Grandes Portugueses, final feliz?

um blogue desalinhado

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No Diário de Notícias de hoje um bom e sensato texto do seu provedor, José Carlos Abrantes, acerca do anonimato, do jornalismo e dos blogues (e, também, acerca da insensata incontinência de MST).
A acusação de plágio a Sousa Tavares não tem qualquer base. Plágio é uma coisa séria. Só tem um definição aceitável: a cópia não assinalada das exactas palavras de um escrito alheio (ou quando muito, com muito escassa modificação por sinónimos). Copiar ideias ou investigações académicas originais sem referir o original é também grave, mas é já outra coisa. Mas usar descrições alheias de factos históricos exóticos recorrendo a palavras próprias e numa língua diferente é, quando muito, pastiche. Foi o que fez Miguel Sousa Tavares. Isto nada tem de ilegítimo, ilegal, ou desonesto, sobretudo num genéro como o romance histórico que vive largamente disso. O facto de Sousa Tavares ter, mais honestamente do que muitos, listado as obras em que se inspirou ainda torna a sua boa fé mais evidente e o trabalho dos denunciadores mais nulo. Os leitores do Equador podem portanto verificar que aquilo que queriam – um enredo polvilhado de descrições mais ou menos rigorosas de outros tempos – foi precisamente aquilo que obtiveram. Pode haver quem desgoste de um empreendimento literário com estaleiro tão à vista, mas isso é uma questão de estilo e género.
Ao menos nos media, o tratamento da questão designada por “aquecimento global” anda entre a estupidez e a ignorância. Hoje a TSF reproduz em antena uns cálculos segundo os quais, caso o “aquecimento” continue e nada seja feito para o parar e reverter, o seu impacto será equivalente ao de duas guerras mundiais. Não sei a qual guerra mundial se refere a notícia, mas presumindo que é à Segunda, e que os cálculos tenham sido feitos em termos absolutos, dou desde já o meu contributo para uma resolução fácil do problema (ao menos a posteriori): o lançamento de “dois planos Marshall”. Seguir-se-á uma guerra na Coreia e, logo a seguir, trinta gloriosos anos de crescimento económico. Tanto nos EUA, como na Europa ocidental e oriental, mas também na América Latina, em boa parte do continente asiático e na Oceânia. Ficará de fora a China, a Índia, o continente africano e o “mundo árabe”. Mas isso, convenhamos, disponibilizará mais uns bons anos de “arrefecimento” climático relativo, com a vantagem de em vez de ficarmos todos mais pobres – que é para onde nos leva a “ecologia” – ficá-lo-ão apenas só uns quantos.
No sábado, recém-chegada da Beira, fiz-me ao sol de Lisboa aproveitando a borla ferroviária do dia. Enquanto seguia, lembrei-me não ter chegado a falar aqui, durante a semana, sobre isto de andar de comboio. Faço-o hoje, cento e cinquenta anos depois de, feita a solene inauguração da linha que ligou a capital do reino ao Carregado, esta ter começado efectivamente a funcionar.
As minhas três incursões no DocLisboa, muito condicionadas pelos horários e uma delas até resultante de um engano, acabaram por uma conduzir a uma única e inesperada questão: como filmar a alma? Vi os seguintes filmes: Our Daily Bread, de Nikolaus Geryhalter; Into Great Silence, de Philip Gröning; e Atman, de Pirjo Honkasalo. O primeiro documentário é uma montagem sem música de imagens de abate e esquartejamento de animais, recolha de alimentos vegetais e até de extracção do sal das minas; o segundo é o primeiro filme sobre a Grande Chartreuse, a casa-mãe da Ordem dos Cartuxos, uma das mais rigorosamente contemplativas, situada nos Alpes franceses; o último conta a história da peregrinação de seis mil quilómetros, ao longo do rio Ganges, de um deficiente indiano. As minhas reacções foram, por ordem sequencial: tédio, aborrecimento, entusiasmo.
Muito raramente vejo os agora muito afamados, comentados e analisados “telejornais” das 20 horas. Hoje, como excepção à regra, lá parei uma meia-hora diante da televisão para ver o telejornal da RTP. Sensibilizou-me muito a reportagem em que aparecia uma jovem (?) jornalista mal vestida, com uma cabeleira loira artificial horrível, de corpo flácido e caixa de óculos como eu, a repetir três ou quatro vezes que o caminho de ferro tinha chegado a Portugal com, salvo erro, vinte anos de atraso em relação à “Europa”. Presumo que a toda a Europa, de Badajoz aos Urais. Mas esta insistência num facto que não é verdadeiro trazia água no bico. Era campanha descarada a favor da introdução – defendida por este Governo – do “TGV” em Portugal. É que imediatamente a seguir à peça sobre os 150 do caminho de ferro cá do burgo pôde-se, durante uns bons minutos, apreciar uma peça jornalística – na verdade de propaganda – sobre a cerimónia em o ministro Lino, se não me engano, falava da introdução do comboio de alta velocidade em Portugal e que tanta oposição e discussão tem gerado. Eu sei que posso parecer o Pacheco Pereira ou o Eduardo Cintra Torres – dos pobrezinhos ou dos mentecaptos –, mas assistir a cerca de 30 minutos de telejornal na RTP 1 foi muito instrutivo.
Sobre o concurso os Grandes Portugueses, de que se alguma coisa sei aprendi através dos blogues, decidi hoje pronunciar-me comunicando a minha escolha. Voto no Infante D. Henrique. O mais notável da “ínclita geração”, o pai dos descobrimentos portugueses – a ele por isso devemos aquilo que desde o século XV fomos, somos e seremos. Homem empreendedor como poucos, fundou uma escola náutica em Sagres que parece nunca ter existido, foi mestre da Ordem de Cristo – se a memória me não atraiçoa –, estratego da construção de um Império português e cristão no Norte de África, carrasco voluntário do seu irmão, o infante D. Fernando, e empresário – comerciou ouro e malagueta oriunda da Guiné e foi o primeiro importador de escravos africanos para a metrópole. Parece que não apreciava o suposto eurofilismo do seu outro irmão, D. Pedro. Nunca terá navegado mais do que entre duas margens de um ou outro rio, e, ainda por cima, ao que se dizia nos meus tempos de estudante adolescente no “Liceu” D. João de Castro, o Infante D. Henrique foi homem casto. A castidade dos outros sempre me impressionou, mas posso assegurar que nunca conheci casto português como o Infante D. Henrique. E depois há o Padrão dos Descobrimentos, com ele no topo, de caravela nas mãos à espera que a maré suba para lançá-la ao rio. Já lá vão, segundo dizem, 66 anos!Etiquetas: Almanaque
Por várias razões não pude ir à Gulbenkian na passada quarta-feira ver e ouvir Robert Kagan. Um resumo daquilo que disse tem, sem qualquer surpresa, muito a ver com esta citação que, ontem, me dei ao trabalho de pôr aqui. Valha-nos a lucidez de Kagan e de Edward Gibbon (sobretudo deste, falecido há uns bons duzentos anos). O resto é conversa!
A 1 de Novembro, dia de todos os santos, haverá eleições autonómicas na Catalunha. A CiU, liderada por Artur Mas, expulsará os socialistas do poder. Mas como poderá não ter maioria e já jurou que não governará com qualquer tipo de aliança com o PPC de Piqué, um dos mais civilizados e interessantes políticos catalães dos últimos anos, é possível que busque apoio ou nos socialistas ou nos nacionalistas radicais (embora a CiU também se tenha radicalizado bastante nos últimos tempos). Pelo meio, e já que a derrota é inevitável – resta apenas saber por quantos –, o PSC e Montilla – o seu fleumático líder – acharam por bem produzir um vídeo em que este é associado à célebre Nocilla (uma espécie de Tulicreme, mas pior). Está tudo aqui e louve-se, senão o desespero, ao menos o fair-play socialista numa campanha que começou mal mas talvez consiga acabar bem.
Às vezes penso se não era mesmo assim que eu gostava de ver a “Europa.” Peço desculpa pela longa citação. Mas, afinal, é Gibbon.
Pode ser que seja por causa do alto teor de humidade na atmosfera, mas ando com a sensação de que, mesmo quando dizem bem, muitos amigos do povo andam um bocado amargurados - a avaliar por vários posts mas, também, a começar por este que, apesar de tudo, tenta ser um princípio de catarse.
O que nasceu da fértil cinza não sustém dias assim, de uma água que cai para fazer a mais pequena barroca subir mar a monte. Que diriam os antigos que usavam esse português partido em dias de maior caudal, se vissem paredes esbarrondadas, restos de restos de árvores finalmente tombados, colinas em derrocada, e este vento, um vento que sova sem dó o que ainda há?
As mentiras de José Sócrates durante a campanha eleitoral – e algumas já praticadas enquanto primeiro-ministro – não corroem apenas a credibilidade do Governo, do seu chefe, e das suas políticas. Como se não bastasse, as mentiras de Sócrates acabam de ameaçar tornar Santana Lopes num político credível. Veja-se a sua crónica de hoje de manhã na TSF (em que acusou Sócrates de “batota” política por ter mentido descaradamente durante a campanha eleitoral de 2005) ou o conteúdo de uma sua entrevista à SIC – cujos excertos têm vindo a ser passados nos noticiários daquele canal e que será reproduzida na íntegra por volta da meia-noite na SIC Notícias. Uma personagem totalmente irresponsável como aquele que foi o nosso penúltimo chefe de Governo, aparece de repente com a cara lavada e com legitimidade em muito daquilo que diz pelo facto de lhe ser tão fácil provar que Sócrates ganhou as últimas eleições legislativas mentindo mais do que aquilo que seria razoável. Assim, parece óbvio que independentemente da qualidade de medidas ou reformas políticas adoptadas – do ponto de vista da sua substância ou dos seus resultados – e que podem contar com maior ou menor apoio ou com maior ou menor oposição, os portugueses se cansam dos políticos que sofrem de uma espécie de diarreia da mentira. Se a mentira com resultados ainda se consegue suportar, embora cedo ou tarde qualquer político pague por ela, a mentira sem resultados liquida qualquer um. E quer se queira quer não as políticas deste Governo ainda produziram quaisquer resultados substanciais.


Ontem na Rádio Renascença, em “Com Sal e Pimenta”, Manuel de Lucena, recordando e citando a expressão usada por um chefe de polícia em Cabo Verde, nas vésperas da independência, para caracterizar um ambiente de mal-estar político e social ainda não demasiado evidente, dizia que em Portugal se começam a “ouvir os primeiros ‘roncos’”. Isto a propósito das manifestações e outros sinais de desagrado em relação à governação e – no mínimo – à inconsequência de muitas das suas políticas. Ou seja, começa a haver um cada vez maior descontentamento – afinal a paciência tem limites – pelo facto dos sacrifícios exigidos às classes médias não estarem a produzir resultados evidentes. Veremos então para onde vai evoluir o "ronco". Adenda: Estou agora a ouvir na TSF um excerto do discurso de ontem de Sócrates em Mangualde. Falava a militantes do PS. Muito sinceramente era igualzinho às ladainhas do Bruno aqui no Amigo do Povo.
Quando é que chega o mau tempo? A chuva intensa e o vento forte. Será que nem esta promessa o Governo é capaz de cumprir?
Quando fiz dez anos alguém me deu um caderninho Lovely, daqueles da Flomo. Sem grandes dilemas, transformei-o no meu primeiro livro secreto. Quer isto dizer que o atei com duas voltas de elástico cor-de-rosa. Está titulado O Meu Diário, mas à segunda entrada lê-se: "Diário, não te posso escrever todos os dias, quando me vem a inspiração escrevo. " Numa existência repartida entre a escola, a sirumba, a catequese e o Roque Santeiro, volta que não volta, arengava coisas assim, numa caligrafia solavancada:
Jorge Pedreira, secretário de Estado da Sra. Ministra da Educação e cão de fila de José Sócrates, e também por isso tão ou mais socrático do que o próprio Sócrates, ameaçou a “plataforma” de sindicatos dos professores em termos que não me lembro de ter visto, lido ou ouvido na nossa democracia portuguesa já a caminho da meia-idade. Mas para além da ameaça, e muito mais do que ameaça, incomoda-me o facto de neste Governo, de esquerda, moderno e socialista, não se ter ainda percebido que o “conflito” é vital para a democracia e que sem ele não há democracia.

A propósito do Dia Mundial da Saúde Mental, comemorado no passado 10 de Outubro, ouça-se a entrevista (disponível em podcast no site da Rádio Renasncença) concedida por José Miguel Caldas de Almeida, coordenador da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental. O quadro está, por ora, ainda longe de ser bom. Há a lei, recente (1998) e de bom desenho, mas a qual não se encontra verdadeiramente implementada; há a transição de um antigo sistema de apartamento entre unidades de tratamento de saúde mental e as mais unidades de saúde para a sua integração no sistema nacional, cujo processo está longe de terminado; há a distância a que os núcleos de saúde que prestam esse tipo de serviços especializados ficam da morada dos seus utentes, espalhados por todo o país. O panorama preocupa bastante, sobretudo porque, segundo Caldas de Almeida, são manifestamente insuficientes os dados epidemiológicos recolhidos até à data, relativos à população portuguesa. Para mais, diz, há o estigma social:" Estes problemas, faz-se sempre de conta que não existem." Pois é. Enquanto predominar a ideia de que uma perna partida é um problema de saúde objectivo, e que é óbvia a necessidade de tratamento médico, mas que a depressão, a bulimia ou a esquizofrenia são outra coisa, estaremos - literal e colectivamente - mal. Eu era dos que faziam de conta que não existem, estes problemas. Mudei de ideias.
Explicitamente inspirado no programa britânico, Greatest Britons, que terminou com a vitória de Sir Winston Churchill, começa hoje o “concurso” da RTP sobre os Grandes Portugueses, o qual levanta várias questões interessantes.Etiquetas: Almanaque