Ventos de Espanha
De Espanha vêm bons casamentos, mas também sondagens idiotas. Como a que hoje é divulgada em «O Público» e atribui a 45, 7 por cento dos espanhóis a vontade de uma união com Portugal. O novo Estado devia chamar-se Espanha, segundo 43,2 por cento dos inquiridos. Ascendem aos 80 por cento os defensores de que a capital da grande Espanha devia ser Madrid. A sondagem, publicada pela revista espanhola Tiempo, ganhava em legibilidade se tivessem feito aos mesmos inquiridos outro tipo de perguntas: por exemplo, se seriam favoráveis a uma união com França, se o novo Estado se deveria chamar França e a sua capital ser Paris. Já agora, como é que encarariam uma resistência armada de portugueses a uma união com Espanha e de espanhóis a uma união com França.
É afirmado, na notícia, que a sondagem se baseou em 588 entrevistas, mas não se indica onde é que se encontravam os entrevistados. Fica a suspeita de que bascos, galegos e catalães contribuíram pouco ou nada para estes números. José Saramago, num depoimento a favor da união, declara: «Não creio que Madrid quisesse reduzir-nos a uma colónia». E o que fariam os portugueses que não quisessem ser espanhóis? Eis o tema para uma ficção. Talvez alguns continentais fugissem para a Madeira ou para os Açores e proclamassem a independência. Passadas algumas décadas, em plena crise de desintegração ibérica, outros intelectuais e políticos encontrariam uma saída para os nossos bloqueios: romper com Espanha e formar uma confederação das Repúblicas de Portugal, Madeira e Açores. Nada como um bom golpe geo-estratégico para fintar o destino.
Eu não levo a mal os espanhóis por uma sondagem tão irritante. Não é impunemente que se vive num país onde um fã dos Pink Floyd pode não saber o que é «The Wall», mesmo perdendo horas a ouvir «El Muro». Aprendi a encará-los com indulgência na Expo-98. Quando procuravam saber informações, as perguntas mais repetidas é se tinham de pagar em escudos ou em pesetas e se os horários anunciados diziam respeito à hora de Portugal ou de Espanha. Um espanhol que tivesse um só dia para visitar a Expo era capaz de passá-lo na fila para o pavilhão do seu país e depois ir comer uma paella. Um casal jovem perguntou a uma amiga minha, que trabalhava na Expo, como assistente de pavilhão, onde é que podia encontrar um restaurante espanhol. Ela respondeu: «mas vocês estão numa exposição internacional, num país estrangeiro, por que é que não aproveitam para experimentar uma comida diferente?». A espanhola olhou para o acompanhante e exclamou: «boa ideia». A falta de imaginação é um vício. É por vício, não por apetite, gulodice ou ganância, que os espanhóis querem absorver Portugal.
1 Comments:
Meu caro João, não podia estar mais de acordo sobre o retrato que fazes, senão de Espanha, ao menos de grande parte da sociedade espanhola e das suas classes médias. Mas deves compreender, valha a sondagem aquilo que valha, que a grande Castela, que também incluirá a Extremadura e a Andaluzia, está farta dos problemas existentes a propósito da questão basca e da questão catalã e, por isso, olha com simpatia para Portugal e para a forma como os portugueses parecem ser - muitas vezes são - permiáveis à influência espanhola com origem em Madrid. Porém, e se alguma vez se confirmasse o cenário perguntado e desejado pela maioria que respondeu na sondagem, rapidamente se arrependeriam do passo tomado. É que vir para aqui tentar governar isto como uma província ou uma "autonomia" causaria grandes amargos de boca.
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