Contras e Pró
O José Pacheco Pereira informou-nos que no Mundo Islâmico, de Marrocos ao Afeganistão, a condição da mulher tem piorado devido ao flagelo do fundamentalismo. Não sabia. No Iraque e no Afeganistão provavelmente sim, como resultado da subida ao poder dos islamistas aliados dos EUA. E piorou a condição da mulher se com isso se quer dizer passar da proibição do uso do véu ou da indumentária islâmica por ditaduras comunistas e baathistas laicas – das poucas que ainda vão restando – para a sua imposição pela pressão dos novos grupos dominantes. Mas em Marrocos, ou no Egipto, ou na Tunísia, ou na Argélia, ou na Jordânia, ou no Kuwait, ou no Qatar? Aí JPP está realmente a dar-me uma grande novidade. Em Marrocos, onde estive recentemente, não só não notei nenhum retrocesso, como mais do que impressões pessoais importa saber que há poucos anos o rei Maomé VI, usando a sua autoridades simultaneamente política e religiosa e o prestígio adicional de descender do Profeta, promulgou um novo código de família considerado exemplar quanto ao estatuto da mulher.
Os dois representantes da comunidade islâmica, embora mais o primeiro do que o segundo, desempenharam na perfeição o papel desejado por aqueles que querem mostrar que o Islão é todo pró-bin Ladin ou pelo menos tende a desculpá-lo. As teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro são um delírio negacionista tão inaceitável como o negacionismo relativamente ao Holocausto, mas infelizmente vão exigir o mesmo trabalhar para lhe responder ponto por ponto, e nunca desaparecerão completamente.
Helena Matos queixou-se de que todos estes debates em Portugal são choques ideológicos contra os EUA, ou (lá acrescentou algo a custo) a favor dos EUA. Não percebi se era um caso de auto-crítica ou de dupla personalidade.
Mário Soares foi de longe o melhor do programa. Discordo da ideia da negociação com a al-Qaeda, mas não com os grupos de guerrilheiros sunitas iraquianos, o que aliás tem sido tentado pelos EUA. (Como ainda há pouco me confirmou um dos principais generais norte-americanos com funções no Iraque, de visita ao King’s College). Sobretudo, é divertido ver as virgens ofendidas que parece que não sabem que a negociação com o inimigo – feio, porco e mau como ele sempre é – deve andar a par da prostituição em termos de antiguidade e frequência na história humana. (Aqui fica mais uma novidade para os que ainda acreditam no Pai Natal: há muitos anos que Israel e os EUA negoceiam, directa ou indirectamente, com o Hizballah.) E evidentemente que concordo com Soares no ponto mais geral e mais importante: a necessidade de uma resposta política e não apenas militar ao islamismo radical.
Soares tem ainda toda a razão quanto afirma que Bush tem desenvolvido uma política sumamente estúpida de combate ao terrorismo. Em particular o ataque ao Iraque foi a melhor prenda que podia ter sido dado a bin Ladin. Desviou esforços do Afeganistão e da decapitação da al-Qaeda, permitiu a sua sobrevivência e dos talibã, que se reagruparam e ganharam novo fôlego. Além disso deu uma credibilidade à ideia do choque de religiões, da «cruzada sionista-cristã» contra o Islão, que antes nunca tivera mas que é agora alimentanda por imagens diárias de civis trucidados nas TVs árabes, e ofereceu de bandeja um novo campo de propaganda pela acção e de treino aos jihadistas de todo o mundo.
Quanto ao facto de a política externa de Bush conrresponder a um projecto imperial - um ponto de Soares que tanto chocou JPP - só posso concluir que o velho senhor anda mais actualizado nas suas leituras que o ilustre comentador (e boa parte da metade direita do nosso comentariado). É que os principais ideólogos neo-conservadores, os grandes educadores de Bush em política externa, adoptaram alegremente - pelo menos até há pouco tempo - um discurso explicitamente imperial. Enfim, não posso dizer que gostei, mas lá que foi esclarecedor, lá isso foi.
12 Comments:
Excelente post. Concordo com quase tudo. Só não percebo porque é que considera que as teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro são um delírio inaceitável. Concordo que essas teorias têm muitos pontos em branco. Mas parece-me também que a versão oficial dos factos deixa muito a desejar, deixa muitas perplexidades. Nestas condições, parece-me razoável investigar em detalhe e procurar explicações alternativas para esses factos.
Luís Lavoura
Excelente. Subscrevo na íntegra. Só uma nota: a desconfiança sobre o que aconteceu no fatídico 11 de Setembro de 2001 é legítima. Não querer engolir de borla as explicações oficiais, em muitos aspectos claramente aldrabonas, noutros casos lacunares, não implica aceitar de mão beijada uma qualquer teoria da conspiração, mais ou menos "surrealista". Há, sem dúvida, algumas questões que deviam ser respondidas, sob pena de o silêncio sobre elas alimentar essas tais teorias.
Essa da afirmação bombástica do deterioro da condição da mulher de Marrocos a Afeganistão é lamentável. Não esperava esse facilitismo bobo do JPP. Posso também assegurar que falando com mulheres marroquinas em Marrocos (de véu e tudo) que a condição feminina estava em franco processo de melhora, e além do mais qualquer pessoa informada conhece (ou deveria conhecer) os avanços recentes da legislação marroquina e o espírito do actual actual rei sobre este tema. Em Tunisia falou-se menos do tema (e é verdade que falou-se mais das reinvindicações de maior liberdade política para os partidos islâmicos, por exemplo...) mas via-se "pela rua" que se tratava de uma sociedade provavelmente ainda mais avançada que Marrocos neste aspecto. Mas quem acha que é "tudo a mesma coisa" não presta nunca atenção nos detalhes...
Vim aqui por acaso e de passagem. Comecei por ler este post, naturalmente, surgia à cabeça do blog. Francamente, não percebi. Tem alguma coerência interna, mas subentendida, talvez encriptada, que me tenha escapado? A afirmação de alguma ideia/pensamento/digação, breves mas com nexo? Pode ser falha minha, mas não descortinei. Se for esse o caso, queiram fazer o obséquio de me ajudar. Obrigados. Pequenas observações, contudo. É espantoso que alguém consiga aprender alguma coisa com o programa prós e contras, não obstante o mundo estar cheio de maravilhas da natureza. Já a ideia de que é possível meditar sobre a natureza das relações entre islão e terrorismo, que Ibn Warraq ou VS Naipul, aliás, consideram intrínsecas ao mafometismo, sem descer a um conhecimento mínimo das fontes fundamentais dessa ideologia (corão e sunna), antes permanecendo no terreno da conjuntura política, afigura-se assaz peregrina. Parafraseando George Steiner, o génio desta época é de facto o jornalismo. Infelizmente, é escasso como defesa contra a perspectiva de um nazismo de cu para o ar. Saudações cordiais.
Em praticamente todos os países islâmicos, incluindo não só Marrocos mas também o Irão, há mais mulheres do que homens a estudar nas universidades - tal qual como em Portugal.
Dizer que as mulheres são oprimidas só porque não lhes é permitido andar de minissaia é um perfeito disparate. Mas tenho a impressão de que muitos intelectuais incorrem nesse disparate.
Luís Lavoura
Tenho algumas dúvidas em relação a impressões recolhidas em viagens. Digo isto em relação às tuas considerações sobre Marrocos, onde, apesar do que dizes, foi muito recentemente desmontada uma ampla conspiração de radicais islâmicos que pretendiam derrubar a monarquia (cujas reformas tu justamente elogias) e instaurar um regime bastante diferente.
Infelizmente nunca viajei em Marrocos. Mas li há pouco tempo um livro de contos «Amores feiticeiros», editado pela Cavalo de Ferro, de um autor meio francês/meio marroquino que dá a ideia de uma sociedade muito colorida, em que a tradição se mistura com a modernidade. O radicalismo islâmico não é mesmo a nota dominante.
O Islão está a viver uma profunda crise interna, e onde há crises há espaços para extremismos. O facto de ter sido desmontada uma conspiração, não significa que existam profundas mudanças nas sociedades islamicas. A democratização do acesso à informação facilita a criação de extremismos, tanto do lado conservador, como do lado liberal. Essas fricções na sociedade são tanto causadas pelas "Al-jazeeras" q são vistas em todo o mundo islamico (mm na Europa) e q tendem a criar uma ideia mais global de identidade cultural da muito fraccionada comunidade Islamica, como pelas cadeias de programação quase exclusivamente ocidental como a "NBC 1, 2, 3 e 4", o "Showtime" q são Pacotes de programação Satélite existentes no "Arab-Sat" e que grande parte da comunidade começa a ter acesso. Essa ideia de que é o povo quem mais ordena, é uma profunda utopia. As elites continuam a mandar e neste caso em especifico estão preocupadas com o Status Quo ou com serem lideres das mudanças.
Relativamente a essa ideia de que existe muita legislação que está a ser aprovada, e de que se está a adquirir uma maior ou menor liberdade baseada na legislação é algo que não influencia nada a vida dos demais cidadãos.
Na maioria dos paises islamicos (Não conheço todos, como é óbvio, mas tenho amigos de muitos desses paises) O nivel de corrupção, seja activa, passiva ou apenas com o coração (como amigos meus gostam de dizer relativamente ao fechar os olhos a certas coisas) faz com q a legislação tenha um impacto diminuto nas alterações existentes nestas sociedades.
A existencia de fundamentalistas são sempre minorias que existem em todas as sociedades (Experimentem dar armas a muitas das pessoas do BE (ex-PSR e ex-FER, etc) e teriamos logo grupos terroristas!)
A restante maioria da população juvenil (aquela que bebe alcool, que fuma charros (nas universidades existe um paralelismo muito grande com as universidades portuguesas (há quem fume, e há quem não fume!) nas mesmas percentagens, a que tem namoradas, etc. Essa mesma gente é q é a maioria da juventude vai aos McDonalds e gritam palavras de ordem contra o imperialismo americano da mm forma que nas manifestações de estudantes em Portugal lhes perguntava o q estavam a lutar e eles repetiam à exaustão os slogans, mas quando se expremia não saía nada.
Tudo isto é ilegal e imoral pelos padrões da sociedade, mas a maioria não quer mesmo saber.
A outra parte da população, os que têm +30 anos, eles querem é viver a sua vidinha, tratar dos filhos, do trabalho e da mulher...
Também desconfio das impressões de viagem. Por isso citei um facto concreto - uma novo código legislativo sobre direito da família. Mas realmente não notei nenhuma regressão visível, e o uso de burqa ou véu, valha o que valha como critério de análise, é algo que se pode ver. O uso do véu é aliás extremamente raro em Marrocos, o vestuário tradicional geralmente fica-se pelo lenço.
E em vários países muçulmanos têm sido tomadas medidas legislativas para melhorar o estatuto da mulher.
Acho completamente ridículo - embora muito espalhada - a ideia de que para conhecer as sociedades islâmicas em toda a sua complexidade e variedade (da Malásia e Indonésia até Marrocos passando pelo Irão, a Arábia Saudita, e o Egipto) ou o terrorismo igualmente variado que neles emerge, basta ler o Alcorão e os ditos do Profeta. Isso está muito longe de ser suficiente até para conhecer a teologia islâmica, quanto mais as sociedades islâmicas ou as estratégias dos grupos terroristas actuais.
Será que para analisar o IRA é preciso ler a Bíblia?
Quanto ao meu currículo de estudos da língua, da cultura e da história árabe e islâmica (ou do terrorismo) não é algo de que me envergonhe, sobretudo num país como Portugal onde toda a gente fala sobre tudo sem ter lido nada.
Este poste tem alguma coerência? A resposta curta é que tem a coerência possível face a uma realidade complexa e a um programa de debate que (talvez necessariamente) tem algo de errático.
Eu também acho que a mini-saia não interessa nada e que até devia ser proíbida em Portugal, sobretudo, e como acontece muito, as pernas que se mostram não têm ponta por onde se lhe pegue. Quanto ao número relativo de mulheres frequentando Universidades em países islâmicos (Marrocos e Islão) devo dizer que elas também as frequentavam e frequentam muito em sociedades muito livres como foram as da URSS, ou são as de Cuba ou da RPC. Aliás, e como se sabe, a mulher no Portugal frequentava cada vez a liberdade e sentia-se cada vez mais livre. Não sei por que raio se fez o 25 de Abril. Para libertar as mulheres não foi certamente. Elas já iam cada vez mais à Universidade e eram cada vez menos uma minoria. Quanto ao facto das mulheres irem muito à Universidade - e penso que elas já são hoje a maioria nas Universidades portuguesas - talvez valha a pena recordar que não é por isso que a condição da mulher em Portugal - e presumo que também em Marrocos, no Irão ou, por exemplo, em Espanha, não deixe muito a desejar. Recebem salários mais baixos e tareias regulares de machos muito viris. Não sei é se quando entram gravemente feridas nos hospitais, se recusam a apresentar queixa contra os agressores ou, veja-se só, morrem, os índices de frequência universitária têm alguma coisa a ver com o assunto.
E já agora também devo dizer que religião e ideologia não querem dizer nada. Por isso é que as suecas ou as dinamarquesas, desde tempos imemoriais, sempre tiveram nas sociedades em que vivem um papel idêntico ao das mulheres "árabes" nos países "árabes". Aliás a emancipação da mulher moderna nasceu nos países "árabes" (eu é que ainda não percebi). E, claro, a religião nunca teve que ver com os problemas políticos na Irlanda. Foi sempre um pretexto. Aliás, a religião não interessa nada. É só um pretexto e um argumento utilizado por tipos ignorantes em debates cujas razões não alcançam.
No comentário anterior deve ler-se "Marrocos e Irão" e não "Marrocos e Islão".
E já agora "no Portugal de Salazar e Caetano"
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