terça-feira, janeiro 30, 2007

Professor único?

Ainda não se encontram definidos os contornos da proposta que se está a forjar de dotar os alunos portugueses de um professor único no 2.º Ciclo, ou seja, nos actuais 5.º e 6.º anos. A história chegou-me aos ouvidos por via de uma conhecida que se quer fazer professora profissional. Na história que me foi contada, a ideia era não «traumatizar as crianças» vindas da instrução primária com a passagem abrupta de um para vários professores no ciclo preparatório. Haveria apenas um único professor para acompanhar as crianças durante seis anos.
A única notícia que descobri na Internet sobre o assunto, foi esta, na TSFonline. Trata-se de uma versão mais soft da história ouvida, mas não completamente esclarecedora: no 2.º Ciclo (5.º e 6.º anos) passaria a haver um professor-tutor responsável pelo ensino de Português, Matemática, Ciências da Natureza, História, Geografia de Portugal. Um dirigente da Fenprof, Francisco Almeida (o qual, apesar do apelido, não é da minha família), já criticou o projecto afirmando ser «impossível um único docente preparar tantas áreas».
A crítica à exigência de preparação do docente-tutor parece-me pertinente. Na discussão que tive com outras pessoas acerca do assunto, outras desvantagens do sistema vieram à baila. Todos nós sabemos como nessas tenras idades a aprendizagem é inseparável da relação que se estabelece com o professor. Quantas vezes um aluno, mesmo inconscientemente, é classificado como mau por um professor numa determinada disciplina e, quando muda de professor, passa a ser bom? Ou quantos alunos têm resultados muitíssimos desiguais em diferentes disciplinas? Se um aluno, de dez ou onze anos, embirrar com um professor-tutor, ou vice-versa, os resultados serão desastrosos. Mas, pelo contrário, se um aluno adorar o seu professor-tutor, a brusca passagem de um professor para dez, aos treze anos, não será menos traumática do que a actual chegada ao 2.º Ciclo.
Falando pela minha experiência, eu senti, nesse súbito acréscimo de professores ao chegar ao «ciclo preparatório» a sinalização de um grau de maturidade. Já não era criança como na instrução primária e gostei de me sentir mais adulto. E quer-me parecer que, actualmente, os miúdos de dez, onze anos, já são mais adolescentes do que crianças graças aos ipods, à Internet, aos telemóveis, à televisão por cabo e outras parafernálias que não existiam nos «meus tempos» de pré-adolescente.
Até mais ver, o «eduquês» que prepara a aceitação do professor-tutor, esconde uma abordagem «simplex» das questões de ensino não descortinando grandes diferenças entre «professor único» e «cartão único» com funções integradas. Talvez a curto prazo o professor único saia mais barato, mas, a longo prazo, também e principalmente na educação, o barato sai caro.

Telefonia Sem Fios?

A TSF resolveu perguntar ao povo se a Igreja Católica podia participar directamente na campanha sobre o aborto. O que me suscita algumas dúvidas. A primeira é saber qual Igreja Católica: os bispos, os padres, os leigos? Depois "directamente" significa o quê? Que os entrevistadores queriam ter muitas respostas negativos? Mas estou curioso para ver o seguimento, a certamente imparcial TSF não deixará, com certeza, de perguntar a seguir se a Maçonaria pode participar directamente na campanha, ou o Islão, ou o PS, o PCP, o BE e o PSD. Talvez ande realmente a faltar qualquer coisa à TSF.

domingo, janeiro 28, 2007

Contexto e perspectiva

Enquanto boa parte da “blogosfera” portuguesa que conta discute com cada vez menor lucidez e interesse (sofisticação quase nunca houve) o "referendo ao aborto", deixando aqui ou ali espaço para a escala dos "voos da CIA" em território pátrio e uma ou outra questão política menor (das investigações na CML à imparável veia reformista do governo Sócrates), gostaria de deixar aqui uma ligação para este artigo publicado no latimes.com da autoria de David A. Bell. Bell contextualiza e perspectiva a guerra norte-americana ao terrorismo depois do 11 de Setembro de 2001. Não agradará a sua análise nem a “liberais” nem a “conservadores.” Nem sequer sei se tem razão. Mas como Bell se dá ao trabalho de contextualizar e perspectivar, devemos reconhecer-lhe o mérito num universo de comentários e de comentadores neste mundo que dificilmente conseguem ir para além do óbvio.

sábado, janeiro 27, 2007

Os melhores

Ontem os jornalistas perguntaram ao engenheiro Lino das Obras Públicas se este preferia que o novo aeroporto da Ota – depois da privatização da ANA, que deverá decorrer no segundo semestre de 2007, e do concurso do costume –, fosse parar a mãos portuguesas ou estrangeiras. Sem se intimidar mas com olhar lacrimejante, o ministro disse, não dando propriamente uma resposta, qualquer coisa como: “os senhores imaginam quem é que eu preferia que ganhasse!” Como não é parolo, nem patrioteiro, nem, tão pouco, estava a fazer um exercício de demagogia, penso que o engenheiro Lino quis dizer que gostava que ganhassem os melhores. Nem me passa pela cabeça que a sua “não resposta” pudesse querer dizer outra coisa.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

O nosso homem em Brasília

Recebi por e-mail esta nota sobre Portugal escrita por Políbio Braga, um jornalista gaúcho, e a resposta dada pelo embaixador português. Foi-me enviada pela minha colega e amiga Filomena Barros. Se a história é verdadeira, e independentemente das razões que assistem a jornalista e diplomata, o nosso embaixador em Brasília parece justificar o salário que aufere. Quanto ao resto os dois textos valem por si. Aqui vão:
Políbio Braga: "Portugal não merece ser visitada [sic] e os portugueses não merecem nosso reconhecimento Há apenas uma semana, em apenas quatro anos, o editor desta página visitou pela quinta vez Lisboa, arrependendo-se pela quarta vez de ter feito isto. Portugal não merece ser visitada e os portugueses não merecem nosso reconhecimento. É como visitar a casa de um parente malquisto, invejoso e mal educado. Na sexta e no sábado, dias 24 e 25, Portugal submergiu diante de um dilúvio e mais uma vez mostrou suas mazelas. O País real ficou diante de todos. Portugal é bonito por fora e podre por dentro. O dinheiro que a União Européia alcançou generosamente para que os portugueses saíssem do buraco e alcançassem seus sócios, foi desperdiçado em obras desnecessárias ou suntuosas. Hoje, existe obra demais e dinheiro de menos. O pior de tudo é que foi essa gente que descobriu e colonizou o Brasil. É impossível saber se o pior para os brasileiros foi a herança maldita portuguesa ou a herança maldita católica. Talvez as duas ."
Esta Nota mereceu a seguinte resposta do embaixador português:
"Brasília, 8 de Dezembro de 2006
Senhor Políbio Braga,
Um cidadão brasileiro, que faz o favor de ser meu amigo, teve a gentileza de me dar a conhecer uma nota que publicou no seu site, na qual comentava aspectos relativos à sua mais recente visita a Portugal. Trata-se de um texto muito interessante, pelo facto de nele ter a apreciável franqueza de afirmar, com todas as letras, o que pensa de Portugal e dos portugueses. O modo elegante como o faz confere-lhe, aliás, uma singular dignidade literária e até estilística. Mas porque se limita apenas a uma abordagem em linhas muito breves, embora densas e ricas de pensamento, tenho que confessar-lhe que o seu texto fica-nos a saber a pouco. Seria muito curioso se pudesse vir a aprofundar, com maior detalhe, essa sua aberta acrimónia selectiva contra nós.
Por isso lhe pergunto: não tem intenção de nos brindar com um artigo mais longo, do género de ensaio didáctico, onde possa dar-se ao cuidado de explanar, com minúcia e profundidade, sobre o que entende ser a listagem de todas as nossas perfídias históricas, das nossas invejazinhas enraizadas, dos inumeráveis defeitos que a sua considerável experiência com a triste realidade lusa lhe deu oportunidade de decantar? Seria um texto onde, por exemplo, poderia deter-se numa temática que, como sabe, é comum a uma conhecida escola de pensamento, que julgo também partilhar: a de que nos caberá, pela imensidão dos tempos, a inapelável culpa histórica no que toca aos resquícios de corrupção, aos vícios de compadrio e nepotismo (veja-se, desde logo, a última parte da Carta de Pêro Vaz de Caminha), que aqui foram instilados, qual vírus crónico, para o qual, nem os cerca de dois séculos, que se sucederam ao regresso da maléfica Corte à fonte geográfica de todos os males, conseguiram ainda erradicar por completo.
Permita-me, contudo, uma perplexidade: porquê essa sua insistência e obcecação em visitar um país que tanto lhe desagrada? Pela quinta vez, num espaço de quatro anos ? Terá que reconhecer que parece haver algo de inexoravelmente masoquista nessa sua insistente peregrinação pela terra de um "parente malquisto, invejoso e mal educado". Ainda pensei que pudesse ser a Fé em Nossa Senhora de Fátima o motivo sentimental dessa rotina, como sabe comum a muitos cidadãos brasileiros, mas o final do seu texto, ao referir-se à "herança maldita católica", afasta tal hipótese e remete-o para outras eventuais devoções alternativas.
Gostava que soubesse que reconheço e aceito, em absoluto, o seu pleníssimo direito de pensar tão mal de nós, de rejeitar a "herança maldita portuguesa" (na qual, por acaso, se inscreve a Língua que utiliza). Com isso, pode crer, ajuda muito um país, que aliás concede ser "bonito por fora" (valha-nos isso !), a ter a oportunidade de olhar severamente para dentro de si próprio, através da arguta perspectiva crítica de um visitante crónico, quiçá relutante.
E porque razão lhe reconheço esse direito ? Porque, de forma egoísta, eu também quero usufruir da possibilidade de viajar, cada vez mais, pelo maravilhoso país que é o Brasil, de admirar esta terra, as suas gentes, na sua diversidade e na riqueza da sua cultura (de múltiplas origens, eu sei). Só que, ao contrário de si, eu tenho a sorte de gostar de andar por onde ando e você tem o lamentável azar de se passear com insistência (vá-se lá saber porquê!), pela triste terra dessa "gente que descobriu e colonizou o Brasil". Em má hora, claro!
Da próxima vez que se deslocar a Portugal (porque já vi que é um vício de que não se liberta) espero que possa usufruir de um tempo melhor, sem chuvas e sem um "dilúvio" como o que agora tanto o afectou. E, se acaso se constipou ou engripou com o clima, uma coisa quero desejar-lhe, com a maior sinceridade: cure-se !
Com a retribuída cordialidade do Francisco Seixas da Costa Embaixador de Portugal no Brasil"

quarta-feira, janeiro 24, 2007

O debate mensal.

O "tema" do "debate mensal" no Parlamento, tal como proposto pelo Governo, é: “alterações climáticas”. Seria melhor que este Governo, já que outros não quiseram, acabasse com as célebres e nojentas descargas que se repetem na Ribeira dos Milagres algures no distrito de Leiria. Como nada disto acontece, só me ocorre dizer que é isto que irrita na política portuguesa. Em vez de se discutirem e resolverem problemas concretos, pretende-se discutir e resolver aquilo para que uma sociedade pequena e relativamente atrasada como a nossa não está, nem pode estar, "vocacionada". Numa palavra, seria bem melhor que os poderes públicos portugueses se limitassem a fazer com que a lei se cumprisse. Os grandes temas mundiais como as "alterações climáticas", que hoje são uns e amanhã serão outros, que se deixem para os grandes países e para as grandes cabeças deste mundo.
P.S.: Acabo de ouvir, no início do debate, Sócrates pronunciar-se sobre aquilo que Portugal vai ser no futuro no domínio ambiental. Tão bom, em energias renováveis, como a Suécia e a Áustria. Alguém acredita? Também parece que, apesar da seca que aí vem (por causa das "alterações climáticas"), vamos apostar muito no aproveitamento de energia hídrica. Supõe-se que sem custos ambientais na construção de novas barragens. Isto enquanto o grupo parlamentar do PS aplaude freneticamente o "líder".

Campanha pelo Não


Curiosamente não dei por resposta ao mesmo nível do outro lado. E era fácil, até com exemplos mais recentes. Assim algo do tipo de que aquilo com que os partidários do «Sim» anticlericais primários realmente sonham é em transformar o Portugal de hoje, na China de... hoje: uma ditadura de ateus laicistas praticantes, com o aborto como política de Estado, e com prisõesinhas para padres católicos que saem da linha e tudo!
O António Figueira queixa-se da falta de elevação no debate? Diz o roto ao nu! Ou será o contrário?

terça-feira, janeiro 23, 2007

Inaugurações

[Corta-papel e lupa: Carl Fabergé & August Homming, c.1900]

Da primeira vez, mais ou menos há dez anos, não só achei graça como me senti privilegiada. Espanto-me, como me espantava então, cada vez que um livro - um clássico batido, um ensaio político de que tanta gente fala, não um incunábulo obscuro, reservado - desce à Sala de Leitura da Biblioteca Nacional com aquele sinal de nascença, o das páginas siamesas. E entre então e agora aprendi que ser eu a separá-las, a lê-las antes dos outros, não é giro, não é um privilégio e sobretudo, não é bom sinal. Tanto à espera de ser estudado, conhecido, ali.

Saloiada.

Uma intolerável e ilegítima intromissão de um país estrangeiro – mesmo que da União Europeia – na vida política portuguesa? Ou uma idiotice política praticada por uma parlamentar europeia eleita nas listas do Partido Socialista? Ainda assim, e mesmo que pouco, o “NÃO” agradece.
Por mim, e ao ler a notícia sobre esta evocação da autoridade moral e política do parlamento dinamarquês, autoridade esfuziantemente aproveitada por Edite Estrela, só posso concluir pelo seu provincianismo. O da Dra. Edite, está bem de ver, porque o dos nórdicos não me interessa. Conclusão: Edite Estrela virá de lá, da Europa, exactamente como para lá foi. Sem um átomo de “aculturação” naquele cérebro saloio. Mais um caso de desperdício de recursos pagos por nós e pela "Europa".

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Grandes Portugueses do Futuro & Etc


Ocorreu-me que os responsáveis do programa Os Grandes Portugueses poderiam, num espírito de verdadeiro serviço público, tomar algumas medidas para responder às críticas de que o programa tem sido alvo.

Acusações de ter incluído este e excluído aquele da «lista» de escolhas. Aqui nada a fazer. É impossível levar os portugueses a ler as instruções de qualquer programa, jogo ou máquina antes de o começar a usar e a queixar-se de que a coisa é estúpida e não funciona como devia ser.

Acusações de que este é um método estúpido, pouco objectivo, nada científico, de escolher um grande português. Colocar um anúncio em letras garrafais no início do programa com voz off - tipo Guerra das Estrelas - a dizer algo assim: «Atenção senhores telespectadores o que vai ver a seguir é um programa de TV, uma forma de entretenimento, uma distracção, e não uma coisa muito séria destinada a determinar por métodos científicos rigorosos qual foi o maior português de sempre.»
Acusações de que alguns Grandes Portugueses são maus, e que quase todos são homens. Fazer dois novos concursos: «As Grandes Portuguesas» e «Os Portugueses Mais Bonzinhos». Os dois programas poderiam ser fundidos num só se se chegasse à conclusão de que só houve boas mulheres na vida portuguesa.
Acusações de que os Grande Portugueses mostram que os portugueses de hoje estão muito voltados para o passado. Fazer um novo programa chamado «Os Grandes Portugueses do Futuro». Neste só poderão ser eleitos grandes portugueses que ainda não tenham nascido. Advinho a crítica destrutiva. Como é que isso se faz?! Proponho que se elabore uma lista de retratos robots. Aliás, a avaliar pela corrente taxa de natalidade, robot será provavelmente para levar à letra. Temo, no entanto, e tendo em vista os «jovens honorários» que o programa tem escolhido, que o robot vencedor vista capa e batina e toque numa tuna académica.
PS - É de justiça dar os meus parabéns a todos os membros do PCP, tirando aqueles dois que não votaram porque estavam indecisos entre a Catarina Eufémia, o Vasco Gonçalves e o Álvaro Cunhal. E a todos aqueles que promoveram a candidatura de Salazar como uma grande ameaça à estabilidade do regime democrático, dando assim um sinal claro a todo o voto de protesto: eis o vosso homem!

Domingo à tarde, na Tapadinha…

“Ao meu lado um antigo alcantarense diz-me sem eu lhe perguntar nada:«desfizeram as fábricas, fomos sendo empurrados para fora, moramos agora mais para o Cacém e Sintra.»”O melhor post de Domingo… nos Bichos Carpinteiros.

Caminhar ou cair?

Quando se caminha, mesmo “pela vida”, é preciso ponderar os resultados e ter cuidado com as companhias!

Eleições na Sérvia.

A luz que emana dos faróis instalados em Bruxelas e em Estrasburgo (ainda) não seduz uma boa parte dos eleitores sérvios. Será só o Kosovo? Importa conhecer a resposta, porque os sérvios são tão ou mais europeus do que muitos que estão na União Europeia e do que outros que há quem deseje meter dentro. Aliás, poucos são os povos europeus com um peso tão grande nos destinos do velho continente nos últimos 130 anos. E se quisermos ir mais atrás, os sérvios também lá estão. Orgulhosos na sua importância como povo de fronteira, como nos séculos XIII, XIV e XV ainda eram portugueses, castelhanos e aragoneses.

sábado, janeiro 20, 2007

O estômago de Madame Clinton.

Madame Clinton vai mesmo percorrer o calvário das primárias presidenciais norte-americanas pelo Partido Democrático. Esta tarde, na televisão, lá vi e ouvi aquele que parece ser o primeiro vídeo promocional de tão transcendente acontecimento. Entre vários desafios e propostas, lá disse que pretende uma maior intervenção do governo federal na vida dos americanos, desde logo gastando o dinheiro que não tem na salvação do tímido serviço nacional de saúde norte-americano e no sistema de segurança social. Como se não bastasse, e entre outras coisas, prometeu fazer com que a economia norte-americana deixe de depender de combustíveis fósseis importados (fala em “independência energética”). Duvido que qualquer uma das promessas possa ser cumprida. Mas ao menos naquilo que diz respeito à última, só vejo dois caminhos a fazer para tentar conseguir tal desiderato. Produção de mais e melhor energia nuclear e explorar de forma nunca vista, e menos ainda tentada, as reservas de petróleo e de gás natural enterradas no Alasca. Veremos o que é que os ecologistas de todo o mundo, a começar pelos "yankees", têm a dizer sobre o assunto. Até lá, então!
Adenda: Gostei muito de ver no dito vídeo promocional, por trás da candidata, dois livros metidos por baixo de um candeeiro de mesa e parte de um “Jardim de Inverno”, que vê através da porta da sala para o dito, em pior estado do que qualquer um daqueles que têm sido mostrados no Abrupto nas últimas semanas. Também tenho curiosidade em saber o que é que madame Clinton vai fazer com o seu marido, o inefável Bill. Aparecerá com ele, representando o papel de família feliz, e agradecendo – só pode ser isso – o privilégio de ter podido exibir, e continuar a exibir, diante da humanidade inteira um belíssimo par de cornos? De facto, nunca a dita humanidade tinha tido o privilégio de ver em simultâneo, e tantas vezes em directo, nesta aldeia global em que se transformou o mundo, tamanha humilhação de uma mulher tida como “moderna”, “inteligente” e “emancipada”. Outros e outras grandes do mundo, vivos ou mortos, que conheceram e conhecem esse mesmo tormento que me perdoem (curvo-me aqui, respeitosamente, diante da memória de Diana, princesa de Gales), mas os cornos e a humilhação de Hillary Clinton são únicos. O estômago… também!

Almanaque do Povo

Aprender com os mais velhos: Se há quem ache que toda a modernice é invenção de Belzebu, também há quem abrace a novidade sem preconceitos e com entusiasmo: a norte-americana Millie Garfield (81), o canadiano Don Crowdis (93), o sueco Alan Lööf (94), e a galega Maria Amelia (95) perfilham a segunda perspectiva, e não lhes falta que dizer. Mais que a vida longa, têm em comum um certo sentido de humor e uma desarmante frontalidade. A propósito, alguém sabe quem é o mais velho blogger português?

Destaque: para o colectivo Bem Pelo Contrário, adversativo desde Outubro de 2006.

Adufe, v. 4.0: para quem anda distraído, como nós, aqui fica a nova morada do Adufe.

Na Terra dos Cedros: como é possível ser desconhecido o paradeiro de Rute Monteiro há mais de três meses? Mais pormenores no blogue de Olavo Aragão. Seguiremos esta história com atenção.

Readiness is All [rosas para Meg]: Maria Elisa Guimarães já cá não está. Muitos de nós tiveram a felicidade de se cruzar com o seu espírito atento e caloroso, aqui pela rede. Vai com Deus, Meg. Outros votos e outras vozes, aqui e aqui, e não só.

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sexta-feira, janeiro 19, 2007

São Valentim para eles

Ainda mal acabou a quadra natalícia e já começamos a ser bombardeados pelas listas de prendas a oferecer no dia de São Valentim. Aqui está, só para aquecer (agora que uma vaga de frio está a assolar o hemisfério norte), uma lista, bastante monótona, de lembranças só para eles... Nada têm a ver com a proposta incluída na foto que ilustra este texto e que eu, com a maior das boas vontades, fui roubar à "praça da república."

Scoop

A novidade sensacional de Scoop é que Woody Allen faz de Scarlett Johansson a filha adoptiva de um pai babado. A personagem de Allen diz no filme que cresceu na crença judaica e se converteu ao narcisismo. Transformar Scarlett Johansson no duplo feminino de um velho jarreta é o cúmulo do narcisismo e uma porta de entrada na comédia de enganos, revelações, disfarces e citações que é o filme.
Scoop não é tão bom como Match Point, um dos melhores filmes do ano passado. Mas é em relação a ele que se constrói, por uma oposição simétrica: ao drama, sucede a comédia; ao crime praticado pelo «arrivista», o crime do aristocrata; ao ponto de vista do criminoso que consegue ludibriar a polícia, o ponto de vista dos investigadores que resolvem o enigma; enfim, à sorte do criminoso, o azar do criminoso.
Seria no entanto injusto, reduzir o papel de Scarlett Johansson ao de alter ego feminino de Woody Allen. A sua personagem evolui de uma versão desajeitada e intelectual da «loira burra» para desportista exímia e jornalista brilhante. A jovem jornalista vence como nunca me lembro de ter vencido uma personagem encarnada por Allen. E o velho cómico, que construiu toda a sua carreira cinematográfica representando personagens picarescas, sobreviventes a todas as vicissitudes, passa, neste filme, para um lado crepuscular, que, ainda não sendo a morte total, o afasta dos vivos.

Withdrawal is not an option

"The disenchantment of the American public with the burdens it has borne alone for nearly four years has generated growing demands for some form of unilateral withdrawal. But under present conditions, withdrawal is not an option.
American forces are indispensable. They are in Iraq not as a favor to its government or as a reward for its conduct. They are there as an expression of the American national interest to prevent the Iranian combination of imperialism and fundamentalist ideology from dominating a region on which the energy supplies of the industrial democracies depend.
An abrupt American departure will greatly complicate efforts to help stem the terrorist tide far beyond Iraq; fragile governments from Lebanon to the Gulf will be tempted into pre-emptive concessions. It might drive the sectarian conflict within Iraq to genocidal dimensions.
Graduated withdrawal would not ease these dangers until a different strategy is in place and shows some progress. For now, it would be treated both within Iraq and in the region as the forerunner of a total withdrawal. President Bush's decision should therefore be seen as the first step toward a new grand strategy relating power to diplomacy for the entire region, ideally on a nonpartisan basis.The purpose of the new strategy should be to demonstrate that America is determined to remain relevant to the outcome in the region; to adjust U.S. military deployments and numbers to emerging realities; and to provide the maneuvering room for a major diplomatic effort to stabilize the region.
[...]
Two levels of diplomatic effort are necessary:
The creation of a contact group, assembling neighboring countries whose interests are directly affected and which rely on American support. This group should include Turkey, Saudi Arabia, Egypt and Jordan. Its function should be to advise on ending the internal conflict and to create a united front against outside domination.
Parallel negotiations should be conducted with Syria and Iran, which now appear as adversaries, to give them an opportunity to participate in a peaceful regional order.
Both categories of consultations should lead to an international conference including all countries that will have to play a stabilizing role in the eventual outcome, specifically the permanent members of the UN Security Council as well as such countries as Indonesia, India and Pakistan.
"
Henry Kissinger, "Withdrawal is not an option" in International Herald Tribune, 18 de Janeiro de 2006 (via Bloguitica).

A Besta Negra

Depois de (aparentemente?) titubearem e muito (sinceramente?) pedirem publicamente desculpas após o atentado da ETA em Barajas, Zapatero, o PSOE e o Governo espanhol retomam fôlego e, com uma preciosa ajuda do Partido Nacionalista Vasco e de Ibarretxe (já para não falar nas condições impostas pelo PNV), voltam a insistir na necessidade de diálogo com a ETA para resolver a questão do terrorismo em Espanha e de outras que lhe estão ligadas. Sobre isto pouco ou nada há a dizer por agora. Talvez apenas que com tanta vontade de dialogar com a ETA e de o fazer a qualquer preço, esta opção política estará absolutamente inviabilizada quando vier a revelar-se realmente necessária, para não dizer imprescindível.
Mas para já, e de sublinhar, é o facto de que para o PSOE, e para a generalidade dos partidos políticos espanhóis, na política no país vizinho o Partido Popular (e a direita?) se ter transformado na verdadeira e única BESTA NEGRA. Está portanto posta em marcha uma estratégia que deseja marginalizar um partido naturalmente importante por aquilo que representa (e representará mais ainda) em número de votos mas, também, ideológica, social e politicamente em Espanha. Daí que seja evidente que para a generalidade dos partidos políticos espanhóis os seus objectivos e a sua estratégia passem, nesta altura, por liquidar a existência do Partido Popular (e não da ETA) ou, no mínimo, impor uma alteração substancial da natureza do Partido Popular (e não a da ETA). Em resumo, na questão do terrorismo, como na discussão em torno daquela que deve ser a nova estrutura do Estado espanhol, quem não pensar e agir como o PSOE e os seus “fellow travelers” tem que ficar com a coluna partida. Ou, pondo as coisas mais cruamente, os pesadelos quotidianos de Zapatero na Moncloa não têm a ETA como protagonista mas o Partido Popular. Partido Popular que Zapatero e muitos dos seus correligionários sempre viram e continuarão a ver como herdeira e continuadora do franquismo e, portanto, como a maior ameaça à Espanha e aos espanhóis e aquilo que interpretam como sendo a Democracia.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

"Os blogs são uma vergonha"

Via Da Literatura, apud Grande Loja do Queijo Limiano, leio que o Procurador-Geral da República, ao ser ouvido (no passado dia 16) pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias, na Assembleia da República, terá proferido, entre outras afirmações desabonatórias quanto a este meio de comunicação, a que titula o presente post. Terá o Procurador-Geral da República conhecimento de que o órgão representativo no qual produziu essas declarações também conjuga o verbo BlogAR?

quarta-feira, janeiro 17, 2007

O Bloco de Esquerda, o “vil metal” e o aborto.

Como seria de esperar, à medida que se aproxima a data do referendo sobre o aborto, o debate vai descendo de nível. Valha a verdade que nunca supus que pudesse nem devesse manter-se acima de uma qualquer linha imaginária de bom gosto e de bom senso. Depois de vários sacerdotes católicos terem dito e feito alguns disparates que só serve, para anunciar a inevitabilidade vitória do “SIM”, alguma esquerda tem andado entretida, pela mão dessa referência moral e intelectual que é S. Francisco Louçã, a acusar os movimentos a favor do “NÃO” de terem recursos financeiros de volume incomensurável e de origem duvidosa. Como não podia deixar de ser, trata-se de uma conversa não apenas absolutamente irrelevante, como estúpida e hipócrita. Irrelevante e estúpida porque sendo o dinheiro muito ou pouco, cada um faz campanha com a massa que tem e não com a que os outros gostariam que se tivesse. E é hipócrita porque ainda não foi dito de onde é que vem o dinheiro daqueles que apoiam o “SIM” e quanto é que já gastaram e prevêem gastar (e como não se sabe de onde é que vem os cidadãos portugueses só podem concluir que não pode ter coisa boa por trás...).
Mas a questão do dinheiro que Louçã evocou e na qual os seus seguidores ainda remexem e remexerão, denuncia afinal o facto de que para o Bloco de Esquerda a questão do aborto está transformada num problema político menor vista a previsível vitória do SIM. O Bloco vê mais além, como demonstraram as tristemente célebres declarações de Teixeira Lopes a propósito do apoio e participação de Rui Rio numa “plataforma” ou “iniciativa” do movimento pelo “SIM”. É pois para esta realidade que se deve olhar e não para outra. Ou seja, para o Bloco de Esquerda e para Louçã a liberalização do aborto é apenas um meio para atingir outros fins. Importaria perceber quais são e discuti-los. Talvez assim a previsibilidade de uma vitória do “SIM” pudesse ainda vir a ser posta em causa.

Shilpa Shetty

Shilpa Shetty, uma sex-symbol do cinema indiano de “Bollywwod” (como penso que se pode ver na foto que ilustra este texto), mas actriz de qualidade discutível, aceitou participar num Big Brother de "famosos" emitido pelo Channel Four no Reino Unido. O resultado mais aparente da sua participação tem sido o facto de provocar reacções racistas por parte dos restantes participantes no concurso. Alguns milhares de espectadores já fizeram sentir junto da estação o seu desgosto e indignação pelo racismo tão cruamente evidenciado. A questão também já foi levantada no Parlamento, membros do Governo já se pronunciaram e, durante a sua visita à Índia, Gordon Brown viu-se obrigado a condenar os verdugos racistas britânicos e a recordar a natureza tolerante da sociedade da britânica e da sua população.
De qualquer modo, e racismo à parte, chamo a atenção, através deste verbete no Telegraph on-line, para a forma como em “Bollywood” se faz uma carreira, ao mesmo tempo que concluo que o “racismo” do Big Brother não apenas muito contribuirá para a subida das suas audiências mas, sobretudo, para que a carreira de Shilpa Shetty dê finalmente o salto que lhe tem faltado desde que deixou de ser manequim para representar na Meca do cinema indiano. Ou seja, na União Indiana é tal-qualmente como no Ocidente. Ao contrário daquilo que pensam e dizem os racistas do Big Brother, Shilpa Shetty é exactamente como qualquer outra figura do star-system ocidental. Não há, portanto, e também aqui, guerra ou choque de civilizações. A Shilpa Shetty só falta um casamento de recurso com um qualquer Tom Cruise ou Hugh Grant a precisar, igualmente, de um pontapé no rabo para subir uns degraus na hierarquia do citado sistema.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Uma afirmação que é uma pergunta.

Ainda a propósito da gafe de Zapatero, quando designou como “acidente” o atentado da ETA em Barajas, o PSOE pede que se investigue quem fez a gravação daquelas declarações, uma vez que a “Conferência de Presidentes” se tratava de uma reunião no Senado à “porta fechada”. O presidente da região autónoma de Rioja, Pedro Sanz, respondeu afirmando: “lo importante no es quién lo grabara, sino lo que dijo el presidente.” Esta é, indiscutivelmente, uma interessante afirmação que encerra uma pergunta ainda melhor.

Os Dez Grandes Portugueses

O “concurso” da RTP intitulado – se bem me lembro – Os Grandes Portugueses, parece-me mais importante do que aquilo que às vezes se admite e independentemente dos resultados desta primeira fase que empurram para a final a 10 apenas quatro personalidades do século XX: Aristides de Sousa Mendes, Fernando Pessoa, Álvaro Cunhal e Oliveira Salazar (mas três deles nascidos no século XIX). Por um lado, o concurso permite ver de que forma uma pequena parte da sociedade (e da vida política) portuguesa se organiza para votar. Por outro, e naturalmente, o concurso é importante por causa das escolhas: as personagens mediáticas, e como era de esperar, dão cartas, ao mesmo tempo que se vê de que forma os mitos nacionalistas da história pátria, nascidos em finais do século XIX, preservados e acarinhados pelos republicanos e pelo salazarismo, mas combatidos sem dó nem piedade pelo marxismo, pelo estruturalismo e pelo pós-modernismo, sobrevivem. De Vasco da Gama a D. João II, passando pelos inevitáveis marquês de Pombal, Camões, infante D. Henrique e Afonso Henriques.
Mas o melhor está para vir. Os dez finalistas serão defendidos na RTP por gente que, espero muito sinceramente, esteja à altura do desafio. Consta que Jaime Nogueira Pinto irá argumentar a favor de Oliveira Salazar. Jaime Nogueira Pinto é um dos intelectuais portugueses mais interessantes e originais dos últimos trinta anos, mas com o qual é difícil estar de acordo e que tem má imagem – penso eu – junto de muitos telespectadores. Ainda assim, se os restantes 9 grandes portugueses tiverem a seu favor gente tão “consistente” como Jaime Nogueira Pinto, não duvido que teremos amanhã um interessante serão televisivo. Veremos!

domingo, janeiro 14, 2007

É preciso ter fé!

A Califórnia está a gelar como poucas vezes gelou nos últimos 50 anos. O aquecimento global tem destas coisas. É preciso ter fé!

Não se percebe.


No Portugal dos Pequeninos, João Gonçalves apresenta uma lista (naturalmente incompleta) de personagens óbvias que não ficaram entre 100 grandes maiores e melhores portugueses. Estou totalmente de acordo. São faltas imperdoáveis. Mas entre as mauitas ausências parece-me haver uma de tomo: a própria Maria Elisa. Porque será? Não se percebe.
Já agora aproveito para sublinhar a excelência de muitos dos comentários feitos por convidados e em voz-off sobre alguns dos eleitos. Autênticas pérolas foram, por exemplo, os elogios em "off" a Afonso Costa, as observações de Raquel Henriques da Silva sobre D. Carlos e os doutos comentários de João Soares (o autarca) sobre Bartolomeu Dias.

sábado, janeiro 13, 2007

O Amigo do Povo Faz Ano (sic)

Isso mesmo, este blogue inicia amanhã o seu segundo ano; não traçámos um programa, não nos obrigámos a nenhuma disciplina ou cadência particulares, não nos preocupámos em ocultar tensões internas nem afinidades externas. Aprendemos e divertimo-nos, e por isto vos agradeço, Bruno, Fernando, João e Luís. Oculi plus vident quam oculus.

[Imagem: 1º selo português, 1853]

sexta-feira, janeiro 12, 2007

“]…] vocês sabem do que é que eu estou a falar.”

Segundo a TSF, “O Sindicato Livre dos Pescadores considera que Cavaco Silva tem conhecimento sobre as razões que levaram a que o afundamento do navio «Bolama» não fosse investigado a fundo.
O presidente deste sindicato entende que não é normal ter aparecido apenas oito corpos das 30 pessoas que seguiam a bordo deste navio que se afundou há 15 anos e que o então primeiro-ministro deve saber porque o assunto não foi correctamente investigado. «É uma pergunta que deve ser feita ao Presidente da República, Cavaco Silva, porque na altura era primeiro-ministro e sabe de certeza absoluta o que aconteceu, a Fernando Nogueira, a António Vitorino, a António Guterres e a este Governo também», disse Joaquim Piló.
O presidente do Sindicato Livre dos Pescadores diz que a demissão do primeiro juiz deste caso por «razões familiares» e o seu aparecimento num alto cargo em Genebra é uma das perguntas que estão por responder.«Porque é que a juíza do DIAP deu como conclusão que o navio foi ao fundo por causas naturais, sem explicar que causas foram essas? Porque é que o Tribunal Marítimo vem depois dar como provado foi ao fundo por falta de estabilidade?», questionou.”
De facto, depois destas declarações, o naufrágio do Bolama transforma-se ainda mais num acontecimento misterioso e dramático. Não descartando a forte possibilidade de, também neste caso, o poder político ter ilegitimamente pressionado o poder judicial, a verdade é que estas acusações do presidente do sindicato fazem-me recordar uma expressão que ajudou a popularizar e a credibilizar um grande treinador de futebol português, Octávio Machado. A célebre “]…] vocês sabem do que é que eu estou a falar.” Porém, e como os comuns mortais como eu não sabem, nem imaginam, do que é que Joaquim Piló está a falar, como ninguém sabia ao que é que, em concreto, Octávio Machado se referia quando fazia as suas meias acusações sobre a corrupção no futebol lusitano, seria bom que o aparente porta-voz das vítimas fosse mais específico. Caso contrário, é melhor que se cale. E já agora o que é que o Sr. Presidente do Sindicato tem a dizer sobre as polícias e o Ministério Público que, aparentemente também, se mostraram incapazes de fazer uma investigação capaz cedendo, aparentemente, a pressões ilegítimas?

Snif, snif!

Ontem os partidários do “sim” à liberalização do aborto responderam aos partidários do “não”. Concretamente às afirmações destes segundo as quais a prática do aborto coloca as mulheres, clinicamente, numa situação de “stress pós traumático” (penso que foi esta a expressão usada). A resposta de especialistas partidários do “sim” foi no sentido não apenas de desqualificarem cientificamente aquela conclusão mas, também, de afirmarem que, segundo inúmeros estudos sérios sobre o assunto, um aborto provoca afinal numa mulher um misto de “alivio” e de “tristeza.”
Entre os partidários do “sim” presentes na sessão de esclarecimento encontrava-se a Dra. Maria Belo que quis reforçar a desdramatização dos efeitos psicológicos e psiquiátricos do aborto nas mulheres. Fê-lo afirmando que a “tristeza” e o “alívio” que todas as mulheres sentem ao praticarem um aborto se pode comparar ao do fim de um namoro. Ouvi estas interessantes palavras na telefonia do meu carro enquanto cruzava Montemor-o-Novo, a caminho de Lisboa. Como o aborto e o fim de um namoro são afinal a mesma coisa, até Vendas Novas tentei recordar-me do número de abortos que fiz nos últimos trinta e tal anos e de que não me tinha dado conta. Ainda foram uns quantos. Snif, snif!

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Patético

Numa conversa com o presidente de La Rioja, Zapatero classificou como “acidente” o atentado da ETA em Barajas. Parece que foi um lapso rapidamente corrigido. Mas como já é, tanto quanto se sabe, a segunda vez que Zapatero se refere ao “atentado” como um “acidente” – fora, portanto, as vezes que não são do domínio público –, até parecem ser verdadeiras as acusações produzidas pela ETA segundo as quais a culpa das duas mortes ocorridas foi, exclusivamente, do governo espanhol. Enquanto se aguarda que Zapatero o reconheça o que é que se pode acrescentar? Que Zapatero é ridículo? Talvez! Mas patético é certamente!

Almanaque do Povo

Datas: Mantendo-se o chove-não-molha-global quanto à proliferação de armas nucleares, cumprir-se-ão este mês onze anos sobre o último dos testes gauleses na Polinésia. Em Julho que vem, passarão vinte e dois sobre a infame opération Satanique, resultante na morte de Fernando Pereira, fotógrafo português-neerlandês. Os últimos desenvolvimentos sobre o caso continuam a dar que falar e escrever, em França e na Nova Zelândia.

Vai-Vem: Acabou O Vermelho e o Negro, de Filipe Guerra, umas das minhas mais recentes descobertas. Iniciou-se A Vida Breve, de Luís M. Jorge, e o Peão, de Cláudia Castelo, Daniel Melo, Daniel Lanero Táboas e Renato Carmo. A rolar há vários meses - como dizem os manos brazucas - estão o LX Repórter, de Miguel Marujo, e Timor + O Outro Lado do Mundo, de Ângela Carrascalão.

Séries que estou a seguir: Histórias de Algibeira, de João Távora; Dress Code, de Miss Pearls, e Esguichos de Besugo (à suivre em 2007, espero), pelo próprio.

Gregos & Troianos: O MyFlashFetish parece ter sido feito para agradar a vanguardistas e saudosistas: quem quiser, dispõe de widgets e mypods, quem não, sempre tem slides, cassetes e aparelhagens-tijolo.

Etiquetas:

Foi você que disse camiliano?


Parece haver quem se espante, amedontre, indigne com uma telenovela inspirada em Camilo Castelo Branco, por ter muitos brasileiros, ser perturbadora dos bons costumes e demasiado comercial (muito faca e alguidar, suponho). O que só me leva a concluir que há gente para quem a vida e obra de Camilo continua a ser uma noite escura.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Para o Iraque, rapidamente e em força...

Em força não diria, até porque não só continua a ser pouca tropa como estes 20 mil vão mais para preparar uma retirada que, aparentemente, se adivinha para breve (coisa de 12 a 18 meses). De qualquer modo a notícia do dia é: "Bush envia mais 21.500 militares para o Iraque ." Ver também aqui, aqui e aqui.

Vale a pena ler...

"A ETA mais uma vez... " de Helena Matos na "Blasfémia".

terça-feira, janeiro 09, 2007

Uma loucura!

Parece, como já previu o governo Sócrates, que a economia portuguesa vai mesmo crescer 1,8% em 2007. Vai-se ver e ainda cresce 2%! Uma maluqueira? Não. Uma loucura!

The show must go on!

No “Lisboa-Dakar”, e como era de esperar, lá morreu mais um “motard” (o sul-africano Emer Symons). Nos últimos anos tem sido assim (ou será que não tem sido sempre assim?). Apesar da “coisa” o espectáculo continua. Desta vez, a prestimosa organização não pensa fazer qualquer pausa ou coisa que o valha. Como deve ser. Estes gladiadores motorizados dos tempos modernos já sabem como é, já sabem ao que vão. E o povo, que adora, ora chora, ora ri e, claro está, aplaude!

Ana Maria Rios

Na foto Ana Maria Rios mostra ao fotógrafo, e aos espanhóis, que tem, e sempre teve, as suas mãos limpas.
Há coisa de quatro, cinco meses uma jovem galega, em lua-de-mel em Cancún com o seu também jovem marido, tornou-se estrela mediática em Espanha. Quando no aeroporto se preparava para embarcar de regresso à pátria, a “cabeleireira de Arcade” (Província de Pontevedra) foi acusada de tentar traficar droga nas suas bagagens. Ficou detida, tendo rapidamente sido remetida para a "cárcere" à espera de ser ouvida por um juiz.
Depois de muita angústia por toda a Espanha, na Galiza e, claro, em Arcade (vila do concelho de Soutomaior, com bons restaurantes com preços e decoração popular, localizada mesmo à beira da ria de Pontevedra), onde amigos e familiares garantiam a inocência da vítima, a coisa resolveu-se. Ana Maria Rios foi libertada, a conspiração desmascarada – parece que agentes da autoridade, como algumas vezes sucede no aeroporto de Cancún, lhe tinham colocado droga entre a bagagem com a intenção de lhe extorquirem uns dólares (?) – e, dias depois, recebida com alegria, alívio e, provavelmente, uma bela mariscada, já que Arcade é conhecida não apenas pela sua bela ponte medieval que ajudava os peregrinos do caminho português a chegarem a Santiago de Compostela, mas por causa dos seus magníficos bivalves (ostras, amêijoas e mexilhões).
Ontem Ana Maria foi, outra vez, notícia em toda a Espanha. Pousou nua, ao que parece por menos de 50 mil euros, para a famosíssima revista Interviú. Como sempre acontece àquelas que pousam nuas na Interviú, Ana Maria teve honras de “portada”. Magra, com mamas que não parecem naturais, mas que também não me atreveria a afirmar não o serem, Ana Maria parece ter um bom agente e, com isso, intenções de se tornar numa das muitas vedetas mediáticas que ocupam grande parte da imprensa, da rádio e das televisões espanholas por causa de incidentes mais insignificantes ainda do que aquele de que Ana Maria terá sido vítima no México.
Normalmente, em Espanha, homens e mulheres tornam-se famosos por serem toureiros, jogadores de futebol, cantarem muito mal, por saírem, namorarem, casarem e divorciarem-se com e de outros famosos. Mas os famosos de Espanha são interessantes, e provavelmente muito mais interessantes do que os portugueses famosos ou de muitos outros europeus, por duas razões. Em primeiro lugar por, aparentemente, exporem publicamente tudo aquilo que diz respeito à sua vida privada (consequência da elevadíssima competitividade do mercado de famosos espanhol). Em segundo lugar, porque põem em movimento em variadíssimos sectores de actividade económica (e não apenas nos media), quantidades verdadeiramente astronómicas de dinheiro. Fazem-no apenas a troco da exibição de uma vulgaridade que a Espanha, também ela toda muito vulgar, não apenas tolera como consome avidamente (note-se, porém, que há uma hierarquia de vulgaridade e de gente vulgar; uma coisa é a vulgaridade da recém chegada Ana Maria, outra era, por exemplo, a de Mar Flores e, outra ainda, a de Isabel Presley).
Visto tudo isto, só me resta desejar a Ana Maria as maiores felicidades, até porque me pareceu quando há meses a vi e ouvi no México e em Espanha prestando declarações para dezenas de microfones e câmaras de televisão com a maior das naturalidades, estar perante alguém que se apresentava muito mais como famosa do que como cabeleireira anónima. Por isso, na altura achei, sinceramente, que ali podia estar mais uma estrela para o firmamento da vulgaridade mediática espanhola. Como não me enganei, talvez já esteja na altura de mudar de vida. Ir por esse mundo à procura de potenciais famosos, assinar contratos de representação com os ditos, definir-lhes uma estratégia e pô-los a trabalhar (ou será a render?).

segunda-feira, janeiro 08, 2007

The Model

Hugo Chavez acaba de prometer a "nacionalização" de "sectores estratégicos" da economia venezuelana, a começar pelas telecomunicações e pela electricidade. Além dos efeitos que esta vaga de nacionalizações na América Latina, que não começou agora nem se sabe quando ficará concluída, certamente terá nas respectivas economias nacionais e na economia da região, já para não falar nas consequências que produzirá numa economia espanhola muito dependente de investimentos na América Latina e cujo presidente do Governo, Zapatero, não esconde fortes simpatias pela nova esquerda triunfante na América Central e do Sul, interrogo-me sobre qual será o modelo de Chavez, de Morales e outros. Como tenho para mim que não é Fidel Castro, às vezes penso se não será, mesmo que inconscientemente, o já esquecido Clement Attlee (o senhor da foto ali em cima) que, com o fim da Segunda Guerra Mundial, e após uma vitória esmagadora dos Trabalhistas nas eleições do Verão de 1945, iniciou na Grã-Bretanha uma revolução socialista que quase não deixou pedra sobre pedra (do ponto de vista da competitividade da economia britânica, está bom de ver).

Turner...

... por causa do Romantismo: "... um molde no qual qualquer ideia pode tomar forma, uma palete a partir da qual [essa ideia] pode ser colorida."
M. S. Anderson, The Ascendancy of Europe, 1815-1914, 1985.

domingo, janeiro 07, 2007

“Atlético Clube de Portugal”

Já tendo ultrapassado os 40, gostando de futebol desde há bem mais de trinta, tendo nascido e vivido 39 anos em Belém, o Atlético é para mim uma equipa que, naturalmente, deveria estar na I divisão. Ainda me lembro de como, na década de 1970, eram renhidos alguns jogos na Tapadinha entre o Atlético Clube de Portugal e o Sporting, o Benfica e o Porto. Por outro lado, o Atlético sempre foi o rival do Belém na zona ocidental de Lisboa. Nós, do Belenenses, chamávamos depreciativamente aos do Atlético “carroceiros” o que dizia muita coisa mas, sobretudo, algo sobre a extracção social de muitos dos seus minguados adeptos. Gente muito humilde da zona de um bairro de Alcântara que depois da segunda guerra empobreceu e envelheceu com o processo de industrialização acelerada que conheceu, mas que desde o século XIX era zona animada, dinâmica e de grande activismo político, social e cultural. Ainda me lembro, a propósito desta rivalidade, que no ano em que pela primeira vez o Belenenses desceu à II divisão, algures na década de 1980, os “carroceiros” quase encheram o peão do Restelo para comemorarem, no último jogo do Belém na I divisão, a despromoção dos seus rivais. Também me lembro de ter tido na Escola Marquês do Pombal um colega que era ferrenho adepto do Atlético, além de jogar nos juvenis da equipa de Alcântara. Também o avô galego de uma amiga minha era do Atlético, já para não falar do Chico da muleta, que tinha um macho e uma carroça para transportar a fruta e os legumes que comerciava em várias ruas e praças de Lisboa. Era, e ainda é, caso não tenha falecido, um dos grandes amigos de infância de meu pai.
Hoje o Atlético eliminou, e bem, o milionário F. C. Porto da Taça de Portugal. Fiquei feliz. Não só porque se trata de uma justa, embora rara, vingança dos pobres sobre os ricos. É que apesar de ser adepto do Belenenses sempre gostei do Atlético – com as suas camisolas com riscas verticais amarelas, azuis e brancas – e porque o povo de Alcântara merece. Mesmo que já não siga o clube do seu bairro e o tenha trocado pelo Benfica, pelo Sporting ou pelo Porto. Gostei ainda porque se calhar vejo no triste destino do Atlético o mais que provável destino do Belenenses num futuro não muito distante. Por isso, eu hoje sou do Atlético Clube de Portugal e só não vou às 11 da noite à Tapadinha porque não gosto de grandes ajuntamentos.

sábado, janeiro 06, 2007

Onde pára o modelo finlandês?

Há tempos o nosso Governo fez uma lei que impõe um tecto salarial na administração pública lusa. Mais coisa menos coisa, legislou-se com o objectivo de impedir que quem quer que seja ganhe mais do que o primeiro-ministro. A coisa tem que começar a ser cumprida neste ditoso ano de 2007. Vários casos, portanto, terão que ser tratados com brevidade ao passo que outros já o terão sido. Nuns os funcionários da administração pública sairão dando o seu lugar a quem não se importe de ganhar segundo as novas regras. Outros continuarão aceitando uma redução mais ou menos substancial nos seus salários. Porém, vislumbra-se uma excepção complicada: a do director-geral das finanças. Ganha substancialmente mais do que o chefe do Governo, parece que não quer passar a ganhar muito menos e não se importa de sair, regressando à “iniciativa privada.” Mas como o dito director é muito competente – a máquina fiscal está mais eficaz do que nunca – e o Governo não se quer desfazer dele, uma solução tem que ser encontrada contornando a lei sem deixar de a cumprir. Pelo menos é o que anda hoje a dizer a Sic-Notícias. Quando vejo uma coisa destas. Ou seja uma situação em que apesar de todo o rigor e toda a intransigência governamental se está afinal uma vez mais na disposição de fazer um jeitinho que consiga contornar o espírito e a letra daquilo que revela ser uma má lei. Ao apreciar toda esta trapalhada, só penso em que ponto, no meio disto tudo, se encontra, da parte do Governo, o exemplo do tão propalado modelo finlandês pelo qual Sócrates e muitos dos seus ajudantes se apaixonaram nos últimos tempos e garantem querer aplicar a Portugal e aos portugueses.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

É preciso ver, ver.

E eu que andava a perder Gato Fedorento em Real Player.

Apocalipses.

«Gripe das aves - Todos os anos, o mundo prepara-se para um novo Apocalipse. Em 2006, o Apocalipse seria aviário, com um vírus da gripe que, nas estimativas mais conservadoras, acabaria por dizimar milhões de seres humanos. Morreram umas seis dezenas, sobretudo em países sem grandes cuidados de saúde e de higiene, ou seja, incomparavelmente menos do que os milhares de infelizes que, todos os anos, tombam para lado com uma gripe "normal". A aves foram como vieram. Sem ninguém ver. Para o ano há mais.»
Da ciência e da razão muito dependemos (para o bem quero dizer). Mas muitas vezes, também, ela, ou quem fala em seu nome, nos prega partidas. Talvez nessas alturas não seja ciência mas sim embuste ou uma outra (mais uma) espécie de religião dos tempos modernos. Não sei. Para o caso, e a propósito do texto acima transcrito de João Pereira Coutinho sobre o “flop” que se revelou a “pandemia” da “gripe das aves” – que até artigo na Foreign Affairs mereceu –, já para não falar nas “vacas loucas”, ou nos “nitroforâneos” (?), como querem que alguém leve a sério o “aquecimento global”, as suas causas e as receitas que poderão inverter a sua (suposta) dramática progressão? Ainda alguém se lembra das proporções dramáticas e irreversíveis que atingia o “buraco no ozono” que tirou o sono a tanta gente? Às vezes parece que estes novos apocalipses – como foi na minha adolescência um outro que garantia a inevitabilidade de uma guerra nuclear que destruiria a vida na terra – não fazem mais do que maçar-me. E maçar-me tanto ao ponto de ter que escrever estas linhas. Mas faço-o pragmaticamente. É que quando nos cansarmos do “aquecimento global” (como nos cansámos das certezas de um regresso de uma nova Idade do Gelo de que muito se falava quando eu tinha 9 ou 10 anos), e outro apocalipse for anunciado, eu já só terei que vir aqui ao arquivo do «Amigo do Povo» pescar este texto, também ele maçador. Mas útil. Ao menos do ponto de vista da minha sanidade mental.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Saddam Hussein 1937-2006


A execução de Saddam Hussein pretende ser uma demonstração de força, mas é uma prova de fraqueza por parte do novo governo iraquiano. Pretende ser um fechar de página, mas tem muito de ajuste de contas de acordo com as regras do passado. O que é isto significa? Que tendo em conta os costumes políticos no Iraque desde a queda da monarquia em 1958 – com o assassínio nesse mesmo dia do rei e da família real e dos principais governantes – e a importância no teatro político iraquiano dos julgamentos de políticos caídos em desgraça como prelúdio da sua pronta execução, se o actual governo não executasse Hussein iria parecer irremediavelmente fraco.

A execução de Hussein é, portanto, também a demonstração da dificuldade dos EUA em mudar a cultura política iraquiana. Claro, mesmo assim, o julgamento de Saddam durante alguns meses já foi uma melhoria face à prática que tinha prevalecido durante o seu consulado, com "julgamentos" e execuções no próprio dia (uma espécie de cruel simplex), ou muita tortura e execuções totalmente extra-judiciais.

Este governo iraquiano enfrenta uma insurreição, em parte pelo menos constituída por seguidores de Saddam Hussein, portanto dificilmente se poderia dar ao luxo de ser magnânimo. Mas a ironia é que esta execução permitiu a Saddam assumir, nas suas derradeiras palavras, a pose do militante político morto pela causa do nacionalismo árabe e da defesa da Palestina, e do mártir muçulmano morto pelos inféis norte-americanos e pelos seus fantoches. (O facto de ter sido escolhido um dia santo para a execução pareceu uma provocação pouco inteligente deste ponto de vista.) Resta saber até que ponto isso resultará. Até que ponto e em que medida os sunitas no Iraque e no Médio Oriente irão subscrever essa tese. As consequências da execução de Saddam Hussein, como quase tudo no Iraque e no Médio Oriente, são incertas, mas dificilmente serão boas, quando muito serão menos más. Menos más, se, por exemplo, levarem os líderes sunitas a repensar as suas prioridades, e os líderes xiitas a procurar escapar à vendetta pela morte de Saddam por via de um entendimento aceitável com os principais grupos armados sunitas. (Nada disto é fácil: basta lembrar que se esperava a mesma coisa da captura de Saddam.)

Finalmente, depois da análise os princípios. Eu sou contra a pena de morte. Sou contra por razões racionais: a falibilidade de qualquer instituição humana, neste caso particularmente irremediável e cruel. Sou contra por razões sociais: é a pena dos mais pobres, dos mais excluídos, dos mais indefesos, dos pior defendidos. Sou contra por razões civilizacionais ou de princípio: cabe ao Estado punir de forma civilizada, se possível e justo regenerar, em todo o caso não vingar de acordo com a "lei" de Talião. Mas o caso de Saddam Hussein se não for olhado de forma pré-concebida num esquema pró ou anti-pena de morte levanta uma questão relevante: deve um governante que sempre defendeu e aplicou devotamente como política e direito de Estado a pena de morte ser ele próprio poupado a essa pena? Não teria uma excepção na lei internacional prevendo a possibilidade de execução de governantes que tinham eles próprios usado a pena de morte uma salutar efeito dissuasor?
ADENDA - Esperava que houvesse quem tivesse dificuldade em digerir as perguntas que faço no final e que era deliberadamente provocadoras e arriscadas face ao politicamente correcto. Mas não esperava que houvesse quem achasse que como a pena de morte só é aplicada a assassinos então não faria sentido colocar a questão. Não só isso não é verdade, como sobretudo nem todos os assassinos são chefes de Estado (e vice-versa). E isso faz muita diferença em termos das três razões que me levam a ser contra a pena de morte. Estou a falar de casos como o de Saddam Hussein, de homens poderosos, que usaram o seu enorme poder para cometer crimes horríveis publicamente e como política de Estado, e que portanto se estão nas tintas para a ideia de que o Estado deve ser um executor de penas civilizado e não deve aplicar a pena de morte. Também não defendi que todos os líderes de Estados onde se aplica a pena de morte deveriam ser, por esse facto, executados. Isso seria um tal contra-senso que não me passou pela cabeça. A aplicação da pena de morte está excluída do direito internacional mas não é por si só punida por ele. Limitei-me a levantar a questão de saber se no caso dos líderes responsáveis por crimes contra a humanidade previstos no direito internacional faz sentido que a pena máxima seja a prisão perpétua e não a pena de morte. E até admito que a resposta seja sim. Mas fundamentalmente por outras razões que não as comummente usadas na oposição à pena capital: nomeadamente que a execução poderá permitir a este líderes políticos assumir o manto do martírio. Finalmente deixo aqui mais uma pergunta. Será que há muita gente que esteja disposta a afirmar que no Julgamento de Nuremberga não se fez justiça nenhuma e que tudo não passou de uma farsa? No entanto, tratou-se de justiça dos vencedores, é possível apontar várias falhas processuais, os acusadores soviéticos tinham estado implicados nos crimes de Estaline, e vários dos principais líderes nazis foram rapidamente executados depois de condenados.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

A "superioridade moral" de Saddam Hussein

Depois de ter lido que a “superioridade moral do Ocidente” passara a andar pelas ruas amargura pelo facto de Saddam Hussein ter sido julgado e executado, já para não falar em inúmeros outros textos que falam do antigo ditador iraquiano ora como “vítima” ora como “mártir”, só falta elegê-lo, em concurso televisivo, ou não, como o “grande iraquiano” da história. Desde que, claro está, as outras "vítimas" (as verdadeiras?) não tenham voto na matéria. Mas cheira-me que não votariam. Porque será? Por estarem mortas? Não. Por causa da superioridade moral de Saddam Hussein!