"Os que dizem que a educação é cara não sabem o preço da ignorância"
No pensar subjacente a esta perspectiva, não sei se destaque como mais exótica a espécie de inversão do ónus da prova pedagógica, se a persistente evocação do modelo finlandês. Quanto à primeira, a doutrina anti-retentiva resume-se a afirmar que não há nexo provado entre chumbo e recuperação, que é necessária uma mudança de paradigma que nos aproxime de uma escola já não de selecção mas de inclusão, e a deixar no ar a sugestão de que a progressão automática poderia sair mais barata ao Estado. Tudo aceitável num domínio reflexivo vago, menos a sugestão de menor custo de tal progressão, que carece de substância, especialmente quando olhamos para a experiência de países onde a dita existe há muito (seguramente não são de subestimar, por exemplo, e apesar do aumento de dotações orçamentais, os sérios problemas - como este, ou este, ou este - que o caso britânico, sob política afim da socrática, está longe de conseguir ultrapassar).
Quanto a propôr a aplicação em terras da nossa República de aspectos de uma arquitectura educativa criada num (e para um) país com uma cultura cívica como a finlandesa, nem fazendo figas para que factos como os aqui contados se evaporem de Portugal da noite para o dia tal ideia se afigura de um optimismo menos temível. Clarificando: a erradicação do chumbo garante em si mesma alguma coisa que não uma ascensão em rankings internacionais? Não. A sua implementação em Portugal seria o fim do sistema educativo? Também não. A questão é que é insensato apresentá-la assim aos portugueses, como forma pretensamente simples e barata de resolver um problema tão complexo como o do sucesso académico em Portugal, porque não o é. A retenção mantém-se entre nós porque é um sinal socialmente inteligível de mostrar aos principais interessados e motores do processo (convinha não esquecer: os alunos, não os professores) que não estão ao nível esperado, que têm de fazer mais, e um dos poucos instrumentos consequentes de diferenciação (potenciando o trabalho com grupos um pouco mais homogéneos) de ritmos de aprendizagem. Há hoje já diferentes curricula, expedientes questionáveis de gestão há muito que os há (escolas que empurram alunos para outras escolas, desenho de turmas 'boas' e 'más', etc.), mas para sequer se pensar na implementação da progressão automática, "mais trabalho" e "diversificação das estratégias de recuperação" não chegam nem de perto. Teria de haver muito mais que isso: revisão da carga disciplinar, tutoriais, simplificação de procedimentos administrativos, alteração do conceito de turma, personalização do currículo e revisão dos tempos de avaliação. É muito mais urgente o desenvolvimento de uma cultura de estudo do que a subida num raio de um top qualquer. Não podemos queimar etapas, temos de carrear para o Básico o que realmente é básico. O desenvolvimento das tão faladas competências (a propósito, Palmira F. Silva escreveu há dias um post de antologia sobre as orientações ministeriais para a avaliação da aprendizagem da Química no Ensino Básico) de pesquisa, selecção, argumentação, contextualização, crítica, não acontece sem o domínio do cálculo, da leitura e escrita, passando pela memorização e repetição de dados, de factos, suplementados por tecnologias de informação. A educação custa, pois. Não custa é apenas dinheiro.