Agora que se aproxima o 5.º aniversário do 11 de Setembro, sucedem-se os comentários, as análises, as opiniões, as recordações e evocações daquele fatídico guia que o Economist se apressou a classificar como de mudança para o mundo. Não vou agora discutir se assim foi ou não. Por mim, e antes de dar uma resposta, prefiro esperar 25 a 30 anos como é normal e sensato que façam os historiadores. Aguardemos, portanto, pelo dia 12 de Setembro de 2026. De qualquer modo convém dizer que tendo mudado o mundo ou não, como o mudou a Revolução Francesa, a Grande Guerra, a Revolução Bolchevique ou a Grande Depressão, o 11 de Setembro de 2001 mudou ao menos a política externa e a política de segurança interna dos EUA e da Europa, nomeadamente da União Europeia. Sobre segurança interna sobre a Europa não falo agora nem sei se alguma vez falarei.
Quanto às mudanças na política externa americana provocadas pelo 11 de Setembro, convém talvez recordar que tal apenas se deu pelo facto dos atentados perpetrados naquele dia terem sido, de facto, contra o Ocidente e os EUA e aquilo que eles significam para os seus autores e para as vítimas em termos civilizacionais. Pela sua natureza, mais do que pela sua espectacularidade, natureza ratificada pelas declarações de Bin Laden imediatamente a seguir, os atentados obrigaram a Administração Bush a regressar activamente ao mundo quando o seu principal objectivo político inicial tinha sido recuar para posições mais consentâneas com os seus interesses. Condolezza Rice tinha aliás, num artigo publicado na
Foreign Affairs, salvo erro na Primavera do ano 2000, afirmado que a política externa norte-americana, no caso de vitória republicana nas eleições, implicaria a sua submissão a interesses bem definidos, parecendo estar excluídas intervenções políticas e militares extemporâneas prosseguidas ao sabor dos caprichos de uma parte da opinião pública internacional e dos seus aliados, nomeadamente os europeus. Na altura, os desafios principais à segurança norte-americana parecia residir no Pacífico – China e Coreia do Norte –, ao mesmo tempo que se desvalorizava a importância da Europa enquanto parceiro político e militar dos EUA.
O 11 de Setembro fez portanto com que a política externa americana de uma Administração republicana - por acaso a de George W. Bush - tivesse de redefinir toda a sua estratégia. De uma posição expectante e favorável a um isolacionismo moderado, a nova Administração viu-se perante uma guerra que lhe foi declarada por um indivíduo e uma organização no dia 11 de Setembro de 2001. Uma guerra que entrava pela América dentro, recorde-se, também pelo facto da Administração Clinton não ter podido ou, eventualmente, não ter querido resolvê-la - atemorizada pelos elevados custos políticos que comportava e pela fragilidade interna que os sucessivos escândalos ajudaram a produzir.
O resto da história é conhecida. A opinião publica internacional - com excepção de boa parte da islâmica - apoiou a iniciativa militar dos EUA e dos seus aliados no Afeganistão. Não tivesse o choque sido grande e inesperado e os norte-americanos e os seus aliados rápidos na resposta, é óbvio que as manifestações que tiveram lugar mais tarde contra a invasão e a ocupação militar do Iraque teriam acontecido antes, sendo provável que se tivessem louvado nessa altura tanto a bondade dos talibãs (que seriam comparados favoravelmente com os aliados sauditas dos EUA), como o direito do Afeganistão e dos seus povos a viver em paz, clamando-se tanto a natureza incivilizacional da guerra como as infinitas vantagens e o carácter inato ao homem e à mulher tanto da paz como do pacifismo.
Ainda o episódio Afeganistão não tinha acabado - como ainda não acabou - virou-se a Administração Bush para o Iraque. Evocando o apoio de Saddam Hussein ao terrorismo islâmico e a posse pelo regime a que presidia de “armas de destruição maciça”, assim como a necessidade de libertar o Iraque democratizando-o, criando a partir daí um foco de contaminação democrática na região, os norte-americanos regressaram política e militarmente ao "idealismo" do presidente W. Wilson que afirmara significar a entrada dos EUA na Grande Guerra em 1917 a transformação daquele conflito numa luta pela imposição da democracia e da autodeterminação dos povos - mesmo que parte da retórica fosse uma resposta à propaganda bolchevique na Rússia recém e ainda parcialmente submetida a uma grande revolução proletária. A intenção americana, britânica, espanhola, mas também de outros aliados europeus - e não só - de levar a guerra ao Iraque - país que como se sabe vivera em paz e tranquilidade absoluta, interna e externamente, desde o primeiro dia da década de 1980 - não apenas foi vista e sentida por todos aqueles que se lhe opunham como um insulto aos "árabes" mas, sobretudo, demonstrou à exaustão que os americanos estavam praticamente isolados não do mundo mas no mundo. Os seus aliados mais poderosos na Europa continental - RFA e França - viraram as costas ao amigo americano por razões variadas que não importa agora enumerar. No mesmo mundo ocidental sucederam-se manifestações anti-guerra. Nestas, e ao menos para mim, a principal diferença em relação àquelas ocorridas aquando da intervenção militar norte-americana e europeia nos Balcãs quando os EUA eram conduzidos pela Administração Clinton, estava apenas no facto das manifestações anti-guerra no Iraque contarem então com a presença daqueles que tinham louvado acriticamente a intervenção militar americana na Europa por ter sido planeada e executada por uma Administração democrática. Ou seja, muitos europeus repercutiam na sua opinião acerca da bondade ou não de uma intervenção militar no Iraque a forma como liam política e ideologicamente a Administração Bush. Comportavam-se como cidadãos do império americano que ora apoiavam ou não uma guerra consoante não a bondade desta mas o perfil político-ideológico daqueles que a propunham e executavam. Tornara-se óbvio que caso tivesse sido uma Administração democrática a levar as suas tropas para o Médio Oriente para derrubar Saddam, uma boa parte da opinião pública europeia e internacional teria reagido de outra maneira, apoiando a intervenção, independentemente dos pretextos evocados. A invasão correu como correu. A ocupação como sabemos. A opinião pública norte-americana que reelegeu George W. Bush fustiga-o agora nas sondagens. Quase que já se perdeu a conta ao número de mortos - a maior parte deles provocados por actos terroristas perpetrados por sunitas contra xiitas -, os EUA parecem ter-se envolvido num imbróglio político-militar e estratégico idêntico ao do Vietname, enquanto os observadores, na sua maioria, tendem a considerar que tudo não passou de um erro com enormes proporções, embora normalmente nunca digam qual teria sido a alternativa na altura da preparação da invasão e da sua execução, sobretudo quando a ideia de levar a guerra ao Iraque já tinha sido levantada seriamente por Clinton dado o impasse insustentável a que chegara a situação na região. Tenho pois para mim que uma invasão do Iraque era não apenas desejável como inevitável – apenas a data poderia ter sido outra e a ocupação planeada e, sobretudo, executada de outra forma.
E nesta altura em que a Administração Bush, a meio do segundo mandato, dá provas de ser capaz de reagir e repor-se nas sondagens, nomeadamente recordando aos cidadãos norte-americanos que o país está de facto em guerra e que o pacifismo que de repente toma oportunisticamente conta das hostes democráticas significará a catástrofe, eu aproveito para deixar aqui as minhas críticas à Administração Bush, ao mesmo que tempo que relembro - a todos - que ainda é cedo para avaliar a invasão do Iraque e a sua ocupação.
Terminada a guerra, faltou à Administração Bush conseguir impor a rendição incondicional dos iraquianos em termos idênticos àqueles que tinham sido impostos por Washington aos Confederados no fim da guerra civil americana, aos alemães na Primeira e Segunda Guerra Mundial, e, sobretudo, ao Japão também no fim do segundo conflito mundial. Mas além da rendição incondicional do Iraque houve duas opções que foram ignoradas pelos EUA e que se prosseguidas teriam produzido resultados capazes de reduzirem significativamente os custos da guerra. A primeira, e mais importante, teria sido levar a guerra à Síria destruindo não apenas uma ditadura sanguinária e impopular mas, sobretudo, para ocupar e destruir importantes santuários do terrorismo islâmico no Líbano e no Iraque, ao mesmo tempo que seria aliviada a pressão sobre Israel. Mas as virtudes da ocupação da Síria não ficariam por aqui. Elas teriam reduzido muito significativamente a agressividade iraniana, percebendo as autoridades do país como seriam grandes as possibilidades do Irão poder vir a ser vítima do poderio militar norte-americano. Finalmente, uma derrota da Síria teria significado o alargamento a este país charneira do processo de democratização do Médio Oriente que sustentou a intervenção militar norte-americana no Iraque.
A segunda opção deveria ter passado pela reprodução no Iraque (e na Síria) de uma ocupação militar com um muito maior número de efectivos, na linha do modelo utilizado na Alemanha e no Japão a partir de 1945 (neste último caso tendo agido os norte-americanos sem apoio de terceiras potências). Sucede que no Iraque os EUA estão tomar uma atitude que se assemelha muito mais à experiência histórica da "reconstrução" do Sul nas décadas de 1860 e 1870 do que aquela que foi a sua atitude na Alemanha e Japão. Na
"reconstrução" do Sul o poderio militar reflectido numa vitória em toda a linha e numa indiscutível superioridade moral, política, económica, social e tecnológica da União, a par de uma planificação da ocupação que passava pela imposição de instituições democráticas não racistas, acabaram por soçobrar perante uma resistência objectivamente débil mas que contou, acima de tudo, com a cumplicidade daqueles que pelas mais variadas razões condescenderam não cumprindo aquela que era a vontade e a necessidade de se impor uma nova ordem. Por isso tiveram os norte-americanos, e em espacial os afro-americanos, que esperar cem anos e pela presidência desse notável, ao menos neste aspecto, presidente que foi
Lyndon B. Johnson.
Cinco anos depois do 11 de Setembro, com ataques terroristas quotidianos no Iraque, com a agressão militar de grupos terroristas xiitas a Israel, com vários ataques de terroristas islâmicos em vários pontos do globo - da Indonésia ao Reino Unido, da Índia a Espanha - o excesso de confiança, o deficiente planeamento de ocupação, além da tentação de se passar a ser pomba quando ainda era tempo para se ser falcão – não se invadindo nem ocupado a Síria -, não se pode deixar de olhar com alguma apreensão para o trabalho entretanto produzido pela Administração Bush. Cinco anos depois dos ataques terroristas em Washington D. C. e em Nova Iorque.
De qualquer modo, em 2026 estar-se-á em muito melhor posição analisar e avaliar o impacte dos atentados de 11 de Setembro de 2001 na história dos EUA e das regiões de onde esse mesmo terrorismo, não apenas simbolicamente, irradia.