Ao contrário do João Miguel Almeida, felicito-me por nunca ter ido a Marrocos. Basta-me a miséria portuguesa e, por isso, quando viajo, o que raramente acontece, tento ir para o pé dos mais ricos ou remediados do que nós a ver se aprendo qualquer coisa (o que não quer dizer, vá lá, que só se aprenda com os ricos). Apesar de sempre ter vivido lado a lado com a pobreza, sempre a detestei e ainda a ela não me habituei. Acho que se devia acabar com a pobreza. Fujo dela sempre que posso e, por isso, só irei a Marrocos quando o seu PIB per capita for maior do que o português (o que sucederá, talvez, daqui por uns 10 ou 20 anos).
Quanto ao post do Bruno (acima linkado), sempre o felicitaria por ter demonstrado para além de qualquer discussão que a guerra não é política (declaração do maior interesse) e por criticar os americanos por não negociarem – embora, ao mesmo tempo, reconheça que, tal como os israelitas, têm andado afinal a fazê-lo, ao menos, com o "Hizballah" (como, aliás, sempre negociaram e negoceiam com o Irão). Quanto ao facto dos EUA serem um império, não me parece que tal passe apenas pela cabeça dos neo-conservadores, a não ser que, por exemplo, o já o desaparecido presidente Wilson também o tivesse sido. O problema é saber de que império falamos quando falamos de império (e de imperialismo). Por exemplo, durante a guerra fria era preferível o império soviético ou o império americano? E um e outro foram construídos com base nos mesmos pressupostos político-ideológicos? É claro que o imperialismo americano era considerando absolutamente insuportável por toda a América Latina, mas ao mesmo tempo “toda a gente” na mesma América Latina tentava emigrar o mais que podia para os EUA. Já para muita gente na Europa Central e de Leste teria sido preferível a continuação do domínio nazi (outro império) ao advento do imperialismo soviético. E já agora perguntaria: os sistemas internacionais de estados tendem a ser mais estáveis quando existem impérios ou antes pelo contrário?
No que respeita à negociação com terroristas árabes que Mário Soares advoga mas da qual o Bruno heterodoxamente discorda, devo dizer que ainda me espanto com a razão que terá levado esse homem superiormente coerente que é, foi e será o Dr. Soares a não negociar, como chefe do Governo do Bloco Central, com as FP25? Não o deixaram? Não eram terroristas? Andava distraído? Não tinha pensamento sobre o assunto? Logo o Dr. Soares que se caracteriza, de facto, por aceitar negociar tudo com toda a gente (ou quase) deixou que desmantelassem as FP25 e pusessem aquela gente toda na prisão (talvez tenha sido assim para depois andar a promover a sua amnistia). Mas a verdade é que o Dr. Soares negociou com toda a gente. Com Cunhal antes e depois do 25 de Abril e não se teria importado de negociar com Salazar ou com Marcelo Caetano caso estes o tivessem consentido. Segundo Rui Mateus, num livro proscrito, passou grande parte da sua vida política a negociar com uma certa Europa. Quis negociar com o PSD a sua ascensão à presidência da República em 1984 e 1985, como negociou com Paulo Portas o início de uma campanha de terrorismo político no Independente contra Cavaco primeiro-ministro (essencialmente por este não ter querido negociar com Soares a presidência da República). Aliás, e segundo consta, o Dr. Soares contínua convencido de que António José de Almeida devia ter impedido, pela negociação – confesso que não sei com quem, mas presumo que com a Igreja Católica – o fim da I República. Resumindo, e como se pode ver, e honra lhe seja feita, o Dr. Soares pode não ser muçulmano, mas sempre viveu imbuído daquele espírito de comerciante árabe que faz a sua vida no bazar. Aliás para o Dr. Soares a vida e a política – para ele as duas coisas confundem-se – são um enorme bazar. Tudo se compra, tudo se vende, tudo tem um preço. Para lá chegar só importa regatear.
3 Comments:
Caro Fernando
Eu não critico os EUA por não negociarem. Quando muito por nisso, ou em quase tudo, terem seguido uma estratégia errática. Uma estratégia que não faz qualquer sentido se o objectivo era combater a al-Qaeda.
Eu não me oponho a negociações com terroristas árabes em geral: os guerrilheiros e terroristas iraquianos, por exemplo, são árabes. Apenas me parece difícil fazê-lo no caso da al-Qaeda porque, tal como as FP-25, têm objectivos e interesses que são completamente incompatíveis com os interesses das democracias ocidentais. Mas é evidente que acho que isso é perfeitamente discutível. Uma luta inteligente contra o terrorismo exige debates de qualidade.
Quanto ao império americano é relevante que os neo-conservadores tenham invertido uma forte tendência na história norte-americana para rejeitar essa etiqueta. Isso corresponde a um desejo de transformar uma hegemonia negociada
e auto-limitada num poder que impõe a sua vontade a amigos e inimigos.
Os sistemas imperais são mais ou menos estáveis? Desde logo depende do tipo de hegemonia. Uma hegemonia agressiva é altamente instável levando a formação de coligações para contenção desse poder e a desgastadoras revoltas na periferia que se procura submeter à bruta. (Como se vê).
Quanto a Mário Soares e ao seu génio político aconselhava o Fernando a ler biografias de Churchill ou de Gaulle ou de Roosevelt para perceber que os políticos de bazar são a benção das democracias.
Graças a Deus (bismillah) tínhamos um político de bazar na Casa Branca - Kennedy - quando da Crise dos Mísseis de Cuba, se não provavelmente não estávamos aqui hoje.
Bruno, até Salazar se fartava de negociar. Estaline também negociu, e mesmo Hitler nem sempre voltou a cara à negociação. Veja-se Munique e o Pacto com a URSS em Agosto de 1939. A negociação é a essência da política não é a essência da democracia. Disse-o, entre outros, esse grande democrata chamado Bismarck.
O problema não está em negociar. O problema está no que é que se negoceia, com quem se negoceia e comó é que se negoceia. Negociar como estratégia não está condenado a ter êxito, nem define o carácter de um político ou a bondade de uma política - já para não falar de um regime político. Por isso é que, por exemplo, e no fim, nem Roosevelt, Churcill, nem de Gaulle negociaram com o Eixo. A rendição era incondicional ou não era nada.
Quanto à questão da "hegemonia" é óbvio que concordo contigo. No meu post deixava-te espaço para entrar por aí e brilhar!
Suponho que ninguém gostará da pobreza, mas parece-me que ignorá-la é ignorar 2/3 da Humanidade, 2/3 esses que não serão todos pobres da mesma forma. Teria muito gosto em que viajasse por MArrocos passando os olhos pelo meu blog (Dúplice - viagens e quotidiano).
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