O caso foi o seguinte: a 20 de Janeiro, dia em que aqui publiquei um dos corriqueiros
almanaques, deu-se uma coincidência bizarra, coincidência essa que, acrescentada a outras quantas, me fez pela primeira vez ter consciência que, num ou noutro momento, por mais cautelosos e espertos que nos achemos, todos contribuímos para a exasperante cacofonia cibermundista. Já sabia - toda a gente sabe - que os blogues potenciam, formalmente, as mais variadas expressões de espontaneidade e emotividade de quem não vive neste
medium programaticamente; só ainda não tinha enfiado o barrete correspondente àquele aforismo instantâneo do
Rounders: "se ao fim de meia-hora não sabes quem é o pato, então o pato és tu".
Se não, veja-se. No dito
post, as duas últimas rubricas -
Na Terra dos Cedros e
Readiness is All - falavam de outras tantas mulheres, uma chamada Rute Monteiro, outra Maria Elisa Guimarães. A primeira, ambígua, fazia eco do alegado rapto e uma jornalista portuguesa no Líbano; a segunda, mais explícita, reproduzia notícia da morte de uma
blogger brasileira de primeira geração, e dizia-lhe adeus. No caso Rute Monteiro,
já esclarecido, fui cúmplice da
performance virtual de boa vontade, por achar que as pistas que a ela conduziam (mesmo antes de ter sido convidada a participar, acompanhei o
concurso de Ano Novo promovido por Luís Carmelo, ilustrado dia após dia por diferentes versões do
Rapto das Sabinas, as quais não deixavam grandes dúvidas quanto ao tema e lançamento da obra) eram suficientemente desenganadoras, e, também, por achar graça à ideia; na segunda, rememorei com sincera tristeza o desaparecimento de uma pessoa que lia há anos e com quem tinha trocado algumas palavras, cumprimentos. Ambas as mulheres geraram polémica de dimensões que nunca me teriam passado pela cabeça. Rute Monteiro, afinal, não existia; Maria Elisa Guimarães, afinal, não tinha deixado de existir. Quanto a Rute Monteiro, pessoa imaginada, pareceu-me exagerada a reacção da comunidade, e o facto de
bloggers que conheço e aprecio pelo seu bom humor e senso escreverem com grande desapontamento e indignação, atribuí-o à inadvertida e infeliz coincidência com o bem real caso falado nos
media, o da disputa paternal por Esmeralda. Porém, quando me foram dados a conhecer os factos sobre a
não-morte de Meg, ou seja, quando o pato da
performance virtual fui eu, aí já não achei graça nenhuma.
Em comum, estes dois casos têm apenas o facto de exporem, por voluntário desejo dos seus autores, a forma como a nossa percepção do que é realidade e ficção é, com alguma facilidade, manipulável. E como detestamos a manipulação, quando nos descobrimos manipulados. O caso português deixava pistas de resolução desde o seu início, e visava lançar discussão sobre um tema literariamente tratado em livro a publicar; o caso brasileiro foi, humanamente, muito mais longe e fundo.
Uma pessoa gosta de acreditar que sabe distinguir entre o que é e não é, e por isso move-se com reserva, defensivamente, cepticamente. Cruza informação, valida fontes, blá, blá. Mas depois acontecem destas, e, bem, essa pessoa recolhe-se para pensar melhor.