segunda-feira, abril 21, 2008

A Unicidade Laical

O João Almeida fez-me a honra imerecida de me dedicar um poste. Não tenho, de momento, nada de fundamental a acrescentar aos argumentos que sobre o tema escrevi. Até porque as dificuldes que o João parecer ter em perceber-me (ou até em aceitar sequer a legitimidade como ponto de discussão do que tenho para dizer?) parecem ter algo a ver com o facto de que não parece ter lido o que escrevi, pois repete objecções a que respondi (portanto não vale a pena repetir-me). Mas sempre me oferece o pretexto para desenvolver um pouco mais o assunto.

O João oferece-nos a sua definição de um estado laico que nunca existiu. Uma coisa muito útil e que tomarei em boa nota. Será certamente uma novidade para a França, México e a Turquia. Talvez convenha avisar os tribunais turcos para evitar o risco de que em nome desse princípio constitucional afinal inexistente o partido actualmente no governo turco seja proibido por violar o sacro Estado laico.


Até admito haver várias definições de Estado laico - desconfio que a de D. Jorge Ortiga não será a de Emiliano Zapata. Até por isso eu prefiro o termo menos confuso de Estado não-confessional ou de separação. Desde logo porque quem usa o termo Estado laico geralmente quer aproximá-lo do modelo (mal conhecido, admito) francês (ou será turco ou mexicano?)

Claro que o modelo de Estado laico puro - de um espaço público totalmente monopolizado pelo Estado e totalmente estranho à religião nunca foi completamente concretizado (com a possível excepção de Estados violentamente ateus como a Albânia, a URSS ou a China, Coreia do Norte.) Mas isso só mostra que nem sempre é clara a fronteira entre público e privado, estatal e não-estal (um problema de base do laicismo). Reflecte também o problema mais geral de que entre o ideal e a prática geralmente (graças a Deus) vai alguma distância.
Afinal até De Gaulle e Mitterand tiveram missas de Estado em Notre Dame.
Afinal, até o governo de Zapatero, com os seus laivos laicistas, foi há dias jurado diante deS.M. el-Rei de Espanha e um belo crucifixo (Algum comentário a fazer pessoal laicista radical português? Estou desiludido convosco! Nenhuma lição a tirar?! Nenhum exemplo para Portugal?!)

Que a discriminação religiosa foi de regra até (pelo menos) à década de 1950 por todo o mundo, inclusive no Ocidente democrático, não contesto, do Sul baptista dos EUA até ao norte protestante da Irlanda. Mas não vejo é o que é isso tenha a ver com o assunto. Ou no que é nisso o Estado Novo ou a nossa Monarquia Constitucional se notabilizem, excepto pelas limitações no apoio efectivo à Igreja Católica se comparadas com a maioria (se não todos) os Estados europeus dessa altura e até - volto a sublinhar - a própria França laica, que paga padres na tropa e nas prisões e nos hospitais (antes e depois de 1905) e que pagou uma volumosa indemnização à Igreja Católica pelas expropriações que lhe foi, coisa que o Estado Português (Novo ou velho) nunca fez.
Que isso seja desconhecido militantemente pela maioria católica e sem ser católica é possível, mas que não me parece argumento de grande valia. A ignorância sempre foi afoita e o preconceito persistente. Que alguém como o João continue a recusar pelo menos discutir alguns destes factos já me deixa mais perplexo, mas é algo com que conseguirei viver graças às suas muitas outras qualidades.

Nem vejo que certo tipo de estatuto especial para a Igreja tradicionalmente dominante num país seja necessariamente uma discriminação inaceitável das outras. Por enquanto, ainda ninguém levantou a questão - creio - de se expropriar a igreja anglicana de Westminster por ter uma localização tão discriminatoriamente central em Londres, ou passou pela cabeça de muita gente dizer que a Inglaterra não é uma democracia liberal porque tem uma Igreja de Estado.

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9 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

Bruno: os erros de outros países (Espanha, Inglaterra, etc) não justificam os nossos. É verdade que há (muitos) Estados ainda mais confessionais do que o nosso. Mas isso não justifica o nosso não-laicismo.

"Nem vejo que certo tipo de estatuto especial para a Igreja tradicionalmente dominante num país seja necessariamente uma discriminação inaceitável das outras."

Eu para mim é óbvio que um Estado laico - e de liberdade religiosa - não pode favorecer nenhuma religião, nem a tradicionalmente dominante (até porque a tradição já não é o que era) nem nenhuma outra.

Luís Lavoura

10:05 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Coitado do Cardeal Cerejeira. Dá-me vontade de chorar, ver que afinal não tinha previlégios para a sua pobre igreja. Que injustiça, uma igreja tão pequena e frágil...uma pequena chama de resistência à ditadura.

Para a semana, novo tema: A PIDE era um centro de formação profissional injustiçadamente apelidado de Policia Politica.

10:28 da manhã  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Luís, para mim o estado não deve ser laico, como não deve ser confessional. Mas ser não-confessional não significa que limite as religiões, ou entre em exercícios insensatos de limpeza de qualquer traço de tradições religiosas, ou deixe de ter relações de cooperação com os cidadãos que estão envolvidas nas confissões religiosas e que por isso não perdem os seus direitos.

Quanto ao anónimo lavador de memórias, o meu conselho é que antes de se preocupar com a memória alheia se preocupe com a sua própria capacidade de pensar. Proponho que comece com um exercício simples: favorecer ou não um grupo religioso não tem nada a ver com saber se um regime se ditadura ou não. Veja, por exemplo, a China actual governada por uma ditadura de um partido ateu e que persegue alegremente católicos e budistas tibetanos.

Ao nível da análise destes factos, portanto, não vejo o que a questão de ditadura ou democracia tenha a ver com o assunto.

Mas realmente o combate póstumo da ditadura do Estado Novo é um desporto muito popular, na altura tinha menos adeptos...

1:14 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

"tradições religiosas, ou deixe de ter relações de cooperação com os cidadãos" trocado por miúdos quer dizer: ter poder para influenciar o estado para legislar a favor da igreja nos mais diversos interesses, desde económicos a morais. Isto é colidir com as liberdades de quem não é católico e não quer ser e não quer que se favoreça uma igreja.


Sogbre o combate ao estado novo... tenho um pressentimento que na altura você não faria muito contra ele.

1:28 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

"[o Estado] ser não-confessional não significa que limite as religiões"

Claro que não. Eu sou a favor da liberdade religiosa.

"entre em exercícios insensatos de limpeza de qualquer traço de tradições religiosas"

Esses exercícios podem ser insensatos ou não ser.

Se o Estado tentar apagar os traços de tradições religiosas dos cidadãos, então o Estado estará dessa forma a eliminar a liberdade religiosa, o que é mau.

Mas se, por outro lado, o Estado tentar apagar os traços de tradições religiosas nas suas próprias Leis (por exemplo, nas leis que ditam os dias feriados, nas leis que ditam aquilo que se ensina na escola, etc), então esse Estado estará a fazer bem, pois estará a promover um terreno de competição plano entre as diferentes religiões e o ateísmo.

"deixe de ter relações de cooperação com os cidadãos que estão envolvidas nas confissões religiosas"

No meu entendimento liberal, o Estado deve ter o menos relações de cooperação possível com a sociedade civil. Invariavelmente, quando o Estado tem "relações de cooperação" com certos cidadãos, isto significa na prática que estará a tirar dinheiro a alguns cidadãoes para o dar a outros, que estará a oprimir alguns cidadãos para favorecer outros.

Luís Lavoura

4:20 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caro anónimo da memória, você nem agora tem a coragem de assumir as suas convicções.

Caro Luís
Pondero sempre as suas opiniões e percebo a sua preocupação. Mas não creio que desta feita lhe possa dar razão no essencial. Claro que poderá haver abusos para os dois lados.

Mas o Estado separado totalmente das religiões ou de outras actividades é impossível de conceber. E indesejável: o Estado existe para os cidadãos, não o inverso.

Repare na enorme quantidade de dinheiro que o Estado tem de gastar para realizar mesmo as suas actividades mais básicas. Há aí sempre alguma escolha, desde logo em recorrer a organizações de cidadãos que já trabalham bem nessas áreas - religiosas ou não.

Esse mito da total separação está à vista nas incongruências, por exemplo, de uma França laica mas que paga os templos católicos que são monumentos nacionais ou na Turquia laica mas que paga ao clero muçulmano. Quer um caso, quer outro mostra como mesmo durante o Estado Novo os privilégios da Igreja Católica em Portugal eram bem escassos - igrejas a cair (que o Estado teoricamente manteria) e padres por sua conta.

Mas o princípio de uma igualdade de tratamento dos grupos religiosos, dentro do razoável tendo em conta a sua diversidade, parece-me evidentemente o melhor caminho.

O pior é admitir palhaços e malabaristas nos hospitais públicos sem perguntar nada a ninguém, mas obrigar o padre a pedir licença para entrar. Isso seria cómico se não fosse trágico.

Bruno C Reis

8:46 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caro Bruno C Reis
As minhas convicções são simples, se deseja ser católico seja, mas não utilize os meus recursos ou diminua a minha liberdade ou faça pressão para julgar a minha moral ,por isso.

Tanto os palhaços como os padres devem poder frequentar os hospitais e contactar os doentes, se estes o desejarem. Acho mesmo que o melhor era existirem padres-palhaços.

10:35 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Mas deve então o estado promover uma religião/ideologia laica?
Os feriados não devem ser religiosos mas podem ser politicos? Afinal feriados politicos promovem ideologias particulares que pelo principio de absoluta isenção do estado não devem ser favorecidas. Lá se acabaria com o 5 de outubro, o 25 de abril e o 1 de dezembro.
Deve o estado promover gostos particulares pela cultura? Subsidiar museus, essa especie de cultura mumificada, casas da musica, e quejandos?
Mas não pode subsidiar a cultura viva, aquela que é sentida e vivida por parte significativa da população, como uma igreja. Interessante, pode subsidiar um museu de arte religiosa, enfim interesse cultural de cultura mumificada, mas não uma igreja com uma cultura viva.

Cam

12:36 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caro Anónimo

Você não sabe se eu sou católico ou não, mas é significativo que creia que sim.

Os católicos têm tanto de o deixar em paz, como você de os deixar em paz a eles. Os católicos têm tanto direito de querer influenciar o Estado como outro grupo qualquer.

Você é daqueles livres pensadores que se acha muito tolerante porque tolera as ideias alheias desde que não o afectem nada, e se mantenham longe da sua vista.

Claramente ainda não se deu conta do ridículo dessa posição, mas é talvez chegada altura disso.

Bruno C Reis

5:59 da tarde  

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