectivo: juntar testemunhos nunca vistos. Nesse aspecto é mesmo notável. Continua a não ter análise histórica. Mas os historiadores que estão actualmente a trabalhar sobre o assunto (como eu) têm muitas razões para lhe ficarem gratos. E seria até bom que os muitos testemunhos recolhidos - de que certamente só uma pequena parte sobreviveu à montagem na série - fossem preservados e disponibilizados aos investigadoress (depois da série acabar, claro). Talvez se a RTP não se interessar pelo assunto, a Fundação Mário Soares pudesse pegar nesta arca de memórias.

O que dizer de mais particular sobre o primeiro episódio? Temos o espetáculo do terror racista da UPA contra portugueses e todos os negros não-bacongos em todo o seu esplendor. Porquê? Dizem os veteranos da UPA porque no colonialismo todos eram inimigos: os portugueses e os amigos dos portugueses, os homens, as mulheres e as crianças. Talvez. Ou talvez a UPA só tivesse mudado de nome (de UPNA - União dos Povos do Norte de Angola), mas continuasse a ser realmente um movimento tribal bacongo, como se veria nas suas divisões posteriores.

Uma outra pista essencial é dada por Holden Roberto: o seu grande inspirador foi Franz Fanon, que até visitou a região para o aconselhar. Fanon defendia o terror racial, a violência contra os brancos é a única forma dos negros se libertarem realmente de séculos de subordinação e de qualquer complexo de inferioridade.

Este documentário torna portanto mais difícil pensar que o mesmo tipo de estratégia genocidária da UPA aconteceu numa explosão de anti-colonialismo espontâneo: as ordens mortíferas e o seu sentido são citadas a partir de documentos da época.

Quanto às queixas de faltas de tropas nas colónias, de faltas de pistas, de faltas de previsão dos acontecimentos apesar de anunciados por ameaças e avisos vários, de falta de preparação em que os testemunhos insistem sempre, mostram as fragilidades da aposta apenas no testemunho. Esse tipo de queixas são típicas destes conflitos (e algumas - a falta de meios - são típicas de todos os conflitos armads). A dificuldade em saber em que rumores acreditar, idem. Esta frágil ocupação é típica de todas as colónias europeias em África.

O que é atípico é que em alguns anos, a partir do final dos anos 50, e apesar da resistência (aliás também típicas neste tipo de situações) de muitas chefias militares convencionais, Salazar tinha garantido que havia muito mais tropas, algumas com preparação específica para este tipo de guerra, melhor armadas, e mais pistas de aviação do que alguma vez tinham existido na histórica colonial portuguesa. E se não havia mais era porque não se podia mobilizar o país da mesma forma sem haver guerra, e, sobretudo porque faltou disponibilidade dos nossos aliados tradicionais, EUA e Grã-Bretanha, para responderem aos pedidos de ajuda em meios militares e até em encomendas comerciais feitas por Portugal nestes anos. Suprema ironia é que nesse esforço Costa Gomes desempenhou um papel fundamental.
Veremos o que segue n'A Guerra e se consegue a difícil tarefa de manter algum equilíbrio e rigor numa narração dependente de testemunhos.

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Porreiro, Pá!

Suponho que Medina Carreira aprovaria o discurso não ensaiado, verdadeiro portanto. (E eu a pensar que o mal do país era o improviso!) "Porreiro, Pá!" Eis as palavras históricas que marcam o desfecho feliz (até ver... mais vale mandar os foguetes já) de uma farsa. Uma farsa que começou num certo dia em Paris, que entretanto levou Sarkozy ao poder para resolver a confusão criada (como eu previ, na altura), e até agora pouco ou nada conseguiu mudar de essencial - felizmente - do Tratado Constitucional/Reformador. Há que respeitar a vontade democrática... dos 18 países que já tinham ratificado o Tratado Constitucional.
Entretanto, Pacheco Pereira e o Sun declararam o fim dos Estados nacionais. Mark Mardell, o correspondente da BBC em Bruxelas, comenta com propriedade que espera que os jornalistas políticos (por assim dizer) do tabelóide inglês sejam consequentes e troquem a decadente Londres pela "capital europeia". Pacheco Pereira certamente continuará por cá, visto que já conhece Bruxelas, a proclamar muito bem o finis patriae.
Mas se a decadência britânica me parece evidente - vejam como a diplomacia em tempos hábil de Londres anda a toque de caixa do quase centenário Mugabe. No entanto, sinto-me tentado a acreditar (afasta de mim esse pensamento único, pá!) que Portugal nunca teve tanto peso efectivo no coração Europa como hoje. (Ou pelo menos, não desde o tempo do santo padre João XXI!) Ilusões, dirão. Independência, independência - soberania mesmo face à Europa - era com Salazar. Tal seria, suponho, quando a tropa portuguesa andava a combar em África com camiões e metralhadoras alemãs e helicópteros franceses. Ou então talvez, logo depois, quando o pessoal revolucionário, que agora se reciclou em bloco, rebentou soberanamente com a economia de tal maneira que pôs o FMI a mandar cá em vez do BCE. Bons tempos, dirão! Talvez. E que tal fazer um referendinho sobre o assunto?
Claro que o tratado nasceu com problemas. Quem é que não os teria ao sair das mãos de parteiras tão ternas e dedicadas como Gordon Brown ou os gémeos polacos? Mas pelo menos dá alguns passos na direcção certa. Seria talvez melhor que fosse mais legível e mais democrático, mas isso dificilmente seria possível sem ser mais federal.
Os problemas, espero, serão corrigidos com o tempo. (Um que pode ser sério é haver chefes a mais: dois presidentes e um alto representante; outro, é que haver votações europeias de menos). Isto, claro, se houver tempo. Nomeadamente, resta saber se o bom povo britânico não virá entretanto tentar impor a sua vontade ao resto da Europa, descarrilando tudo mais uma vez.

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sexta-feira, outubro 19, 2007

Os Despojos da Aliança

quarta-feira, outubro 17, 2007

A Guerra

Concordo com o Fernando, a série documental "A Guerra" começou bem. As declarações de Joaquim Furtado tinham-me provocado alguma reticência - na linha do que, como o Bruno apontou, foi repetido por vários participantes no Prós&Contras, Furtado declarou ao CM que "apesar de já se terem passado quase 40 anos, [a guerra colonial/de libertação] nunca foi tratada e esclarecida como deveria", etc., etc., como se a antropologia e a historiografia ainda não tivessem pegado no assunto - por isso vi com atenção este primeiro episódio. Pareceu-me sobretudo bem sucedida a contextualização geográfica, a par e passo, do deflagrar do conflito: sem a percepção do território, do tipo de povoamento e etnias em presença, da economia da região e da sua comunicação com espaço envolvente, dificilmente se podem perspectivar as investidas da UPA e a resposta política e militar e portuguesas. Eu não tinha a exacta noção de que o povoamento daquela zona do norte de Angola era tão disperso e tão esparso, nem de que as forças portuguesas da região estavam tão pouco armadas, ou de que a UPA foi abastecida de material bélico por militares tunisinos pertencentes a um contingente da ONU. Achei surpreendente que populações tão próximas da fronteira, com algum contacto com o Congo, ouvissem boatos de insurgência independentista e nela fossem tão descrentes. Por último, a forma como os antigos membros da UPA falaram das investidas contra os colonos espantou-me. Vasco Lourenço [ora aqui está alguém que não me imaginava a citar] já o disse: ainda que nada inédita, a postura serena e desprendida de Holden Roberto, ao descrever a chacina que incentivou, reportando-se ao assassínio de mulheres e crianças como quem fala de uma acção de guerra legítima, é para mim difícil de inteligir.
Quanto a uma contextualização histórica mais alargada, talvez a sua omissão se explique por ter o autor desejado colocar o espectador no lugar de quem viveu os acontecimentos; ou talvez ela venha a acontecer a par e passo, ao longo dos próximos episódios. A ver vamos. Deste primeiro episódio gostei.

[embarque de tropas portuguesas: Wikimedia Commons]

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A educação sempre em questão

Ao iniciar uma (outra) aventura universitária, constatei que o panorama da educação permanece, no seu conjunto, igual a si próprio. Quero com isto dizer que mesmo quando se deram modificações, elas guardaram um carácter pontual. As estruturas institucionais e metodológicas mantiveram-se, no seu essencial, imutáveis.
O sistema educativo está ainda fortemente dominado por uma espécie de selecção. O modelo escolar tradicional, com o seu cortejo de lições e deveres, exames e diplomas, eleitos e rejeitados, promoção dos mais brilhantes e marginalização dos menos dotados, permanece intocável, quaisquer que sejam os sistemas políticos ou os níveis de desenvolvimento social.
A educação é ainda o domínio da hierarquia, da divisão do saber e da uniformização dos modelos. Em vez de serem as formas de educação a adaptarem-se ao estudante, tendo em conta as suas diferenças e particularidades, é o contrário que se produz, com resultados bem conhecidos.
Face a esta situação, que escolhas se apresentam àqueles que pretendem continuar a lutar por uma nova perspectiva de educação?

terça-feira, outubro 16, 2007

Lógica pura

Carlos Novais, prestando o habitual serviço público sobre o estado do dinheiro, fala claro sobre a teoria dos jogos aplicada ao sistema monetário.

Guerra Colonial/Guerras de África/Guerras de Libertação/Guerras de Descolonização - os "Jovens" e a História


Ultimamente a TV Pública anda muito preocupada com os jovens. Anda muito preocupada com a nossa educação, com o nosso conhecimento da história pátria. (E convidam, apropriadamente, o pessoal das tunas para ilustrar esses flagelos na juventude).

Tendo em conta o que foi dito no Prós e Contras - sempre muito interessante, infelizmente nem sempre pelas melhores razões - parece que há uns mais velhos a precisar de ler uns quantos historiadores (mais ou menos "jovens").

Aliás, o mais curioso foi que boa parte do programa foi ocupado a discutir coisas sobre as Guerras da Descolonização Portuguesa que estes veteranos não sabiam por as terem testemunhado, mas sim por as terem lido em qualquer lado ou ouvido a alguém. Alguns até diziam, mas olhe que eu não sou historiador!
Podemos ficar descansados, no entanto, parece que a história no futuro irá pegar nisto... (E eu a pensar que, embora lentamente de início, já se faz cada vez mais história das guerras da descolonização há mais de uma década!)

Deixo só uns exemplos de coisas que escaparam... A ideia de que Salazar não sabia que ia haver guerras de guerrilha nas colónias portuguesas é completamente falsa: ele começou documentadamente a preocupar-se e a preparar-se para isso desde 1957. O exército português começou a combater em Angola 1961 mais preparado (ou pelo menos prevenido) para a guerra de guerrilha do que o exército britânico na Malásia ou no Quénia, para não falar do exército francês na Indochina e na Argélia. (Sendo que todos os exércitos convencionais têm muitas dificuldades em adaptar-se a este tipo de combate não-convencional). Aliás quase sempre que se compara a descolonização ou a guerras com outros países sai asneira. A ideia de que Portugal vivia das colónias em 1974 ou em 1960 é mais um completo mito. O peso económico das colónias sempre foi marginal na economia portuguesa; ao contrário do das importações e exportações para a Europa Ocidental, que sempre foi central, como todas as estatísticas mostram.

Claro que os testemunhos têm muito interesse. E é com interesse que vou seguir a nova série de Joaquim Furtado que irá começar amanhã. Mas será pedir muito à RTP, que tanto diz que se preocupa com a história (e com os jovens), cuidar de ter pelo menos um historiador nestes programas? E nem precisava de ser jovem.

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domingo, outubro 14, 2007

Viajar...fuga ou valorização?

A época de férias mais uma vez apelou a longes terras. E o velho romeiro que existe em nós, ávido de novidade, impele-nos para o desconhecido; e aí vamos nós, por vários e curiosos caminhos, à procura do que nos chama. E chamam-nos as maravilhas da natureza, as grandes sociedades ou os pequenos lugarejos, perdidos aqui e além, pinceladas de épocas diferentes que o tempo se esqueceu de destruir e, sobretudo, chamam-nos os segredos de outros costumes, outras tradições, outras gentes.
Para muitos, viajar significa fugir à monotonia do quotidiano, libertar-se de peias, de jugos, de códigos de moral e de direito. Quebra-se a disciplina habitual e a personalidade reduz-se quase a um primarismo elementar de instintos e de reacções desordenadas. Para quase todos, viajar significa evadir-se de preocupações e de responsabilidades.
Se é certo que deve haver da parte de quem viaja uma adaptação ao modo de viver e de pensar dos naturais da região de que se visita, essa adaptação não significa que se seja, por exemplo, totalmente francês entre os franceses ou cabo-verdeano entre os cabo-verdeanos. Dito de outro modo, se o nosso espírito tiver aquela maleabilidade que não compromete uma certa firmeza de princípios, o contacto com novas terras e novas gentes há-de produzir em nós um salutar choque psicológico. E esse choque faz-nos pensar que são poucos os instrumentos de cultura tão ricos como as viagens que só alargam e aprofundam a cultura na medida em que, em nós, se realiza um processo de amadurecimento das impressões recolhidas.

sexta-feira, outubro 12, 2007

O PNR e a banalidade do mal

Não escrevi nada sobre a profanação do cemitério israelita em Lisboa, em 25 de Setembro passado, por uma razão comezinha: nessa altura estava fora do país e com o acesso à Internet limitado. Quando voltei e li alguns comentários comecei a tomar consciência de outra dificuldade em comentar o assunto. Eu podia subscrever qualquer comentário crítico. Nada podia acrescentar ao que já estava escrito ou escrever que não fosse óbvio.
Foi preciso deixar passar alguns dias para ver confirmado o que no fundo já sabia: mesmo o óbvio pode ser ofuscado pela «banalidade do mal», na conhecida expressão de Hannah Arendt. Primeiro apareceram na blogosfera textos opinando que os ministros não apareceriam num «idêntico» acto de vandalismo num cemitério cristão. Agora é o cartaz do PNR no Marquês a dizer «Este sistema liberta pedófilos, violadores e assassinos mas persegue os nacionalistas». Entre os nacionalistas «perseguidos», convém lembrar, estão os vândalos do cemitério israelita, membros dos Hammerskins, dos quais Mário Machado é o líder em Portugal.
Um acto de vandalismo num cemitério, laico ou de qualquer confissão religiosa, é sempre grave. Mas para que um acto de vandalismo num cemitério cristão tivesse um significado «idêntico» ao praticado no cemitério israelita eram necessário reunir diversos factores que, apesar de óbvios, têm de ser enumerados: o cemitério devia encontrar-se num país maioritariamente não-cristão e com um passado de perseguição violenta a cristãos. Os vândalos deviam pertencer a movimentos que, num passado recente, tivessem assassinado membros de outras minorias. As campas seriam pinchadas com símbolos anti-cristãos. Não consigo imaginar nenhum que corresponda ao sentido da cruz suástica para os judeus. O mais aproximado seriam os leões do coliseu romano, do tempo em que faziam mártires cristãos. E mesmo assim a comparação é frouxa, porque só os eruditos é que percebiam o alcance do símbolo e os romanos nunca tiveram uma «solução final» para os cristãos, nem podiam ter, pois não se nasce cristão como se nasce judeu. Por fim, um partido legal desse país, poria um cartaz num dos lugares mais visíveis da capital, com uma mensagem ambígua, que podia ser interpretada como solidária com os vândalos e acusando os Governo de persegui-los.
O cartaz do Marquês de Pombal devia ser retirado, no mínimo, por atentado ao pudor.

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quarta-feira, outubro 10, 2007

Almanaque do Povo

Impressionante: que ao fim de tanto tempo o projecto Post Secret mantenha o mesmo vigor, a mesma urgência.

Os Incorrigíveis:
Devo ter sido das últimas a chegar à página da parceria Sapo/Produções Fictícias. As algumas crónicas que pude ver chegavam para recomendar a visita, mas esta rábula em particular, sacana de cómica a tantos níveis, vale a própria iniciativa.

A vida após: Nuno Costa Santos reenblogou!

Os olhos dos outros: O Diário de Blindness, que está a ser mantido por Fernando Meirelles enquanto decorrem as filmagens da adaptação cinematográfica do Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago, vai sendo paulatinamente actualizado pelo realizador. Isto sim, é um making of.

[almanaque -à venda e tudo - aqui]

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quarta-feira, outubro 03, 2007

Lisboa vista de Roma

Foi uma sensação estranha almoçar em Roma, na Via del Governo Vechio, com dois historiadores, um canadiano de origem espanhola e outro francês filho de britânicos, e ouvir, num português com sotaque, constantes elogios a Portugal e Lisboa. Aqui ficam alguns fragmentos da conversa:
- Já deves estar com saudades de Lisboa. Eu gosto de Roma por causa dos monumentos, da História, mas não gostava de cá viver. Felizmente vou mudar-me para Lisboa em breve.
- Só quando saí de França é que percebi que os franceses têm a mania de que o café deles é magnífico, mas não vale nada. O café é horrível em França e Espanha. Só em Itália e Portugal é que vale a pena. Mesmo assim, em Portugal é mais barato. Em Roma um café na zona histórica são oitenta cêntimos e fora da zona histórica 65 cêntimos.
- E os transportes públicos de Lisboa?
- Óptimos. Muito limpos e fecham tarde.
- Em Roma há uma estação que fecha às 21 e 30. Quando me disseram pensava que estavam a gozar comigo.
- E o cinema? Farto-me de ver cinema em Lisboa. Na cinemateca e nos cinemas comerciais.
- Sim, em Londres ir ao cinema fica em 10 ou 15 libras. É proibitivo. Só uma pequena elite é que tem acesso à cultura.
- Em Portugal nota-se sempre um esforço para levar a cultura ao povo. No Reino Unido estão-se nas tintas.

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A novela global

Durante duas semanas em Roma privado de jornais portugueses, a informação acerca do meu país só me chegava através da novela global dos MacCann. Foi possível saber notícias no El País, recapitular a história na Time, ser interpelado pela manchete do Daily Express anunciando uma reviravolta da história, retomar o fio da meada no El País. A imprensa espanhola pareceu-me equilibrada no tratamento do caso; os tablóides britânicos ofensivos para Portugal; os norte-americanos influenciados pelos britânicos.
É impressionante que uma revista de qualidade como a Time acuse, na edição de 24 de Setembro, a polícia portuguesa de não revistar a saída de carros de Portugal (p. 36), variante soft da grave acusação de não ter fechado as fronteiras. Alguém devia explicar a estes senhores que, segunda a lei europeia – não portuguesa, europeia – as fronteiras não podem ser fechadas a não ser em casos excepcionais como ameaça terrorista ou de epidemia. E que se trata de uma lei racional, pois todos anos devem desaparecer centenas ou milhares de crianças na União Europeia. Se este critério fosse levado a sério as fronteiras estavam quase sempre fechadas. Mesmo que a fronteira fosse encerrada, a medida seria inútil, pois a Praia da Luz encontra-se a duas horas da fronteira e os MacCann avisaram a polícia portuguesa cinco horas após o desaparecimento de Madeleine, tendo telefonado primeiro à Sky News.
A 26 de Setembro a manchete do Daily Express foi que a fotografia de «uma menina loura muito assustada levada por um “gang” (sic) de marroquinos» estava a ser investigada pela polícia. Toda a história era rebobinada, mostrando como era evidente que Maddie estava viva em Marrocos e só não fora descoberta antes por causa da burrice e má-vontade da polícia portuguesa. Tratava-se já da quarta vez que Maddie era avistada em Marrocos. As duas primeiras aconteceram logo em 9 de Maio. No entanto, a polícia portuguesa não investigara devidamente nenhuma das pistas, deixando os McCanns «furiosos». O desfecho do episódio «Maddie em Marrocos» foi-me contado já em Portugal: um batalhão de polícias e jornalistas invadiu uma aldeia de berberes onde Maddie estaria sequestrada para descobrir que a «menina loura assustada» era berbere e o «gang» a sua família.
Até agora, só vi má-vontade na imprensa britânica. A polícia portuguesa pode ter cometido alguns erros e gerido pessimamente a relação com os jornalistas, mas está a consumir uma enormidade de recursos humanos, tempo e dinheiro com um caso que, como aliás reconhecia a Time, no mínimo foi causado por negligência dos pais. Confesso: em toda esta novela a vez em que me senti mais incomodado foi quando vi na televisão a revolta da mãe de uma criança desaparecida. Indignava-se porque a polícia não tinha feito para encontrar o filho dela um centésimo do que fazia para encontrar a Maddie. Quantos casos estão a ser menos investigados para que se investigue mais o caso de Madeleine?
Acerca do alegado envolvimento dos pais no desaparecimento de Maddie, não tenho nenhuma teoria. Constato é que fazem demasiadas acusações à polícia portuguesa para quem reivindica o estatuto de inocência até prova em contrário. Chegaram mesmo a desafiar a polícia portuguesa a provar que tinham morto Madeleine, quando são suspeitos de ocultação de cadáver, não de homicídio. Esta psicologia manipuladora, se não prova nada, chega para justificar a minha antipatia pelos MacCann.

PS Tinha pensado escrever este post há uma semana. A notícia da demissão de Gonçalo Amaral, o inspector do caso Madeleine, não me leva a alterar uma linha do que escrevi.

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O Inspector Sacrificado e o Diplomata Ausente


As declarações mal-avisadas de um inspector da Polícia Judiciária, responsável pela investigação do caso do desaparecimento de Madeleine McCann, são apenas mais um episódio do completo falhanço do governo em responder com uma estratégia de comunicação clara a esta crise.

Gastam-se milhões a promover o Allgarve. (Eu sei, o desastre vinha-se anunciando de longe). Mas depois a diplomacia pública portuguesa é inexistente. E não teria que violar nenhum segredo da justiça, tantos são os buracos na forma primária como os órgãos de comunicação social inglesa geralmente tem tratado do caso. A imprensa britânica ataca a justiça e a polícia portuguesa com mais impunidade do que o faz em relação a qualquer república das bananas responsável pelas piores atrocidades de Estado.
Pode ser que tudo passe. Mas duvido que não deixe alguma mácula. E afinal Portugal até é segundo a britânica Economist (cito de memória, mas os nossos diplomatas devem ter o respectivo clipping) o quinto país mais seguro do mundo (e os melhores qualificados não têm muito sol). E afinal até parece que a alta tecnologia canina britânica é altamente falível, especialmente quando o seu olfacto aponta para o casal... britânico. Uma história muito triste a todos os níveis.

Imagem: Sir Joshua Reynolds, George Selwyn [and his dog] in http://www.tate.org.uk/

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segunda-feira, outubro 01, 2007

Pedido de desculpas

O Paulo Pinto Mascarenhas apresentou objecções válidas à forma como me referi à revista "Atlântico", pelo que lhe apresentei a ele e aos outros colaboradores da revista (que não o senhor Henrique Raposo) o meu pedido de desculpas - ver aqui.

Os "sensatos" herdeiros do Sr Callaghan


A partir de 1976 e até às eleições gerais de 1979, Margaret Thatcher enfrentou James Callaghan, o "moderado" e "sensato" primeiro-ministro trabalhista, um Blair mais maduro antes de Blair, que a atacava insistentemente como alguém que tinha "o discurso mais ideológico neste País desde o pós-guerra". Para Callaghan, que mereceu no obituário do "Spectator" o apelido de "verdadeiro Tory", Thatcher era uma sectária do mercado livre, uma política inexperiente apenas com ideias (aliás, bastante perigosas) na cabeça. Como Thatcher lembrou nas suas memórias em "The Downing Street Years", os ataques de Callaghan replicavam aqueles que lhe eram feitos dentro do seu próprio partido por toda a "velha guarda" conservadora, apostada no modelo corporativista das decisões a três - governo/TUC (sindicatos)/CBI ("empresários"). Foi esta coligação de interesses da "esquerda" e da "direita" sociais-democratas que ela teve de enfrentar até conseguir uma vitória mais folgada em 1983. Aqueles que hoje falam em nome do conservadorismo do bom senso, do realismo e da moderação contra Ron Paul são os mesmos que teriam em 1979-1981 estado contra o programa ideológico liberal de Reagan e de Thatcher e que hoje, com uma desfaçatez do tamanho do mundo, se reclamam destes dois liberais contra Ron Paul. De quem a direita "liberal" é herdeira é do Sr. James Callaghan (que descanse em paz).

Actualização: Pára tudo! Afinal, sou um marxista-liberal! Não um perigoso evangélico nem uma "freira ao quadrado". Da mesma fonte criadora do islamo-fascismo, mais uma inovação tão bem-vinda à Ciência Política!

Da "Atlântico", o "charme" nojento da direita "liberal"

O desrespeito profundo que tenho pela autoproclamada "direita liberal", por aqueles que usam o liberalismo para propósitos mesquinhos de baixa política e que tentaram impingir aos liberais a ideia de que "o liberalismo tem de passar pela direita", tornou-se ainda maior depois de ler este naco de prosa nojenta. Trata-se de um senhor, analfabeto em questões de liberalismo, que consegue fazer no mesmo texto, além do enésimo ataque ad hominem a Ron Paul (perante um liberal sério e consequente, qualquer político estatista serve a um estatista desde que se esbarre o caminho ao liberal), menções profundamente injuriosas a católicos e protestantes - e tudo num tom de vão de escada que denuncia provavelmente a personalidade que temos pela frente e os meios em que se move. Não me tinha enganado em dizer, há uns tempos, que os liberais andavam muito equivocados se pensavam que dos lados da "Atlântico" vinha alguma coisa saudável.

Nogueira Pinto condenada na CML

Maria José Nogueira Pinto foi condenada a 25 de Setembro passado, na assembleia municipal de Lisboa, por causa da sua proposta da criação de uma «Chinatown» no Martim Moniz. Regressado a Portugal após duas semanas de ausência, congratulo-me por as notícias de política nacional não se limitarem à reabilitação de Santana Lopes como «reserva moral» e às guerras intestinas do PSD.
A condenação foi proposta numa moção apresentada pelo BE, tendo em conta as declarações proferidas e que Maria José Nogueira Pinto era falada como possível escolha da CML para comissária do projecto de revitalização da Baixa-Chiado. A moção recebeu votos favoráveis do PS, dos Verdes, do PCP, do BE e do CDS/PP. No PSD houve votos contra e abstenções. O texto dos dois pontos aprovados é o seguinte:
«1. Condenar as referidas declarações e rejeitar aos propostas avançadas pela Dr.ª Maria José Nogueira Pinto, por serem contrárias ao Princípio da Igualdade e da não discriminação em função da etnia ou território de origem, e sugerirem a violação de direitos fundamentais;
2. Recomendar ao executivo municipal que, no processo de nomeação para cargos ou de órgãos de responsabilidade público, seja exigido aos seus titulares um claro compromisso de salvaguarda do Princípio da Igualdade enquanto valor fundamental da nossa democracia.»
Apesar dos problemas decorrentes da fragmentação partidária e da dificuldade em criar alianças na Câmara Municipal de Lisboa, é possível salvaguardar os princípios de um Estado democrático, evitando que a vontade dos eleitores e direitos fundamentais sejam distorcidos por jogos de bastidores e personalidades influentes. Assim continue a ser.




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