sábado, abril 29, 2006

Reflexões sobre o 25 de Abril


O 25 de Abril de 1974 não assinala apenas o fim de uma longa ditadura, mas também a subversão revolucionária de um golpe de Estado e uma reviravolta nas expectativas da oposição política ao Estado Novo. Não é uma consequência inevitável da degenerescência do regime, nem de um golpe minuciosamente programado, nem de uma estratégia cumprida pelos militantes dos partidos clandestinos. Também não é o dia em que em que alguém dá corda a um relógio da revolução, pondo em movimento uma maquinaria que produzirá de forma mecânica todos os acontecimentos subsequentes.
Quando os militares liderados por Salgueiro Maia avançam para Lisboa, a Marinha, ramo das Forças Armadas marcado pela influência do PCP, mantém uma posição de expectativa e o MRPP emite um comunicado denunciando as movimentações em curso como originárias de uma «clique» cujos objectivos se situam no interior do regime. O programa do MFA não prevê o desmantelamento da PIDE. Os insurrectos apelam para que o povo saia da rua e siga os acontecimentos pela rádio e televisão. Mas essa manhã anulou todos os cálculos, abriu os tectos a muitas esperanças e foi invadida pelos acontecimentos. A afluência de gente à rua não só ajudou os operacionais, como poderá ter pesado na reacção dos poucos dispostos a defender o regime e nas decisões de Marcelo Caetano. Só um banho de sangue poderia inverter o curso das movimentações. Caetano, ao insistir em render-se a um General, Spínola, terá esboçado um apelo de último recurso a uma «transição pacífica», isto é pactuada entre elites, neste caso fazendo a passagem de poder entre o Presidente de Conselho e uma alta patente militar. Esta personagem hamletiana chegara ao poder alimentando equívocos e abdicava dele equivocando-se. A ideia de transição não só pacífica como pacificadora, era anterior ao próprio Estado Novo. O 28 de Maio de 1926 fizera-se em nome da necessidade de uma ditadura provisória e regeneradora da república. Salazar deu um carácter permanente à «situação» criada pela ditadura militar. Mas como o novo regime foi o resultado de um compromisso entre diferentes correntes, o sistema possuía uma brecha por onde poderia entrar a democracia: a eleição directa do Presidente da República. Após o terramoto «delgalista», em 1958, esta falha é colmatada, passando o chefe de Estado a ser eleito pela Assembleia Nacional. De 1926 a 1974 falharam todas as hipóteses de «transição pacífica», inclusivé a do próprio dia 25 de Abril. Esse foi o dia em que se deu a ruptura.
O corte deu-se, como já afirmámos, não só com a «situação», mas também com as estratégias oposicionistas. Foi o movimento popular espontâneo e improvisado que impôs aos golpistas o desmantelamento da PIDE, a libertação dos presos políticos e o fim da censura. Todas as convulsões subsequentes, com o perigo de inflexão anti-democrática, não conseguiram rasurar a pulsão libertária inicial. O Luís, neste texto, escreve que «o 25 de Abril não se fez em nome de uma experiência histórica do liberalismo (…) fez-se em nome de uma míriade de socialismos coligados» e que «logo a 1 de Maio, quando a esquerda (melhor dizendo, os comunistas) tomou as ruas, ficou patente quem teria força para imprimir à revolução a direcção e a cor que lhe construiriam a identidade». O meu ponto é que em relação ao 25 de Abril é mesmo legítima a frase existencialista de que «a existência precede a essência». É verdade que, não se reconhecendo no Estado Novo, os liberais têm dificuldade em se identificar com os actores do processo revolucionário. E que a transição democrática portuguesa não encontra paralelismos com periodização da Revolução Francesa. Mas esta foi uma revolução conduzida por liberais que rompeu com o absolutismo. A do 25 de Abril rompeu com uma ditadura autoritária do século XX. Durante a qual se organizaram partidos da oposição socialistas e comunistas, mas não partidos liberais. A crítica do Luís coloca-nos perante um contra-factual: um partido liberal com legitimidade anti-fascista seria excluído do processo revolucionário? Ou até seria um interlocutor à direita preferido a Freitas do Amaral? Não sabemos. O que sabemos é que as liberdades de expressão e de associação foram conquistadas no 25 de Abril. Não foi por falta de causas que não surgiram opositores liberais ao Estado Novo. Nem por terem ideias incompatíveis com o colonialismo e logo com o programa do MFA, pois nos Estados Unidos também existe uma tradição política anti-colonial.
Sendo um acontecimento histórico, a comemoração do 25 de Abril não se reduz à compreensão do passado. Os acontecimentos marcantes libertam-se da História, tornam-se mitos e arquétipos. Reflectem uma imagem da sociedade que fundam e constituem referências para o futuro. Não creio que a concretização das aspirações de liberdade e justiça do 25 de Abril se limite à experiência concreta do período revolucionário. Os cravos não constavam do plano de operações do golpe militar. E no 25 de Abril também havia cravos brancos.

Almanaque do Povo

Contrato a prazo: seja bem reaparecido o blogue Desejo Casar. Consumir de preferência até não se sabe bem quando. É aproveitar.

Vai-Não-Vai: felizmente não foi, i. e., o moblog de Markl não acabou. Ainda que tenha selado a caixa de comentários. Humpf.

Diavlogs: Se ainda não deram uma olhadela pela nova obra jornalístico-baixo-orçamental de malta ligada à Slate (como Robert Wright e Mickey Kaus) dêem: eis as Bloggingheads.


[Reprodução: BND]

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Da valia do crocodilo como animal de estimação


A ideia pode parecer um pouco estranha: um crocodilo doméstico? Mas esta notícia da BBC fez-me pensar que era uma hipótese a ponderar. Aparentemente, os crocodilos de água salgada australianos – e afinal, nós até já temos florestas de eucaliptos australianos por todo o lado – além de serem os mais perigosos do mundo (como tudo o que mexe na Austrália), são bichos altamente sensíveis que têm grandes problemas com qualquer barulho que lhes perturbe a reflexão. Neste exemplo, um deles, apelidado Brutus, irritou-se com o zumbido ensurdecedor de uma moto-serra e atacou o trabalhador que cortava uma árvore na sua vizinhança. Resultado? A serra animal (também conhecida como crocodilo) perdeu uns quantos dentes (não se preocupem, amigos dos animais, eles voltam a crescer). A serra mecânica ficou feita em pedacinhos. O trabalhador escapou ileso para o cimo da dita árvore. Já imaginaram um bichinho destes a lidar com vizinhos barulhentos e respectivas fontes de som? É claro que havia o pequeno problema de o fazer caber na banheira, ou de lhe arranjar trela e açaimo; isso, e fazê-lo aguentar o som dos motores do avião durante vôo da Austrália para Portugal; além, claro, de que convinha acabar com as festas lá por casa.

25 de Abril é quando um homem quiser


É curioso que o Fernando considere este meu poste como uma resposta a duas perguntas de um poste dele. Curioso porque eu não faço no meu texto qualquer linque para o dito poste. É normal que depois de se fazer uma pergunta do tipo - o que é que se festeja no 25 de Abril? - qualquer poste sobre o 25 de Abril seja lido como uma resposta. Como é normal que isso não me condicionasse minimamente em escrever sobre o tema. (Espero que não fosse o objectivo, uma espécie de pergunta retórica/ataque preventivo).
Aliás, aproveito para acrescentar que acho tristemente cómico que para falar da liberdade de não se celebrar o 25 de Abril, o Fernando tenha escolhido evocar a figura grotesca de Alberto João Jardim e o único território português que ainda não pode ser considerado como uma democracia plena. Veja-se o espetáculo recente de uma maioria parlamentar do PSD abusar do seu poder para insultar caceteira e chavascamente a oposição madeirense ao requerer formalmente a avaliação da sua sanidade mental!!! Como se criticar o PSD-Madeira fosse uma loucura. (É, eu sei, mas no sentido figurado). Como se o parlamento regional fosse: ou um programa cómico de gosto mais do que duvidoso; ou então, e se a coisa é para levar a sério, apenas não tirasse daí as lógicas consequências porque os "colonialistas do Continente" (ainda?) não lhe deram competências e dinheiro para instalar hospitais psiquiátricos prisionais à boa maneira soviética. Isto ainda me deixa mais perplexo porque o Fernando se mostra tão preocupado com os problemas de dissolução da unidade nacional na vizinha Espanha. O que diria ele se a Catalunha ou o País Basco decidissem unilateralmente não celebrar um feriado nacional espanhol?

Sobre o novo poste do Fernando quer-me parecer que é ele que ainda está no pré-25 de Abril. No tempo da Velha Senhora é que, dizem, os meninos das escolas, como membros da Mocidade Portuguesa, eram obrigados a acenar bandeirinhas nos celebrações oficiais. O 25 é celebrado porque quem quer. O feriado não obriga ninguém à festa. Quem quiser pode perfeitamente fazer como eu e trabalhar nesse dia.

Concordo com o Fernando em dois pontos essenciais. O primeiro é que o 25 de Abril marece ser discutido e analisado historicamente. Mas não vejo o que é esta tentativa da direita para o demonizar tenha alguma coisa de positivo para contribuir para isso. Fico, por exemplo, um pouco desapontado que o juízo de Samuel Huntington sobre o papel histórica da revolução democrática portuguesa seja descartado como uma previsível avaliação da revolução pela "esquerda". (Huntington, esquerda?)

E concordo também que temos feriados a mais em Portugal. A maior parte deles devia ser extinto. A melhor maneira de mostrar patriotismo nos tempos que correm é trabalhar mais e, se possível, melhor. Mas se faz sentido que algum feriado fique é o 25 de Abril. Tal como festejamos o dia em que nascemos (uns mais do que outros), é normal que o regime actual celebre o dia do seu nascimento.
Além disso, de entre as datas históricas políticas nacionais e internacionais o 25 de Abril parece-me ser das mais merecedoras de celebração oficial e popular. Do 4 de Julho da independência americana, até ao 14 de Julho da queda da Bastilha, passando pelo nosso 1 de Dezembro de 1640, vejo poucos ou nenhuns feriados nacionais que se saiam tão bem em termos do que significaram em termos de violência, custos económicas e liberdade.
Finalmente, não consigo perceber o que é que um liberal (alguém como a Sophia de Mello Breyner Andresen, por exemplo) pode ter contra o 25 de Abril. A não ser, claro, se for mais de direita do que liberal.
[CARTAZ : Cortesia do PPD/PSD]

sexta-feira, abril 28, 2006

Contribuições & Impostos

Há uns 3 ou 4 anos que não só não entregava a declaração de rendimentos no último dia do prazo como também não me abalava a uma repartição de finanças para o fazer. No corrente tive uma recaída. Obviamente, paguei o preço.
Discriminando a factura, esperei durante todo o horário do expediente da tarde para submeter os formulários devidos, assistindo às costumeiras cenas de cidadania à portuguesa, como a do senhor que após a utilização da sua senha (e porque a chamada à mesa tem tolerância de três números), insistia em subverter a ordem de chegada oferecendo-a a quem a quisesse reciclar. Depois de despachada, apeteceu-me dar um xi-coração ao funcionário. Porquê? Porque em 2 horas, ele + 1 colega + 1/2 (este desdobrava-se na Abertura/Cessação de Actividade, ou assim) atenderam 90 contribuintes. Depois de mim ainda lá ficaram outros 30. Se isto não é trabalhar bem, não sei o que é.

Ventos de Espanha


A remodelação governamental espanhola forçada, nos primeiros dias de Abril, pela vontade de sair manifestada pelo então ministro da Defesa José Bono, não indicia nada de bom. Em primeiro lugar porque provocou instabilidade numas Forças Armadas já bastante divididas e desmoralizadas por causa da forma como Zapatero tem gerido a questão da reforma dos estatutos das nacionalidades, a começar pelo da Catalunha. Em segundo lugar, porque deixou claro que como membro do Governo e do PSOE Bono é o rosto mais visível de sectores da esquerda que não aceitam a política para as nacionalidades – e provavelmente também para o terrorismo basco – de Zapatero. O discurso de despedida de Bono foi exemplar quanto aquilo que pode estar ao virar da esquina. Finalmente, e como se não bastasse, o novo ministro da defesa anda um bocado atrapalhado, para não dizer mais nada, na escolha de algumas das novas chefias militares.

Tiques jacobinos.


Gosto muito de todas as até agora nove propostas avançadas por Vital Moreira para que o Governo ponha fim, ou pelo menos reduza, o déficit orçamental. No entanto, devo confessar, nutro um carinho especial por esta. Tão respeitadora da liberdade dos cidadãos! Especialmente daqueles que menos recursos financeiros possuem e, pasme-se, têm a leviandade de querer escolher os estabelecimentos de ensino em que os filhos hão-de estudar.

Escolhas

Porque é que será?


Valentim Loureiro, presidente da Liga Portuguesa de Futebol e presidente da Câmara Municipal de Gondomar, viu ser arquivado o processo que contra ele tinha sido movido no âmbito do chamado caso "apito dourado" e que envolveria situações de corrupção activa e passiva e de tráfico de influências no mundo do futebol profissional português. O major está indignado e quer processar o Estado português. Faz muito bem. Só estranho que aqueles que, depois do sucedido a Paulo Pedroso, foram tão céleres em acusar de péssimo funcionamento o nosso sistema judicial, acusando-o de perseguir politicamente o antigo ministro, não tenham tido ainda oportunidade de manifestar a mesma indignação e a mesma solidariedade em relação a Valentim Loureiro. E já agora, também, em relação a Pinto da Costa. Ou será que já o fizeram mas apenas em privado? Ana Gomes, por exemplo, tem o número de telefone dos dois homens fortes do futebol português? E Marques Mendes já fez acto contrição diante do major?

quinta-feira, abril 27, 2006

Películas

Há quem se comova com filmes que não valem o dinheiro da película que gastaram... mesmo sabendo eu que o preço do metro de película está pela hora da morte.

Por uma questão de princípio...

... é por estas e por outras que a despenalização do aborto, nos termos em que no nosso país é reclamada pelo PCP e pela esquerda festiva, não faz qualquer sentido. Refiro-me aos abortos em si e à, sinto muito dizê-lo, falsa "justificação" social apresentada para a sua prática.

O Harém de Jerónimo


Ao contrário daquilo que disse Vital Moreira no Causa Nossa, é óbvio que o discurso de Cavaco Silva na Assembleia da República no passado dia 25 provocou amargos de boca à esquerda e não à direita. Sócrates veio dizer que o Governo e o Estado – não podia ser doutra maneira – já estava a gastar e ia ainda gastar mais dinheiro a combater a "exclusão". Ignorou o chefe do Governo, propositadamente, e como hoje de manhã recordou Ângela Silva num comentário na Rádio Renascença, que o Cavaco pedira sobretudo o empenhamento da sociedade e não do Estado – embora este também tenha um papel a desempenhar – no combate à "exclusão".

Francisco Louçã e Joana Amaral Dias alardearam que não iam em pactos, embora também afirmassem que a preocupação com a "exclusão" demonstrada pelo presidente da República era de louvar. Medeiros Ferreira ainda não disse nada de relevante sobre o tema no seu blogue. Alegre ficou embatucado. Aguardemos aquilo que Vasco Pulido Valente dirá, mas é óbvio que serão sempre comentários de uma outra dimensão. A UGT aplaudiu o discurso, ao mesmo tempo que Carvalho da Silva, e tanto quanto me tenho apercebido, se mantém calado (a reacção acontecerá no 1.º de Maio). Resta o PCP. Jerónimo de Sousa, que balbuciou umas críticas e uns meios-elogios na Assembleia da República logo após o discurso, ganhou fôlego e já disse aquilo que efectivamente pensa sobre o discurso. Hoje, o Público on-line dá conhecer a verdadeira dimensão da reacção. De tão estimulante faço apenas votos para que nada tenha que ver com o facto de ter jantado rodeado de 250 mulheres – ainda por cima "trabalhadoras" de uma única empresa.

Visca Barça?

Quarta-feira, dia 17 de Maio, joga-se em Paris a final da Champions League. Que ganhe o melhor! E que os melhores sejam os gunners.

24, 25 ou 26?


Escrevi no 25 de Abril um post com duas perguntas. Fi-lo, essencialmente, por um par de razões. Em primeiro lugar porque queria ver se conseguia ler respostas que fossem além daquilo que normalmente se nos depara nos media. Em segundo lugar, porque uma vez que se começam já a preparar as comemorações dos 100 anos do 5 de Outubro, e nelas deverei participar como “professor” do Departamento de História da Universidade de Évora e “investigador” do CIDEHUS, tenho-me perguntado: “O que é se comemora quando se comemora o 5 de Outubro?”
Não sou ingénuo ao ponto de pensar que as minhas perguntas não iriam ter as respostas que globalmente tiveram. Defesa cega da bondade do evento, ataques apaixonados às desgraças que produziu, impropérios àquele que ousou perguntar – que vão desde o “fascista” puro e duro até uma espécie de singelo nostálgico do antigamente. Como é fácil imaginar tudo isto me diverte.
Tratando-se de um par as razões que me levaram àquelas duas perguntas, avanço para a revelação da terceira: saber como é que, eventualmente, os meus leitores reagiriam ao facto de se interrogar o “25 de Abril” de forma simples, directa mas, ao mesmo tempo, na sua essência. Neste caso devo dizer que fiquei com a certeza de que para os defensores da bondade do “25 de Abril” o “25 de Abril” não se questiona.
Por isso, e só por isso, mas já é muito, e independentemente das vantagens indiscutíveis que a queda de Marcello Caetano também nos trouxe, a verdade é que apreciei a atitude de Alberto João Jardim e do PSD Madeira ao decidirem que naquela região autónoma não se fizessem comemorações oficiais do 25 de Abril e que também mereceu um post meu no mesmo dia. Acto provocatório o de Jardim? Certamente! Mas acima de tudo acto de liberdade e de rebeldia face ao pensamento dominante – oficial e oficioso – que sustenta a natureza inquestionável do 25 de Abril. É que o 25 de Abril só será aquilo que os seus defensores incondicionais à “esquerda” dizem que é quando naturalmente aceitarem que pode e deve ser questionado de uma ponta à outra. Ora aquilo que obviamente as minhas perguntas demonstraram, a julgar pelas respostas dadas em dois posts e uns quantos comentários, foi que os defensores do 25 Abril de 1974 tardam em assimilar aquelas que garantem terem sido as suas virtualidades. Nesse aspecto, como noutros, estão mais no 24 do que no 26 de Abril.

Eu e o 25 de Abril

Tal como o Fernando Martins, eu também não festejo o 25 de Abril. E ao contrário do Bruno, não creio que o facto de se aderir e celebrar a liberdade implique festejar o 25 de Abril, pelas razões que expus há um ano aqui. Datas da liberdade por datas da liberdade, estou quase a festejar o 29 de Abril, para quem sabe o que isso é... (P.S. Claro que, tecnicamente falando, eu festejo o 25 de Abril; trata-se do meu aniversário...).

quarta-feira, abril 26, 2006

Hibernation


É o título da melhor curta-metragem do bloco «competição curtas3» do Indie Lisboa, versão 2006. Dura 15 minutos e passou terça-feira passada no Londres. Sem desprimor para o retrato realista de agricultores franceses feito a pinceladas de humor cru por Samuel Collardy; a viagem onírica de Terra Incógnita; ou a incursão ficcional de João Pupo. Hibernation é um pequeno filme onde duas crianças desmascaram a condição humana tomando consciência da irreversibilidade da morte. E também de que a magia possível ao humanos não reside na ciência, mas na possibilidade de criar mundos de reflexos que resistem ao tempo e à perda.

25 de Abril


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia

O fim de uma ditadura é sempre de festejar. (Que é como quem diz: 25 de Abril Sempre!). A Revolução Portuguesa foi pioneira do que Samuel Huntington chamou a Terceira Vaga de Democratizações, que terminou com as grandes grandes revoluções democráticas do Leste europeu. (Uma ideia, no mínimo interessante, vinda de um famoso académico americano, alheio às controvérsias portuguesas, e de direita).
Como tudo, a liberdade tem um preço. (Não há almoços de graça. Lembram-se?). Mas mesmo quando o preço de ser livre é muito alto, é dífil dizer que não valeu a pena. Até porque também a servidão se paga. Todas as revoluções, democráticas ou não, têm custos económicos e humanos, muitas vezes catastróficos: destruições terríveis, centenas de milhar ou até milhões de mortos. Tendo em conta o custo normal das revoluções o 25 de Abril teve um custo muito baixo e um lucro enorme: paz, liberdade e desenvolvimento mais equitativo.
A crise económica? As guerras coloniais? Já existiam em 1973 e foram em boa parte a causa da revolução. Havia quem fizesse melhor? Quem? Sá Carneiro e Spínola já tinham desistido da ideia de mudar o regime por dentro, por alguma razão seria.
Portugal não é o paraíso. (Quem souber a morada, diga). Mas é certamente um país mais livre, mais justo, mais rico do que em 24 de Abril de 1974.
ADENDA - O Rui A. é capaz de ter dificuldade em encontrar um país em que a liberdade se fez num dia. Mas pode tentar. Há muita direita portuguesa (não toda, claro) que continuar a insistir em discutir a revolução e a democratização portuguesa ignorando o que é que esse tipo de processos normalmente implica na história mundial. Houve alguma revolução ou transição para a democracia sem conflitos?
O lado mais ficcional desta críticas talvez seja a ideia de que o 25 de Abril trouxe a crise económica, como se ela não estivesse já instalada desde o ano anterior, acabando de deslegitimar a ditadura com a taxa de inflação mais elevada da Europa em 1973.
Suponho que a direita com reservas abrilinas seja contra as celebrações do 4 de Julho nos EUA porque deram origem a uma terrível crise económica, a uma sangrenta guerra civil e forçaram centenas de milhares de americanos leais à Coroa Britânica a emigar para o Canadá. Suponho, como é evidente, que estejam completamente contra a invasão do Iraque, os muitos milhares de mortos desde que a "guerra" terminou, a terrível crise económica (desemprego de 50%), e o "democratas" que tomaram o poder e se instalaram no governo por lá.
A ideia de Spínola como o único democrata do 25 de Abril não faz sentido. (Por muito que também recuse a caricatura inversa, de um ditador à espreita de uma oportunidade). Ele não se demitiu pela resistência ao seu desejo de democracia. Mas pela oposição à sua política colonial tragicamente suicida, de tal forma que nenhum partido - incluindo o PSD e o CDS - estava disposto a apoiá-la. E foi a forma como Spínola se deixou provocar a fazer um precipitado golpe militar, em 11 de Março de 1975, que colocou todos os moderados na defensiva, e levou a que o plano Melo Antunes de estatização muito parcial, aprovado em Fevereiro de 1975, tivesse sido mandado às urtigas.
O 25 de Abril marcou o fim da ditadura, o princípio de uma rápida e bem sucedida democratização, e uma viragem à esquerda? Sim. A direita tem dificuldade em festejá-lo por causa desta última razão? Percebo, desde que não procure justificar-se negando as evidências. Mas seria realmente supreendente que a resposta revolucionário a uma ditadura de direita de 48 anos fosse uma viragem... à direita, ou não?

Duas respostas

O 25 de Abril comemora-se porque a História não tem um sentido linear e não há aquisições civilizacionais irreversíveis. As razões para comemorar o 25 de Abril não se encontram no nosso blogue, mas nos blogues neo-fascistas que proliferam na internet. Quem se ilude com o carácter «virtual» da ameaça leia aqui a notícia do relatório do SIS, afirmando que os movimentos neonazis e neofascistas, se ainda não constituem uma ameaça para a democracia, já o são para a segurança interna.
No 25 de Abril comemora-se não só a liberdade, mas também a aspiração a um mundo mais justo. Quem o disse foi um Presidente da República eleito sem o meu voto, Cavaco Silva, que, aqui, responde às interrogações existenciais do meu camarada de blogue.

terça-feira, abril 25, 2006

Alberto João Jardim e o “25 de Abril”

Os “donos” do “25 de Abril” têm andado muito indignados com o facto de Alberto João Jardim e o PSD Madeira terem decidido que não se fariam comemorações oficiais da “revolução” naquela região autónoma. Fazem mal – e não apenas por causa de declarações patéticas como as proferidas por Vasco Lourenço ontem à noite em Quarteira. Fazem mal porque dão o sinal claro de que ainda não perceberam para que é que, pensávamos todos, tinha sido feito o “25 de Abril.”
Eu explico: o “25 de Abril” foi feito para que, sobretudo, se tivesse a liberdade. Desde logo liberdade para do “25 de Abril” se poder dizer o pior possível. Do “25 de Abril” e de Alberto João!

Duas perguntas!

Porque é que se comemora o 25 de Abril?
O que é que se comemora no 25 de Abril?
P.S.: Quem é o cidadão boçal que está a fazer o discurso de comemoração do 25 de Abril na qualidade de deputado do Bloco de Esquerda?

segunda-feira, abril 24, 2006

Povo a tavola

Participei na sexta-feira passada, com todo o gosto, na anunciada mesa-redonda Weblogs: autor/editor. Como se pode confirmar pela foto palmada ao Adufe (e assinada por esta simpática homónima), a mesa não era realmente redonda. Mais importante que isso, a conversa também o não foi.
Como se cronicou no Espumadamente, para hora e meia de discussão o programa era ambicioso, pelo que o último tópico ("o uso de blogues na educação e no desenvolvimento do gosto pela escrita"), por manifesta falta de conhecimento dos meseiros e decreto misspearliano, foi liminarmente abolido. Os outros três ("a dicotomia autor/editor e a validação de conteúdos"; "os novos caminhos da informação e do debate"; "o uso integrado das tecnologias") foram abordados através de rondas sucessivas de perguntas (quase todas inventariadas no resumo postado no Além de Mim) feitas pela moderadora, a que acresceram, nos minutos finais, algumas outras vindas da trintena de pesssoas que compôs a assistência, esmagadoramente blogueira.
Não podendo reproduzir tudo o que se disse, parece-me correcta a afirmação genérica de que foi sobretudo da experiência autoral de cada participante que quem lá esteve pôde ouvir falar. João Villalobos referiu o Prazeres Minúsculos como um espaço colectivo de experimentação literária, como uma plataforma de publicação. Catarina Campos, do 100Nada, falou do prazer da escrita, e sublinhou o papel do seu exercício diário (que um blogue pressupõe) num consequente aperfeiçoamento. Francisco José Viegas, d'A Origem das Espécies, destacou a rede, essa dimensão de intersecção humana (de escrita, de leitura, de mobilização) que a blogosfera configura. Rui Branco, do Adufe, mencionou a participação cívica pela opinião, bem como as angústias que qualquer blogger pode partilhar com um escritor, como o receio do esgotamento criativo.
Falou-se também do imediatismo e do repentismo característicos do meio, tal como da alteração do processo de edição que muitas vezes acompanha o crescendo de protagonismo e número de leitores de determinado blogue. Os mecanismos de influência por meio de links, o papel da afinidade no processo de validação de outros blogues e a percepção de quem nos lê, foram outros dos aspectos tocados. Questões em aberto, pois, até uma próxima oportunidade. Aqui fica, de remate, o meu agradecimento à organização e à moderadora. Foi um belo fim de tarde.

E.U.A.: Dívida pública vs. Hegemonia

Paul van Eeden volta a falar do perigo que a dívida pública norte-americana representa para a economia dos Estados Unidos e passa em revista a evolução da mesma desde a Segunda Guerra Mundial. O que está em causa é a fragilidade actual da hegemonia norte-americana, algo que os entusiastas das intervenções militares ainda não parecem ter compreendido inteiramente (e nas suas desastrosas consequências). Ver aqui. Daí a conclusão: "Anyone who is not alarmed by the increase in US government debt is living with his head in the sand."

Sinais de fumo

Dornes é uma pequena aldeia em curta península que avança pelo rio Zêzere. Vale por si mesma, por causa da paisagem, do casario bem conservado e, especialmente, da capela. Ou como elemento de uma «rota dos templários», da qual outros pontos de interesse são Tomar e o Castelo de Almourol. Neste fim-de-semana, infelizmente não prolongado, andei por esta região. Fiquei bem impressionado não só com a beleza natural de alguns sítios, mas também com a oferta cultural. No convento de Tomar, por exemplo, estava em cartaz uma adaptação teatral de O Nome da Rosa de Umberto Eco. Nesta cidade ou na Sertã tropeçava em anúncios de exposições e de concertos. Estaria perante um exemplo das potencialidades do turismo em Portugal se não fossem os incêndios. Segundo o dono de uma estalagem, as animadoras vagas de turistas nórdicos sofreram uma quebra abrupta há quatro anos. Parece que a região foi mesmo excluída dos roteiros escandinavos. Contou o homem que, no ano passado, um casal de estrangeiros ia a entrar na estalagem e, vendo uma coluna de fumo a subir perto de Vila de Rei, deu meia volta. «Não há fumo sem fogo», terão pensado. Há sinais de fumo que valem por muitas palavras e muitas imagens.

sábado, abril 22, 2006

Peruca ou máquina zero?

Segundo o Times de Londres, citado hoje pelo Público, a Sra. Cherie Blair, durante a última campanha eleitoral para o Parlamento, gastou uma média de 400 euros por dia com o seu cabelo (ou terá sido com o seu cabeleireiro privado?) À partida nada de especial não fosse o facto da conta ter sido paga pelo Partido Trabalhista. As críticas vão chovendo, embora seja de prever que a vida de Cherie e de Tony prossigam como dantes.

Porém, a mim o que me intriga nesta história é o seguinte, embora um cavalheiro deva resistir a fazer este tipo de comentários: a Sra. gastou 400 euros por dia em cabeleireiro. Mas será que alguém alguma vez deu por isso? É que com um cabelo daqueles a mulher ainda não percebeu que as única alternativas são ou a peruca ou a máquina zero?

Chá com a Rainha


Aparentemente o sonho mais comum entre os britânicos, pelo menos quando respondem à pergunta em inquéritos, é imaginar que estão a tomar uma xícara de chá com a rainha Isabel II. (Sua Majestade acabou de completar 80 anos em óptima forma).

Um sinal de civilização, sem dúvida. E que me fez lembrar da nossa desafortunada princesa D. Catarina de Bragança, que em 1662 veio cá casar com o libertino Carlos II, e introduziu a moda do chá na corte inglesa. (Aparentemente o rei ofereceu-lhe uma cerveja para se recompor da sua longa viagem). Moral da história: não fossem os agricultores chineses, os navegadores e uma princesa portugueses, e os ingleses não poderiam agora sonhar civilizadamente em tomar chá com a rainha.

Ninguém dá uma mão ao homem?

O poeta, caçador, pescador, novelista, deputado, would be president, homem do milhão de votos e movimento cívico, fundador do PS, antifascista, vai dar hoje ao meio dia uma entrevista a Maria Flor Pedroso na Antena 1. Pelo que já se ouviu, vai ser só rir. A personalidade, além de ter recordado que Cavaco não é "comandante supremo do regime", ameaçou! Sim! Sim! Que Cavaco não se atreva, no discurso comemorativo do 25 de Abril, a chamar a atenção dos deputados por causa daquela que é a sua permanente e óbvia mediocridade. E, em particular, que não se atreva a criticá-los pela debandada da quarta-feira da passada Semana Santa. O nosso deputado podia dizer isto escudado no facto de ter lá estado ou de ter justificadamente faltado. Nada disso! Faltou para ir dar uma volta e ninguém tem nada que ver com o assunto. Não tem nada a justificar ou que justificar. Os deputados, diz ele, respondem perante o povo. Ninguém ajuda o dr. Manuel Alegre?

A Crise, Nós, o Governo e a Liberdade de Ver Futebol na TV

O Fernando naturalmente reagiu ao que escrevi, mas não me revejo nas críticas que faz a este meu poste. Previsíveis talvez, em todo caso aqui seguem os devidos esclarecimentos sobre o futuro da pátria e outros males maiores.

Se os homens fossem anjos não precisavam de governo, eis uma máxima plena de sabedoria. Nisso estamos de acordo. É a melhor resposta aos perfeccionistas. Aos que acham que nas empresas, nos sindicatos, nos clubes desportivos, nos blogues, se faz o melhor possível. Mas que no caso do governo só a perfeição basta, só o sucesso completo é aceitável. Portanto, eu não tenho problemas em criticar um governo do PS, que apoio, pela simples razão de que não espero que este ou outro qualquer seja perfeito. Dito isto, também me parece que há umas diferençazinhas na forma como governo e sociedade se relacionam, por exemplo, na Finlândia e na Guiné Equatorial, ou no Canadá e nas Filipinas, e que tal facto não será inteiramente estranho à diferença substancial no desenvolvimento desses países.

O Fernando e o Sérgio Figueiredo defendem que as empresas, os empresários, os trabalhadores produtivos precisam de mais liberdade e que isso resolverá os problemas da pátria. Volto a perguntar, o que é que isto significa na prática? Quanto custa, ou quanto beneficia o Estado, em termos do problema candente do deficit? Será que as empresas e o resto da sociedade civil já deram mostras de fazer uso da liberdade que já têm para salvar a pátria da crise? Tenho dúvidas. O que parece ser preciso é um repensar da forma como os cidadãos, as empresas, os sindicatos, em suma, a sociedade civil (como diz o vulgo) vê os problemas actuais.

O meu problema, aliás, não é que este governo dure. O meu problema é que governe bem. O meu problema é que Portugal comece a resolver os seus problemas económicos estruturais num período de crescente competição internacional.

Eu nunca disse que não há alternativa a Sócrates. O que digo é que não vejo qual ela seja. Algum partido anunciou as tais medidas de libertação e salvação da Pátria? Pelo que aqui me chega parece que o PSD e o CDS estão muito preocupados até com o impacto das reformas que já estão a ser feitas nos serviços públicos. Alguém defende despedimentos em massa na função pública? Isso é legal? Isso levará a uma quebra no deficit? (Suponho que teria da dar lugar a indemnizações). E independentemente do impacto social, qual seria o impacto no consumo e na recuperação da economia?

Sei também - lamento insistir numa verdade desagradável - que se este governo não conseguir inverter a tendência de crise financeira e económica estrutural (duas coisas cada vez mais ligadas), qualquer outro que lhe venha a suceder terá uma tarefa muito mais difícil. Ou alguém realmente acha, que um governo com um deficit ainda maior, e com crescimento menor, estaria numa situação mais confortável do que o actual?

Sei também que em países que passaram por dificuldades estruturais algo semelhantes – a Irlanda, a Dinamarca, a Finlândia, que, aliás, não adoptaram necessariamente o mesmo tipo de reformas – foi preciso, apesar de à partida serem mais ricos do que nós, um esforço conjunto de empresas, sindicatos, governo, partidos, para se fazerem reformas de fundo, captar investimento, apostar na inovação nativa.

O meu problema não é as empresas pedirem subsídios e os sindicatos pedirem aumentos nos salários. O meu problema é que praticamente só os vejo a fazerem isso. Ou quando muito a mostrarem “contenção”, uma palavra que diz tudo. E não vejo como é que isso casa com o tal apelo à liberdade económica como solução para os nossos males. Haverá excepções: mas, em regra, em Portugal o que falta, a todos os níveis, é planeamento estratégico. Quais são os objectivos de curto, médio, longo prazo, quais são os previsíveis imprevistos e como reagir a eles, quais os rendimento e quais os custos. Muitos empresários parecem viver para o dia de amanhã, ainda não perceberam que a economia tem ciclos e a recessão é tão normal como o crescimento. Muitos sindicatos parecem achar que a sua missão é negociar salários ou outras regalias, sem se preocuparem com mais nada, por exemplo, com esse pequeno pormenor de saber se a empresa ou o sector têm futuro.
Claro que o Estado tem de mudar, parece estar a mudar, e se não mudar o suficiente isso deve ser dito. Mas o problema é que tradicionalmente as críticas às reformas em Portugal servem para as deitar para o lixo e defender que tudo deve ficar como dantes, quartel-general de Abrantes! Um exemplo caricatural é o sindicato dos magistrados que chegou ao ponto de defender que precisava de mais férias para poder trabalhar mais! Mesmo que fosse assim, no caso de magistrados zelosos, isto era um “sistema” defensável? E isto de um sindicato que representa pessoas que só podem ser classificadas como parte da elite. Mas, mais importantemente ainda, é preciso perceber que não é só o Estado que tem de mudar!

Propor alternativas dá trabalho, mudar realmente ainda dá mais. Em países bem mais organizados e bem mais ricos do que Portugal, isso foi encarado como um esforço conjunto, que responsabilizou a todos. Em Portugal parece que anda tudo a assistir ao desempenho do governo como se estivesse a assistir a um jogo de futebol pela TV. É um direito: Deus-me-livre de Salazar! Nem me passa pela cabeça defender que toda a gente faça amen ao governo. Mas proponho algo bem mais difícil: começar a mudar as coisas, fazer propostas concretas. Mais liberdade? Parece sempre uma óptima ideia. Mas mais liberdade para fazer exactamente o quê?
PS - Vejo que um outro apoiante do governo (com que tive uma pequena pega recente) se mostra activo na tarefa de apontar caminhos concretos para fazer melhor no campo orçamental. É um princípio... Onde estão as mudanças ou as propostas de empresários, sindicatos, etc.?

sexta-feira, abril 21, 2006

O Princípio do Fim nas Palavras de um Crente


É interessante que um socialista como o Bruno comece já a desresponsabilizar o Governo por aquilo que não corre bem ou começa declaradamente mal na economia e nas finanças públicas em Portugal. Se as coisas andam tão mal, então a culpa é de todos – excepto do Governo. O Governo é bom! O primeiro-ministro não se fala! A culpa é dos portugueses que não percebem que o socialismo reformador está ainda para nos salvar! Melhor, para salvar aqueles que querem e/ou merecem ser salvos!
Poderei ser o primeiro a reconhecer que sem a cooperação da “sociedade civil” é tudo mais difícil. Mas os governos normalmente existem porque as sociedades e os indivíduos têm muito a mania de não colaborarem e de não fazerem aquilo que os Governos, bons ou maus, querem. Vá-se lá saber porquê, sempre foi assim! Exemplo deste equívoco do Bruno está no facto de achar que os trabalhadores não devem reclamar mais salários e os empresários mais subsídios. Que devem trocar os sacrifícios de hoje pelos “amanhãs que cantam.” Gostava que me dissesse onde é que as coisas são assim! Onde raio é que os trabalhadores abdicam pacificamente e gratuitamente do que consideram ser o seu direito a melhores salários. Da mesmo modo que os empresários estarão dispostos a abdicar de mais apoios públicos às suas empresas.Por outro lado, o Bruno também parece achar que em Portugal o Estado perde tempo e recursos a andar atrás de cidadãos incumpridores, por exemplo, em matéria fiscal. Eu, por mim, gostava de saber em que sítio do mundo é que as famílias ou as empresas pagam impostos voluntária e livremente. Alguém duvida que caso os suecos ou os americanos não soubessem que seriam fortemente penalizados por não pagar impostos iriam continuar airosamente a cumprir com as suas obrigações fiscais?
Finalmente uma palavra dizer que o Bruno acredita neste Governo e na bondade das suas políticas; mas acredita cada vez menos. Independentemente de achar que não há alternativa. Não ser que a alternativa ao socialismo reformador seja o próprio socialismo reformador. Que a alternativa a Sócrates seja… Sócrates! Onde é que eu já vi esta teoria de ou nós ou o caos? No Dr. Salazar ou no Dr. Marcelo Caetano? No Dr. Santana não foi com certeza. Valha-nos isso!

quinta-feira, abril 20, 2006

Autor, Editor

No âmbito das "Comemorações do Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor", realizar-se-á amanhã, na Biblioteca Municipal Central (Palácio Galveias) de Lisboa, pelas 18h30 (entrada livre), uma mesa-redonda dedicada ao tema "Weblogs: o autor/editor", com a participação de:

- Francisco José Viegas (A Origem das Espécies, Gávea)
- Catarina Campos (100nada, de vagares, Sociedade Anónima, Guilhermina Suggia)
- João Villalobos (Prazeres Minúsculos)
- Rui Branco (Adufe, Blogolento)
- Ana Cláudia Vicente (Quatro Caminhos, O Amigo do Povo)
Moderadora - Isabel Goulão (Miss Pearls)

A conversa abordará a dicotomia autor/editor e a questão da validação dos conteúdos; os novos caminhos da informação e de debate; o uso integrado das tecnologias ao serviço da criatividade; o uso de blogues na educação e no desenvolvimento do gosto pela escrita.

Jornais desportivos: Portugal 1-Inglaterra 0?


É verdade que em Portugal se dá demasiada importância à política dos clubes de futebol. E também é verdade que em Inglaterra, onde o amor ao futebol não é menor, não existem jornais desportivos. Mas isso é apenas porque têm algo pior: os tabelóides do tipo Sun que, a serem alguma coisa de substancioso em termos noticiosos, são jornais desportivos. Basta pensar na quantidade de primeiras páginas (frequentemente xenófobas) que dedicam ao assunto.

O presente e o futuro de Portugal: economia e política

O que parece faltar neste poste do Fernando ou no texto de Sérgio Figueiredo para o qual ele remete é algum princípio de real solução prática para a crise. A qual é financeira mas também económica e estrutural.
O editorialista do Jornal de Negócios quer uma nova liberdade económica para os que produzem. Mas o que é isto significa na prática? Despedimentos na função pública? Alguém acredita que a crise melhoraria, em vez de se agravar, com isso? Ou será de continuar a apostar e aperfeiçoar as reformas que o governo tem introduzido. Toda a gente a pagar menos impostos? Radicalmente menos impostos para empresas novas, e sobretudo em determinados sectores definidos como prioritários? Se a primeira possibilidade me parece impossível. A segunda poderá ser inevitável: Portugal precisa de mais investimento para crescer, e precisa de desenvolver de forma sustentada determinados sectores para evitar o espectro constante da deslocalização. Mas qual será o impacto disto no equilíbrio do orçamento? Alguém sabe? Alguém nos jornais, na sociedade civil, nas associações empresariais fez a contas para convencer o governo? Não está isto, em parte, já a ser feito?

Aquilo que alguns comentadores ainda parecem não ter percebido, nomeadamente nas críticas à falta de eficácia política de Marques Mendes - que mais parecem ser um apelo a uma oposição de direita destrutiva - é que se este governo cair antes do tempo e se não conseguir minimamente resolver os problemas que enfrentamos, a missão de qualquer um que lhe suceda será ainda mais complicada e a situação do país muito grave.
Não será tempo de analistas e actores políticos perceberem que não estamos a viver tempos de politiquice como de costume? Admito que possa haver uma perigosa tendência do governo para adoptar um postura defensiva: mas onde estão as alternativas constructivas?
Não será tempo de a dita sociedade civil, a começar pelos sindicatos e empresários, por sectores de actividade se forem capazes de se organizar para tanto, proporem as reformas ou as parecerias com o Estado necessárias para melhor a sua eficiência, capacidade tecnológica, marketing e design, capacidade de exportação, em vez de se entreterem a reclamar mais salários ou mais subsídios? A crise não é um problema para o governo resolver. É uma ameaça que devia responsabilizar todos.
PS - Desse ponto de vista esta iniciativa do Kontratempos parece-me exemplar. Mas o mesmo esforço de diagnóstico e melhoria devia ser feito também no sector privado. A crise, repito, não é assunto (apenas) do governo, é um problema de (des)organização geral.
PPS - Este outro texto sobre as desventuras de uma pequena empresária em Portugal é o perfeito exemplo do que está mal no país. As pequenas empresas inovadoras são um mecanismo essencial de modernização da economia - a Microsoft começou numa garagem - e de criação de emprego. Em Portugal ficam paralisadas pelos calotes e pela irresponsabilidade geral. Não há eficiência nem (mais) liberdade se o Estado tiver de andar a fiscalizar cada trabalhador e a cobrar cada dívida pendente.

Oito meses!


O auto-proclamado socialismo reformista que nos governa é incompetente para (quase) tudo. Mas é-o, desde logo, para pôr as finanças públicas na ordem reduzindo substancialmente a despesa e a dívida. Ontem, na TSF, um ignorante secretário de Esado tentava explicar, sem conseguir, que o relatório do Banco de Portugal em nada se preocupava com o estado da economia lusa e das respectivas finanças públicas. Teve de ser o "jornalista" especialista em temas de economia daquela estação "independente", Perez Metelo, a adiantar aos ouvintes porque motivo lhe parecia que as medidas do Governo em matéria de finanças públicas e de crescimento económico adoptadas nos últimos doze meses eram muito boas.
Sem saber, ou fingindo não saber, como é que o crescimento económico pode voltar - variável essencial para resolver o problema do déficite nas contas públicas - Sócrates hesita. Não tarda nada fica paralisado como a certa altura sucedeu com Barroso e com Guterres.
Sem crescimento económico que se veja e sem que o Governo mostre vontade e capacidade para pôr as finanças públicas em ordem libertando, ao mesmo tempo, socedade e economia, não faltará muito para que Cavaco Silva se veja obrigado a intervir. Questão de oito meses? Mas importante não é quando vai intervir! Importante é como o vai fazer!

Preconceitos sem preceito

O sectarismo, mas não a ignorânica, de certas dras. iluminadas dá e merece respostas como esta. Assim haja tempo, talento e paciência!

quarta-feira, abril 19, 2006

Golpe de Estado nos EUA


É o tema da Harper's de Abril. Tema mais apropriado, impossível. A revista reune alguns dos maiores especialistas em estratégia e história militar para discutirem a possibilidade de um golpe militar nos EUA: Andrew Bacevitch, que acabou de publicar um livro muito comentado sobre a militarização dos EUA, ou Edward Luttwak, autor de uma obra clássica para quem estuda golpes de Estado - Coup d’État : A Practical Handbook. Esta entrevista colectiva é um bom exemplo de como exercícios hipotéticos, como a história virtual ou contra-factual pode ser bem interessante no reflectir sobre a realidade passada e presente.

O tema é tão apropriado porquê? Porque as razões que os autores aduzem para justificar nunca ter existido um golpe de Estado nos EUA podem ser lidas a contrario como uma explicação de porque é que houve golpes militares em países como Portugal em 1974.

E porque se fica a perceber melhor o sentido (e os limites) da crise actual nas relações entre civis e militares nos States, dos ataques dos generais contra Rumsfeld. Como Bacevitch várias vezes diz: os militares americanos não precisam de fazer golpes porque aprenderam a utilizar a imprensa e a política para fazer pressão para obterem o que pretendem sem recorrer a esse custoso, arriscado, antiquado e afrancesado mecanismo do coup d'État - algo tão estranho aos costumes anglo-saxónicos que tiveram de recorrer a um estrangeirismo para lhe dar nome. (Duvidoso é, note-se, que este tipo de tácticas tenha grande sucesso, pelo menos imediato, com Bush). Há isso, e há facto, claro, de que os EUA são uma democracia consolidada e têm um exército altamente profissional.
(Uma versão alternativa sobre a ausência de golpes nos EUA - anti-americanista, certo, mas com piada, e significativa pela sua aparente popularidade na América Latina - é representada por uma piada que ouvi, quer a brasileiros, quer a peruanos: Porque é que nunca haverá um golpe de Estado em Washington? Porque em Washington não existe uma embaixada americana!)

Luttwak, o paleo-conservador ultra-céptico, no entanto, e pensando na possibilidade de vários ataques terroristas sérios, não deixa de perguntar: quantos desastres seriam necessários para tornar alguma forma de tomada de poder pelos militares conceptível, ou até algo visto pela maioria dos americanos como inevitável, e portanto popular? Afinal, argumenta, mesmo um grupo de amigos a acampar em alegres férias, ao fim de uns quantos desastres sérios e imprevistos pode transformar-se num bando de canibais!

Em suma, a não perder, mas não é para pessoas facilmente impressionáveis.

PS - Como extra ainda têm uma crítica de Saramago: o Ensaio sobre a Cegueira e a sua “implacable politics”.

Ouro passa os 500 euros

Ainda há poucos meses se comentava que a onça de ouro passara os 500 dólares; agora, estando já a mais de 620 dólares, acabou de passar os 500 euros (ver aqui). O que isto demonstra, obviamente, é que ambas as moedas estão a desvalorizar-se a olhos vistos. Cuidado com as "aplicações de papel"...

Publicado em L&LP, AP e CL

terça-feira, abril 18, 2006

18 de Abril de 1835

O mais antigo título de imprensa em circulação no país, o matutino Açoriano Oriental, faz hoje 171 anos. Não temos assim tantas hipóteses de assinalar o empenho teimoso de gerações de profissionais num mesmo projecto jornalístico, cá pelo nosso país. A longevidade não é virtude por si só, mas é condição indispensável para a criação de uma identidade reconhecível, de uma ligação afectiva e histórica ao leitor. Parabéns aos que o fizeram e fazem.

Almanaque do Povo

Um futuro sem Márcio nem Dona Bina?: Melancómico, de Nuno Costa Santos, acabou ontem.

Blogues novos, bloggers veteranos: A Cidade Vaga, de Miguel Cardina, ABC, de Paulo Pinto Mascarenhas, Ordem e Progresso, de José Boubon Ribeiro, Papagaio Morto, de Leonardo Ralha.

Polémica da semana: A "questão das velas", aberta para discussão no Quase em Português.

Minima Overdose: Nos últimos dois meses abriram mais umas boas mãos cheias de blogues vestidos com o famoso modelo branco de Douglas Bowman. Refiro-me aos sem-quitanços: mesma letra, mesma cor, mesmos tamanhos. É problema meu, ou a repetição incessante de um template dificulta consideravelmente a apreensão do que é singular em cada blogue?

[Reprodução: BND]

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Gnósticos e Sábato


Há muitos anos que a Páscoa televisiva se tinha tornado para mim sinónimo de dejà vu. Este ano vi a estreia do documentário da National Geographic sobre O Evangelho Segundo Judas. Logo, assinalo o acontecimento. Não me parece que o livro tenha grandes implicações teológicas ou seja sentido como uma ameaça à ortodoxia pela Igreja Católica, as outras igrejas cristãs e as religiões que reconhecem Cristo como profeta – a muçulmana, por exemplo. Tenho mais dúvidas e curiosidade em relação aos movimentos religiosos de nulo ou fraco enquadramento institucional geralmente designados por New Age. O impacto na produção artística, sobretudo literária, poderá ser significativo. A ideia não é nova. Lembro-me de ter visto, há uns anos, nos escaparates das livrarias, um romance sobre Judas. E esse era o tema de um projecto inacabado de Orson Welles.
O novo evangelho apócrifo insere-se na rica tradição gnóstica. As raízes do gnosticismo não se limitam ao cristianismo, estendendo-se ao judaísmo, neoplatonismo, hermetismo. O maniqueísmo foi um fruto tardio desta corrente heterodoxa e transversal a diversas religiões. A ideia base é que o mundo, a natureza, não foram criados pelo verdadeiro Deus, mas por um deus menor e decaído. Só um conhecimento interior, esotérico, permitiria romper as aparências e descortinar a via autêntica para Deus. Desde o século XVIII, o gnosticismo tem alimentado a literatura crítica da Razão e do Realismo. Embora Voltaire coloque na boca de uma personagem uma réplica gnóstica a Cândido - «acho que Deus abandonou este globo (…) a um ser maléfico», David Hume atacou violentamente esta corrente religiosa. O que não a impediu de inspirar grandes poemas de Blake ou o Moby Dick de Melville. No século XX, a influência gnóstica fez-se sentir em Herman Hess, Lawrence Durrell ou nos romances de ficção científica de Philip K. Dick. Jack Kerouac e Allen Ginsberg foram iniciados no gnosticismo pelo seu professor Raymond Weaver.
Carl Jung chamou aos gnósticos «psicólogos». Eric Voeglin identificou a pulsão gnóstica nas ideologias totalitárias. Harold Bloom encontrou na corrente a prefiguração de uma teoria literária: «Gnosticism was the inaugural and most powerful of Deconstructions because it undid all genealogies, scrambled all hierarchies, allegorized every microcosm/macrocosm relation, and rejected every representation of divinitiy as non-referential».
Ernesto Sábato é um grande escritor argentino que tem usado o gnosticismo na sua obra de ficção. Este autor-personagem, nascido em 1911 e doutorado em Física, trocou, após a Segunda Guerra Mundial e o escândalo do cogumelo atómico, o mundo das «coisas puras» pelo «mundo impuro das coisas humanas», a ciência pela literatura. Desde 1948 publicou apenas três romances: o relato de um homicida (O Túnel); a dissecação de um suicídio (Sobre Heróis e Tumbas) e digressões acerca do assassinato de um jovem no período da ditadura militar argentina (Abadon, o Exterminador). Da epígrafe deste último romance, tirada do Apocalipse Segundo São João: «E tinham por rei o Anjo do Abismo, cujo nome em hebreu é Abaddón, que significa O Exterminador.» Ecco.
ROBINSON, James M. (General Editor), The Nag Hammadi Library in English, s.l. HarperSanFrancisco, s.d.
SÁBATO, Ernesto, Abadon o Exterminador, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1981

segunda-feira, abril 17, 2006

Vital Moreira, a Igreja Católica e o Massacre de 1506

No melhor pano cai a nódoa. Uma pessoa que eu respeito, Vital Moreira, resolveu considerar que progrom de Lisboa de 1506 foi acicatado pela Igreja Católica. Gostava de saber exactamente no que é que se baseia para dizer isto. O papa apelou ao massacre? Algum bispo o fez? Afinal, os cristão-novos eram tecnicamente... cristãos. (Embora em 1497 tivesse havido bispos e padres que se recusaram a baptizar os judeus forçados a converter-se, por não poderem aceitar doutrinalmente tal conversão como válida).

Eu estou habituado às posições do papa (com algum sentido), de um ou outro bispo (com menos), serem logo qualificadas de posições da Igreja Católica. E quaisquer posições, mesmo que solidamente baseadas na teologia católica, de padres ou leigos serem vistas como não representativas.
É claro que o facto do Catolicismo se fazer pela união da diversidade, e de ser ao mesmo tempo muito variado mas também hierarquizado tem este preço. É claro que um católico erasmiano como eu, não pode estar à espera que posições católicas mais ou menos minoritárias e relativamente marginalizadas (mesmo que não formalmente excluídas) sejam aceites como as posições católicas (mesmo que seja com elas que se identifica).
Mas repito, exactamente no que é que Vital Moreira se baseia para fazer esta acusação? No facto de uns quantos frades e de uma parte do bom povo de Lisboa, que era realmente católicos, terem desencadeado o massacre contra os cristão-novos que aos olhos da Igreja nem eram judeus? As devidas autoridades religiosas católicas não apelaram ao massacre. O rei, que era católico, reprimiu ferozmente o sucedido.

Mas talvez ainda mais importante para as minhas convicções seja o facto de Vital Moreira falar da ocultação do acontecimento pela historiografia oficial. De novo, não sei muito bem a que se refere. O episódio é referido nas crónicas da época como um exercício exemplar do poder do rei. E não vejo o que seja a historiografia oficial na actualidade.

sexta-feira, abril 14, 2006

O Evangelho de Judas


Jesus disse-lhe, então: «O que tens a fazer fá-lo depressa.» […] Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu, porém, com que fim lho dissera. Alguns pensavam que, como Judas tinha a bolsa, Jesus lhe tinha dito: 'Compra o que precisamos para a Festa', ou que desse alguma coisa aos pobres. Tendo tomado o bocado de pão, [Judas] saiu logo. Fazia-se noite.
[João, 13, 33 ss.]
É assim que é contado o momento chave na vida de Jesus pelo seu discípulo dilecto. Mas será realmente João o apóstolo mais próximo de Jesus? Afinal até este relato canónico tem algo de ambíguo. Judas é um traidor, mas também desempenha um papel indispensável na missão providencial de Jesus. Há muito, portanto, que se discute o significado de tudo isto. Seria realmente o traidor um discípulo fiel, talvez o mais fiel de todos?

Eis que chega (com algum atraso) a aguardada versão de Judas. Depois de décadas de peripécias que quase destruíram os papiros em que resistira, escondido durante muitos séculos, o único exemplar conhecido do Evangelho de Judas, ele está agora disponível graças aos fundos milionários da bendita National Geographic Society. A qual evidente não caça apenas tigres mas também Evangelhos (e provalmente qualquer outra coisa desde que rara e excitante e dinheirosa).

‘Judas disse-lhe: “Mas de que me serve ter recebido [esse conhecimento]? Se me puseste de lado nesta geração?” Jesus respondeu-lhe e disse: “Tu serás o treze, e serás amaldiçoado pelas gerações [futuras] – mas serás tu que [no fim] reinarás sobre elas. Nos últimos dias amaldiçoarão a tua ascensão à Santidade’.
‘Jesus disse-lhe: “[Vem] para que te possa ensinar segredos que mais ninguém alguma vez viu. Pois existe um grande Reino sem fim, cuja extensão nem os anjos conhecem, em que vive um grande Espírito Invisível:
que olhos de nenhum anjo viram
que nenhum pensamento de nenhuma mente compreendeu
que nunca foi chamado por nenhum nome.'


O texto vem acompanhado dum bom enquadramento no contexto religioso do Cristianismo primitivo. Fica-se a perceber porque é que este evangelho gnóstico não poderia ter sido aceite entre os canónicos, ou seja, os quatro evangelhos seguidos pelas Igrejas Cristãs actuais. (Gnosticamente mais se dirá, aos escolhidos, em poste futuro).

Quem preferir uma leitura mais aventurosa (e menos recheada de notas e lacunas) pode ir directamente para The Lost Gospel. O livro em que se contam as peripécias de décadas em torno do Evangelho de Judas por três continentes. Desiludam-se, no entanto, os que estão à espera de conspirações de Templários, da Opus Dei ou da Maçonaria e dos Anciões do Sião. Só há mesmo traficantes de arte gananciosos nesta história do evangelho perdido.

Certo, certinho é que qualquer destes livros vale certamente mais a leitura do que os textos de um certo traficante de arte alheia e conspirações de pacotilha, de seu nome Dan, Dan Brown. (Consequentemente ele teve e terá muito mais sucesso).
[Imagem: The Taking of the Christ, cortesia www.queenart.com. Para ilustrar o Evangelho perdido de Judas nada melhor do que o quadro do beijo de Judas e da prisão de Cristo que até há poucos anos também era dado como perdido. Quem quiser entrar no habitual jogo - onde está o Caravaggio? - notará que o pintor se representou a si próprio na última figura da direita].

Por quem os sinos dobram


O Fernando Martins leu no meu post sobre o massacre de 1506 uma apologia das funções comemorativas do Estado e algum complexo de culpa transpirado. Eu é que certamente não me fiz entender pois, discordando do Fernando em vários aspectos, nestes até estamos próximos. Quando falei no Estado não estava a desvalorizar uma iniciativa da sociedade civil. Limitava-me a afirmar que a comemoração não fazia sentido apenas no contexto da memória de uma minoria. Todos os cidadãos que se identificam com um Estado de Direito garante de uma sociedade plural e da convivência pacífica entre diferentes etnias e vivências religiosas têm razões para comemorar o acontecimento. Uma universidade pública é Estado ou sociedade civil? E uma biblioteca pública? Seja como for, acho bem que universidades e bibliotecas, públicas ou privadas, além de associações e movimento espontâneos, comemorem o massacre de Lisboa de 1506.
Quanto ao complexo de culpa, não o tenho, como se depreende do comentário que fiz ao último post da Ana Cláudia Vicente sobre o tema. As vítimas de 19 de Abril de 1506 não eram, no sentido religioso e rigoroso do termo, judeus mas sim cristãos-novos. A entrada sobre «judeus» do Dicionário de História de Portugal de Joel Serrão não aborda o massacre precisamente porque o artigo termina com a expulsão dos judeus em 1496. Todas as vítimas eram baptizadas. A maior parte delas teria assimilado mal ou recusava interiormente uma religião imposta pela força. Algumas poderiam ser verdadeiramente católicas. Outras tão descrentes quanto se podia ser descrente no século XVI. Quem foram e são os descendentes das quatro mil pessoas assassinadas há quinhentos anos? Entre eles haverá pessoas que regressaram ou assumiram o judaísmo, católicos sinceros, conversos a religiões cristãs não católicas ou não cristãs, agnósticos e ateus. Não perguntemos se os sinos dobram por judeus ou católicos. Os sinos dobram por todos nós.

quinta-feira, abril 13, 2006

Irão nuclear?


O Irão já é uma potência nuclear!? Calma pessoal!
O progresso agora anunciado com estrépito era previsível depois dos iranianos terem abandonado a cooperação com a IAEM. O Irão consegue centrifugar? Pois, mas o que interessa é saber se consegue ter as milhares de centrifugadoras para produzir a primeira fase na produção de combustível nuclear para começar produzir material altamente enriquecido para uma bomba daqui a anos. A CIA achava há uns meses que só daqui a dez anos o Irão seria um potência militar nuclear (suponho que é disso que se está a falar) e outros peritos concordam. Pode ser que a CIA esteja só a tentar desviar Bush de mais este abismos. Mas mesmo os muito optimistas (ou pessimistas) falam em vários anos. E isto supondo que o Irão tem secretamente capacidades que desconhecemos ou consegue ajuda substancial de fora (Mas o Paquistão, a Índia ou a Coreia do Norte estariam realmente interessadas nisso?). Tudo para o Irão poder ter uma primeira bomba atómica, o que não fará dele uma verdadeira potência nuclear.

Porquê o anúncio iraniano? Precisamente porque os radicais nacionalistas em Teerão querem provocar um ataque americano ou mostrar a impotência de Washington. Sabem que ou uma coisa ou outra lhes convém.

Quem quiser por ler on-line o artigo de que toda a gente anda a falar de ambos os lados do Atlântico: Seymour Hersh na New Yorker avança com os vários planos que estão a ser discutidos em Washington para atacar o programa nuclear iraniano. Uma das possibilidade é usar bombas nucleares táticas contra os abrigos subeterrâneos e acções de tropas especiais (espero que não ao mesmo tempo). Claro que usar bombas nucleares (ainda que pequenas, ou apenas bombas com material radioactivo) para combater a proliferação nuclear não ia parecer muito bem, mesmo se militarmente é a hipótese com sentido.

As boas notícias? Parece que Bush não está a pensar numa invasão convencional do Irão. As más notícias? Bush acha que lidar com o Irão é a sua última missão. Vai ser o seu grande legado para a posteridade. Promete ser um legado de peso. Pesadíssimo mesmo. Sobretudo para o Iraque à beira de uma guerra civil total e para as tropas norte-americanas que por lá andam.

Joseph Cirincione, que é provavelmente o maior perito norte-americano em proliferação nuclear, está mais ou menos como eu: com um forte ataque de dejá vu. Tudo tão parecido com o Iraque! Os meus protagonistas, as mesmas conversas, os mesmos desmentidos vagos que não desmentem nada; e, sobretudo, o mesmo exagerar da ameaça, o mesmo exagerar da sua urgência, e o mesmo exagerar do envolvimento do Irão no terrorismo internacional nestes últimos anos. E o pior de tudo é que Cirincione está convencido de que isto só vai aumentar o empenho iraniano no nuclear como última defesa. Parece lógico, não?

O que é tudo isto nos interessa? Já imaginaram o preço do petróleo com uma crise destas às portas? Já imaginaram o preço do petróleo se o Irão retaliar criando confusão no Iraque e nos Estados do Golfo? A economia mundial em geral e a portuguesa em particular ficavam num estado pós-apocalíptico mesmo sem ataques nucleares.

Vale a pena citar Hersh a terminar: One former defense official, who still deals with sensitive issues for the Bush Administration, told me that the military planning was premised on a belief that “a sustained bombing campaign in Iran will humiliate the religious leadership and lead the public to rise up and overthrow the government.” He added, “I was shocked when I heard it, and asked myself, ‘What are they smoking?’” Que é como quem diz: o que é tipos andam a tomar? Não sei. Mas realmente estas ideias dos senhores de Washington só se percebem tendo por base alucinações, mas mais ideológicos do que farmacológicas.

quarta-feira, abril 12, 2006

Comemorações, massacres e outros problemas


Simpatizo com o apelo à memória de acontecimentos como o massacre dos cristão-novos de Lisboa em 1506. É importante recordar o bom mas também o mau da nossa história. Neste caso lembrar que a Inquisição Portuguesa não foi algo caido de pára-quedas. Correspondia a um anti-judaísmo entranhado e popular (que a sua criação procurava enquadrar e controlar, como explica Borges Coelho na sua obra). Claro que a real expressão desta hostilidade aos judeus é difícil de avaliar (não havia sondagens...). Mas basta recordar que quando o regente, futuro rei D. Pedro II, o Papa, o jesuíta António Vieira quiseram acabar com a besta, e realmente fecharam as portas do negócio inquisitorial no século XVII, logo houve manifestações populares em Lisboa aos gritos de "morte aos judeus, viva o rei D. Afonso VI!" (Afonso VI tinha sido recentemente deposto pelo seu irmão, o referido D. Pedro). Não demorou a que a Inquisição fosse restabelecida.

Pareceu-me sobretudo bem nesta iniciativa ela vir de fora do Estado. Sobre isto, e pegando no mote dado por Vital Moreira para se comemorar o transferência do governo português para o Brasil, em 1807, para escapar aos exércitos de Napoleão, diria mesmo mais. O Estado, para mais no aperto actual, só deve ajudar a pagar, se puder: ou divulgação científica de qualidade nas escolas primárias e secundárias (aproveitar as datas para ensinar alguma coisa); ou iniciativas académicas para publicitar e discutir as investigações em curso sobre estes assuntos. O resto: festas, propaganda, romagens, usos ou abusos políticos pode e deve ficar por conta de quem está interessado.

Há ainda um ponto importante. O Estado português tem de pedir desculpas por este massacre? Acho esta moda altamente duvidosa. Excepto quanto diz respeito a acontecimentos relativamente recentes e anteriormente negados oficialmente. (Por exemplo o massacre dos arménios na Turquia). O que é a culpa colectiva? Se as penas não prescrevem onde é que se pára? Será que teremos direito de exigir dos Italianos desculpas pelos massacres das legiões romanas? Será que a Argélia nos deve desculpas (e reparações?) pela captura de escravos em navios portugueses?

O progrom de Lisboa em 1506 é, a este respeito, um caso até mais claro do que o costume. O Estado português na altura, e na pessoa do rei D. Manuel I [que podem admirar no quadro à direita, vestido de vermelho, num dos seus casamentos], teve um comportamento exemplar na repressão dos culpados. (Até um bocadinho excessivo para os gostos de hoje). O que valeu ao monarca o cognome, entre a populaça lisboeta, de «Rei dos Judeus». Seria escassa redenção pela conversão a que forçou os judeus para os reter em Portugal, ao mesmo tempo que agradava aos seus sogros, os reis de Espanha, Fernando e Isabel, decretando o fim do judaísmo em terras lusas. Mas o que não se pode dizer é que o Estado tenha sido cúmplice daqueles dias sangrentos.

Silly Season!

Hoje acordei com a TSF – salvo seja – e com a notícia acerca de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que só se conhecem partes – não se sabe se curtas se compridas. O Governo e a Presidência ou falaram bem ou não falaram. Fazem bem. Não é que o acórdão não pareça uma coisa “obscena” como disse o dr. Mário Cordeiro no sempre embriagador fórum daquela rádio quase sempre comandado pelo dr. Manuel Acácio (o dr. Sampaio tê-lo-á condecorado?). Mas nestas coisas convém alguma prudência antes de andar com dislates inconsequentes. Quando se confirmar, se se confirmar, que a coisa foi como o Público e a TSF se apressaram a “noticiar”, talvez valha pensar reflectir sobre o Supremo, os Juizes do Supremo e a natureza jurídica e cultural do acórdão. De qualquer modo, convém recordar que mais vale um mau STJ independente do que um bom STJ dependente (como no tempo do dr. Salazar e do ponto de vista deste, está claro). Finalmente, não me canso de pensar, independentemente da bondade, ou não, do acórdão sobre a quem é que interessará pôr uma coisa destas – truncada – cá para fora. Logo quando em plena Semana Santa nos deparamos com uma pequena Silly Season. Agora, por favor, não batam em criancinhas, não as atem a camas e não as fechem em quartos escuros. Esta é a sério!

Aventuranças

O texto parece-me bem, mas também transpira um bocado a complexo de culpa. Parece-me que talvez valesse a pena insistir mais no Veríssimo Serrão, que neste particular não conheço, além de não possuir a sua volumosa mas sempre útil história de Portugal. Ainda sobre o Veríssimo Serrão convém recordar que, pelo menos, para a história de Portugal dos século XVI e XVII o homem sempre foi bom, mesmo que os historiadores de esquerda (socialistas?) raramente o reconheçam.

Por outro lado, nestas coisas de judeus, há sempre dois pesos e duas medidas. Os mortos judeus, vítimas de intolerância racial e religiosa, até ao Holocausto (inclusive) são sempre muito apaparicada, sobretudo se perpetradas por "ocidentais" (normalmente esquecem-se os russos e os polacos - estes menos, embora queira crer que nada tem que ver com o facto de serem católicos). Já depois do Holocausto, e sobretudo a partir da criação do Estado de Israel, as mortes de judeus já não vertem tantas lágrimas - eu diria mesmo que nem sequer uma décima. Alguém me explica? É que estou um bocado confuso com isto já vai para umas décadas.
P.S.: Discordo do João Miguel Almeida quando escreve que “Independentemente das respostas a estas questões, lamento que um Estado democrático, alicerçado nos valores do pluralismo e da tolerância, não tome a iniciativa de comemorar um acontecimento deste género.”. Confunde a nuvem com Juno. O Estado não tem que se meter, mesmo que não seja nem deva ser moral, ética, política e culturalmente neutro. A sociedade civil e as Universidades – nunca percebi se estas pertencem àquela – é que devem pôr as mãos na massa. Não puseram? Também não admira. Os nossos historiadores encartados parece que não percebem, nem querem perceber, nada do assunto. Devo ainda acrescentar que embora um acontecimento aparentemente excepcional na História de Portugal Moderno, estes massacres são uma relativa banalidade na história “Universal” – tanto à época como depois (já não digo antes). De qualquer modo proponho que se organize qualquer coisa sobre o assunto. Se tiver credibilidade académica de certo que a Universidade de Évora ajudará a pôr de pé o evento.
P.P.S.: Alguém me sabe dizer se o Jorge Sampaio já verteu uma lágrima por causa deste massacre?

P.P.S.: Sempre gostei do nosso D. Manuel I, rei que não pôde aprender muito para o exercício da coisa em tempos muito delicados e de mudança. Infelizmente a biografia do Venturoso publicada no Círculo dos Leitores no ano passado (João Paulo Oliveira e Costa) não faz inteira justiça ao homem. Por lá escreve meia dúzia de banalidades sobre o massacre em, também, meia dúzia de páginas (na verdade não mais do que uma e meia).
[Reprodução: Arqnet]