terça-feira, fevereiro 20, 2007
Quem leia este texto de Pedro Arroja sobre as causas do crescimento económico português durante o Estado Novo (penso que estará a falar apenas do período que vai de 1950 a 1973), há de ficar a pensar que salazarismo e marcelismo foram uma espécie de liberalismo económico, com Estado mínimo e probo, desburocratizado, cumprindo muito bem algumas das suas tarefas essenciais em áreas como a da justiça. Será que nunca ninguém lhe falou, a Pedro Arroja, do tristemente célebre “condicionamento industrial”?
Se eu fosse liberal nunca diria que o Estado português nos tempos de Oliveira Salazar e Marcello Caetano fomentou o crescimento económico. Diria exactamente o contrário. Afirmaria que a economia cresceu apesar do Estado Novo. É que na economia o Estado Novo protegeu, interferiu e burocratizou. Aliás, nasceu em grande medida com esse objectivo. Justamente quando a depressão económica mundial da década de 1930 exigia Estado e mais Estado na vida económica das nações por esse mundo fora. Terminada a Segunda Guerra Mundial foi uma trabalheira retirar o Estado da economia portuguesa (tarefa que proseegue sem grande êxito nos dias de hoje). Aliás, quando Marcello Caetano chegou a presidente do Conselho – logo ele que tinha sido um dos maiores teóricos do corporativismo português – passou a queixar-se sistematicamente do peso do Estado na economia portuguesa (estão aí as “Conversas em Família” para o recordar), das regulamentações absolutas e absurdas que impusera desde a década de 1920 (ninguém se lembra dos preços tabelados a torto e a direito?) e da devoção que muitos portugueses – pobres, ricos e remediados – tinham pelo Estado e pelas regulamentações que, de igual modo, lhes afagavam a vida. Marcello Caetano quis, entre 1968 e 1974, dar aos portugueses um módico de liberalismo económico. Mas o raio dos portugueses não aceitaram. Parece, aliás, que ainda não aceitam. Portanto, o Estado Novo não foi, nem podia ter sido, um "el dorado" do proto-liberalismo económico português.
6 Comments:
P: O Estado do Estado Novo era liberal na economia?
A pergunta tem uma resposta clara: Não.
Mas apesar disso, o Estado Novo, com todos os seus defeitos, era cerca de TRÊS VEZES MAIS LIBERAL do que o Estado actual pós 25 de Abril. Porque o sector Estado pesava menos de 20% do PIB de então contra quase 60% do PIB de hoje.
FM,
A questão que me parece fundamental é saber se é/será possível instaurar reformas da dimensão desejada, com democracia e liberalismo económico. Se bem que chamar democracia ao que se verificava na 1º Republica era um atentado. Convém ainda referir que não se pretende que o Estado Novo tenha sido um exemplo clássico do liberalismo económico, mas que foi mais liberal que a 3ª Republica não oferece contestação.
Caros comentadores.
Não me parece que se possa comparar a "3ª. República" ao Estado Novo quanto ao grau de liberalismo económico. As circunstâncias são/eram totalmente diferentes. No entanto, gostaria de recordar que se o Estado, entre 1933 e 1974, pesou relativamente pouco na economia, e por "comparação", tal não sucedeu porque quisesse ser liberal. Simplesmente havia a convicção de que não devia desempenhar um papel importante em áreas como a educação, a assistência na doença, na velhice, etc.. Esta atitude permitia-lhe cobrar menos impostos mas não teve qualquer reflexo relevante ao nível do crescimento económico. Assim, e entre 1950 e 1973, a economia portuguesa não cresceu de forma muito destacada se comparada com a Alemanha, por um lado, ou com a Irlanda, a Grécia e a Espanha, por outro. Atente-se ainda, para perceber o grau de intervenção do Estado na economia, àquilo que eram os níveis absurdos de regulamentação de preços, salários e investimento ou o elevado nível dos gastos com a Defesa, algo que, aliás, precedeu o início da guerra nas colónias de Angola, Guiné e Moçambique. Por outro lado, como é que podemos considerar que o Estado Novo foi (relativamente) liberal na economia quando, por exemplo, politicamente não era permitida a competição e o conflito ao nível laboral/sindical? É claro que foram criados serviços públicos novos, importantes e eficazes. Que se investiu muito no sistema de ensino, que se construíram novos tribunais e infra-estruturas ferroviárias e rodoviárias tanto na metrópole como no ultramar. E tudo isto foi feito com impostos sempre relativamente baixos, baixo endividamento interno e externo, ficando assim demonstrado alguma eficácia estatal. Porém, o investimento público foi claramente muito insuficiente durante o Estado Novo. Por exemplo, no que respeita à electrificação, ao abastecimento de água em rede pública, ao esgotos, à assistência materno-infantil. E tendo sido assim, pergunto se não teria sido preferível aumentar os impostos e a dívida pública para resolver estes problemas que empurravam Portugal para a cauda da Europa e, sobretudo, faziam com que muitos nossos concidadãos continuassem a viver pobremente?
Excelente Fernando. Sem espinhas. Que lição.
"Assim, e entre 1950 e 1973, a economia portuguesa não cresceu de forma muito destacada se comparada com a Alemanha, por um lado, ou com a Irlanda, a Grécia e a Espanha, por outro."
Entre 1950 e 1973 a economia Irlandesa pouco cresceu face aos outros países europeus, tanto que em 1973 Portugal tinha um PIB per capita mais elevado que o da Iralanda. O PIB per capita em 1973 para Portugal (baseado em PPP, poder de compra) era $11,867 USD em preços correntes e $11,013 USD para a Irlanda. O crescimento Português entre 1950 e 1960 foi mais lento que de muitos países, mas a partir de 1960 a taxa de crescimento anual foi das mais elevadas do mundo. Tanto que em 1973 o "Financial Times" publicou uma série de artigos sobre o crescimento de Portugal.
Média anual de crescimento do PIB per capita entre 1950 e 1973
Portugal 5,66%
Espanha 5,65%
Irlanda 3,04%
E entre 1973 e 1998
Irlanda 4,35%
Portugal 2,33%
Espanha 1,95%
Em baixo podem ver a convergência do PIB per capita de Portugal com os outros países entre 1950 e 2005. Como podem ver Portugal foi um dos países aonde houve a maior convergência com os países mais desenvolvidos neste periodo.
Portugal = 100 (por exemplo para cada 100$00 que um Português ganhava em 1950 um Americano ganhava 449$00. Já em 1973 a diferença era menor, ou seja 219$00 para cada 100$00 que o Português ganhava)
1950/ 1973/ 2005
Estados Unidos da América 449/ 219/ 214
Suiça 419/ 237/ 168
Nova Zelândia 398/ 166/ 128
Austrália 339/ 165/ 160
Canadá 331/ 180/ 177
Reino Unido 324/ 159/ 157
Suécia 316/ 178/ 155
Dinamarca 313/ 177/ 179
Holanda 274/ 169/ 159
Bélgica 251/ 157/ 161
França 245/ 171/ 151
Noruega 233/ 135/ 219
Alemanha 201/ 174/ 158
Finlândia 194/ 142/ 161
Áustria 175/ 149/ 173
Irlanda 165/ 93/ 210
Itália 161/ 138/ 147
Espanha 112/ 115/ 136
Portugal 100/ 100/ 100
Grécia 92/ 103/ 116
Japão 88/ 146/ 158
Coreia do Sul 41/ 38/ 106
(Fonte Maddison "The World Economy 1950-2001 e The World Economy 2001-, os dados mais recentes são da OCDE.)
Mas para dar uma resposta à questão inicial, acho que o Estado Novo não tinha uma economia liberal. Ainda existia monopólios como a TAP e a RTP. Infelizmente com o 25 de Abril os politicos tinham uma oportunidade de liberalizar a economia portuguesa de tal como os Irlandeses, mas fizeram o contrário e por isso agora o Povo Portugueses está a pagar. Desde 1987 que o peso do estado na economia Irlandesa tem diminuído, em Portugal o contrário aconteceu.
Agradeço, pela sua natureza trabalhosa, o último comentário. Reconheço que poderei ter errado na comparação com o caso irlandês. No entanto, e naquilo que respeita à comparação com a Itália e a Espanha, penso que, comparativamente, Portugal não foi um caso de sucesso. Por exemplo, em 1940, 1950, 1960 e 1970 o pib per capita português, como percentagem da "renda combinada" da França e do RU era de 26, 26, 29 e 43. Na Itália de 52, 51, 64, 72 e 72. Em Espanha de 47, 39, 44, 58 e 62. Ou seja, a convergência portuguesa deu-se, significativamente, apenas ao longo da década de 1960. Consequência da guerra e da entrada na EFTA. Dois acontecimentos que, se Salazar pudesse realmente ter escolhido, não teriam tido lugar.
Fonte: PRADOS DE LA ESCOSURA, Leandro e ZAMAGNI, Vera (eds.), El desarrollo económico en la Europa del Sur. España y Italia en perspectiva histórica, s.e., s.l., Alianza Editorial, s.d. (1992), p. 59.
Por outro lado, convém recordar que o pib per capita português, entre 1920 e 1929, cresceu em média 6,9% contra os 3,4% da média europeia. Já no decénio seguinte, pib per capita em Portugal cresceu menos duas décimas do que a média europeia. Depois da guerra (1946-1950) o pib per capita português terá crescido 3,2% contra os 8,1% médios na Europa. Entre 1950 e 1973 o pib per capita em Portugal cresceu em média 6% ao ano, ao passo que o europeu cresceu, em média, 4,5%.
Fonte: Ana Bela Nunes, Eugénia Mata e Nuno Valério, "Portuguese Economic Growth: 1833-1985" in The Journal of European Economic History, vol. 18, n.º 2, Fall 1989, pp. 291-330.
É claro que os números, estes e outros, são discutíveis, mas infelizmente para os portugueses, e tirando os anos da II Guerra Mundial, durante o Estado Novo o pib per capita português só convergiu com a Europa, nem tanto quanto isso, entre 1950 e 1973 (diria até entre 1960 e 1973), ficando por avaliar, vista a morte do "Estado Novo", como seria ele capaz de enfrentar os efeitos de uma crise económica mundial que se agravou muitíssimo depois de '73.
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