A Laura trabalha em casa do meu pai e está lá interna; faz-lhe companhia e trata de tudo. É brasileira e já passou os 50. Veio directamente da sua vila perdida no interior de Minas Gerais e nem Belo Horizonte conhece. Nunca tinha visto o mar. Perdeu tudo lá e quer fazer um pé-de-meia para ter uma reforma. Não sabe ler uma única palavra e só consegue escrever o seu nome. Está profundamente convencida que Deus rege os mais ínfimos pormenores da sua vida e as grandes rodas da máquina do mundo. Pelo salto que deu do seu mundinho para o Mundo, por aquilo que conta, por aquilo que vejo, acho que é uma das pessoas mais corajosas que já conheci. Ontem fez um pão caseiro que era uma autêntica obra de arte cujo aspecto só o seu sabor era capaz de bater. E eu, que não sei fazer pão, que nunca dei mostras de uma coragem daquelas e que tenho uma fé muito arrumada e conceptual, dou comigo a pensar se o género humano da Laura não é o sal da terra, o barro de que se fez a humanidade capaz de vencer a adversidade, aquela faúlha tosca, mas vital, que nos conduziu até aqui. É como se, de repente, olhasse para trás e visse os que me antecederam. E não estranho só a proximidade ou a possibilidade de uma "reversão". Questiono-me se somos melhores. E respondo-me que não.
P.S. Grande parte do que aqui digo é extensível às antecessoras da Laura: a Irina (uma russa da Sibéria), a Vera e a Elzenir (Di), ambas brasileiras, mas mais urbanas.
4 Comments:
E está em situação legal, a Laura?
Ou é um daqueles casos que a lei portuguesa torna tão difícil e tão caro legalizar, que mais vale esquecer?
Luís Lavoura
Não conheço a Laura mas conheci e conheci muitas outras Lauras. Estou totalmente de acordo com aquilo que dizes, com o teu cepticismo esclarecido. Exclente texto!
Visito pela primeira vez esta página, mas formalmente apreciei e fiquei agradado pela sua qualidade e interesse, numa temática multidisciplinar. Para revistar sempre e mais vezes no futuro. Parabéns.
Obrigado!
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