sábado, dezembro 09, 2006

Lost in Teenage


Sofia Coppola realizou um filme sobre Maria Antonieta em que o clímax dramático se dá no momento em que a princesa perde a virgindade e não quando a rainha é decapitada. Por muito sofisticadas e inteligentes que sejam as defesas apaixonadas do filme, é muito difícil justificar o seu esvaziamento dramático. Gostei dos filmes anteriores de Sofia, as Virgens Suicidas e Lost in Translations e reconheço a marca de autora nas continuidades temáticas em Marie Antoniette: as inquietações da adolescência e da pós-adolescência; a sensação de ser um estranho num mundo estranho podendo-se estabelecer paralelismos entre o que é o Japão para a personagem de Scarlett Johansson e a corte de Versalhes para a personagem de Kirsten Dunst; o ponto de vista do desejo e das frustrações femininas invulgar no cinema norte-americano.
O feminismo é um dos equívocos deste filme: Maria Antonieta aparece sempre como uma vítima da sociedade, da corte de Versalhes, dos preconceitos. Uma visão deste género, contrapondo uma rainha angélica à lenda negra, só pode animar uma personagem pobre. Sofia Coppola tem todo o direito de dizer, como Almeida Garrett disse de Frei Luís de Sousa, que «canta às musas de Homero e não às musas de Heródoto». Mas terá de explicar por que é que as «musas de Homero» lhe permitiram oferecer a Kirsten Dunst uma personagem muito mais densa em As Virgens Suicidas do que em Marie Antoinette.
A ideia de anacronismo, induzida por parte da banda sonora, representa uma falsa pista. Mário de Sá-Carneiro, um autor emocionalmente afim a Sofia Coppola, expôs, na sua correspondência com Fernando Pessoa, o projecto nunca acabado nem encontrado de uma Novela Romântica voluntariamente anacrónica. Nesta novela, que se passava em Paris, em 1830, o romântico Heitor de Santa-Eulália encontraria o sensacionista Estanislau, o qual seria «um fantasma às avessas: o fantasma duma criatura que ainda não nasceu: o fantasma dos heróis de novelas duma nova arte ainda não nascida» (carta de 5/02/1916). No filme de Sofia insinua-se uma intenção semelhante. A sua Maria Antonieta seria «um fantasma às avessas» de uma moderna adolescente colocada num cenário histórico. O problema é que este fantasma vampiriza uma figura histórica, reduzindo a sua complexidade e anulando as suas potencialidades dramáticas.
Concluindo, Sofia perdeu a oportunidade de realizar um filme voluntariamente anacrónico e experimental, baseado numa personagem de ficção a viver na corte de Versalhes. E faltou-lhe fôlego para um épico histórico que, tratando de uma personagem bigger than life e de uma história tão trágica poderia evocar de filmes tão díspares como Lola Montes de Max Ophuls, o Último Imperador de Bertolucci ou O Homem Elefante de David Lynch.