Idiota, como se sabe, é o titulo de um dos mais notáveis e discutidos romances de Dostoyevski. Escrito enquanto o autor deambulava pela Europa fugindo aos seus credores russos, conheceu várias versões. Neste romance o «idiota» (o príncipe Lev Nikolayevich Myshkin), mais do que agir, contempla, mais do que dar, recebe. No fundo, o «idiota» é «idiota» pela sua ingenuidade, inocência, simplicidade, sabedoria cordial, amor compassivo. O idiota era, ou foi, para Dostoyevski, o exemplo da perfeição moral.
Ontem (Sábado), no
Público, Vasco Pulido Valente preencheu a sua coluna em torno da discussão (“Uma Discussão”) que parece interessar meia população mundial e que diz respeito à natureza evidentemente idiota do carácter de George W. Bush. Para Vasco Pulido Valente, como para muitos daqueles que consideram Bush idiota, o idiota é aquele que faz muitas coisas, todas elas mal e com consequências dramáticas para um grande número de pessoas. Isto tudo por causa da indiscutível responsabilidade de George W. Bush na adopção pelos EUA de políticas que, resumindo, tratam de enfraquecer a América e tornar mais instável e inseguro o mundo. Numa palavra, tudo aquilo que de mais importante tem corrido mal no planeta Terra desde Setembro de 2001 se deve a actos ou medidas postas em prática pelo ex. governador do Texas. Para que se perceba aquilo que Vasco Pulido Valente quer dizer e a quem se refere quando chama idiota a alguém, lá trata de relembrar que idiota é aquele que, como Napoleão ou Hitler, Salazar ou Lyndon Jonhson, se mete a fazer coisas, a executar políticas que acabam mal porque são arrojadas, deslocadas, irrealistas, megalómanas. Sê-lo-ão aliás tanto à luz da análise histórica como aos olhos daqueles que a seu tempo apelaram ao imobilismo, à ponderação, ao “realismo.”
Tem toda a razão Vasco Pulido Valente no seu juízo, bem como aqueles que criticam Bush chamando-lhe idiota por ter aceitado o conselho daqueles que acharam ser opção sensata e necessária intervir militarmente no Iraque para, dessa forma, democratizar não apenas o território invadido mas, depois, uma boa parte do Médio Oriente. Em primeiro lugar, o singelo objectivo de democratizar é mau e idiota. E, sobretudo, democratizar impondo a democracia pela força das armas é ainda mais idiota. Como sabemos nunca democracia foi imposta pela força das armas no passado. E quando se tentou fazê-lo – como consequência de intervenções militares externas, de guerras civis, de revoluções – fracassou-se sempre. A democracia, dos EUA à Europa Ocidental, do Extremo Oriente à África do Sul, do Brasil ao Chile, nasceu sem excepção, e como se sabe, de geração espontânea uma vez que, como também se sabe, as sociedades evoluem quase directamente, sem percalços de maior, da tirania para a democracia. Aliás, o que foram senão idiotas homens como George Washington ou Thomas Jefferson? Lutaram pela independência das Trexe Colónias? Que disparate! Não era óbvio que iam perder? O que foi Winston Churchiil senão um idiota? Onde já se viu fazer com que a Grã-Bretanha e um império semi-esfarrapado e impreparado para a guerra continuassem praticamente sozinhos uma guerra com a quase generalidade do continente Europeu entre Junho de 1940 e Junho de 1941? Os realistas, os “velhos do Restelo” da altura, é que tinham razão quando começaram a pressionar seriamente Churchill e os seus incondicionais para que se iniciassem negociações com Hitler. Afinal, não apenas a guerra estava perdida como era um sonho quimérico pensar que a Europa, ao menos em parte, podia e devia ser subtraída à Alemanha, restaurando Estados, Governos e liberdades literalmente engolidas pelo avanço do fascismo e do nazismo – tanto na frente interna como externa. E Pitt, o jovem Pitt, que foi senão um idiota? Não teria sido melhor para ele, para a Grã-Bretanha e para a Europa, meter a viola no saco e deixar tudo a Napoleão e à França. E Reagan na década de 1980? Outro idiota chapado, sempre com aquela conversa de que a União Soviética era não apenas o “império do mal” mas que, sobretudo, seria um dia derrotada numa guerra “fria” que durava há já mais do que três décadas. A afrontar os soviéticos, a propor essa idiotice que foi a “guerra da estrelas”, sempre a sublinhar a superioridade moral da democracia sobre o comunismo. Idiota chapado!
Eu não vou ao ponto de dizer que George W. Bush não é idiota. O que me parece óbvio é que os “idiotas” são muitas vezes, têm sido muitas vezes, os únicos defensores consequentes de uma ordem ou de um sistema de valores da qual os “realistas”, os “lúcidos”, os “inteligentes”, os “velhos do Restelo” dependem mas que nem por um minuto parecem perceber como se preserva, como se construiu e como se conquista.
2 Comments:
Não é idiotisse nenhuma... Não é uma prioridade mas é uma consequência...
Pergunte-se aos Curdos se não estão contentes com George W. Bush? Em vez de fazer a mesma pergunta a idiotas da pseudo-esquerda ocidental...
Muito bom artigo senhor Fernando Martins. Há uma pequena parte em que não estou de acordo consigo - detalhes...
Mas amanhã, para comemorar as bodas de bronze do 11 de Setembro mando-lhe as minhas cogitações sobre o assunto, ok
a "pseudo-esquerda"... quer dizer que a esquerda "verdadeira" acha o Bush um idiota simpático?
é estranho que recentemente o pessoal que se aborrece com a pretensão de alguns em armar-se em guardiões disto e daquilo, deu em pretender determinar o que é a esquerda "verdadeira" e a "pseudo".
De qualquer forma é uma discussão irrelevante. Não será idiota, mas é estúpido que nem uma porta.
quanto ao resto... perguntar a um curdo se está contente com o Bush... talvez seja essa a recompensa... deve ser bom um sujeito acordar de manhã e pensar: porra, todo o mundo me despreza mas há um curdo contente comigo. Até um javardo como o Bush precisa de redenção, e aí está o curdo...
Enviar um comentário
<< Home