terça-feira, outubro 31, 2006

Grandes Portugueses, final feliz?


O que faz um grande português? Diria que, pelo menos o programa da RTP não está à espera que se nomeie alguém pela grandeza do seu tamanho físico, mas pelo tamanho do seu impacto.

Em impacto interno seria difícil bater D.Afonso Henriques. Ele fundou o Estado e com ele um país independente. Pode-se questionar se o impacto desse Estado foi sempre positivo, mas lá que foi decisivo, lá isso... Sem um Estado independente dificilmente existiria a língua portuguesa ou os Descobrimentos portugueses.

Pelo lado do impacto em termos de promover valores ou estilos e gostos tudo se complica. São, apesar da pequenez relativa do país, muito variadas as escolhas possíveis. Nos valores e na sua concretização pode ir-se desde S. António, o teólogo ao serviço de S. Francisco de Assis, até António Vieira a combater a inquisição e o racismo, passando por D. Pedro IV e pelos intelectuais liberais que defenderem um pais mais livre e igual perante a lei; assim como os que continuaram a fazê-lo durante o Estado Novo e construíram o novo Portugal democrático. Mas porque não alguns mais desconhecidos? S. João de Deus, cuja obra se tornou pioneira do tratamento humano dos loucos? Ou a rainha D. Leonor (com D. Manuel I) fundadora da Santa Casa da Misericórdia, o arremedo de Estado Providência que tivemos durante séculos? Pelo lado dos gostos ainda mais se dificultam as escolhas. Escolher o quê, um pintor (Grão Vasco, Sequeira, Amadeo, etc.) ou um escritor (Camões, Vieira, Eça, etc.)? E ainda se poderia pensar em arquitectos, compositores ou escultores. Mas talvez Fernando Pessoa se destaque, se não apenas pela qualidade e originalidade, então certamente pelo seu impacto no exterior neste último século tão competitivo culturamente, mas haverá quem se lembre de Saramago, o nosso único prémio nobel da literatura. E mesmo nas ciências alguns se destacaram, embora o único nobelizado seja o psiquiatra Egas Moniz e os mais conhecidos, como António Damásio, vivam e trabalhem fora de portas.
Em termos de impacto externo, no entanto, o infante D. Henrique parece imbatível. Não tanto pelas qualidades descritas pelo Fernando Martins. Mas porque tendo navegado apenas entre Portugal e Marrocos, foi como promotor de uma «santa» pirataria cristão contra embarcações e cidades mouras, e pela sua persistência sistemática (qualidade tão raramente portuguesa) em buscar mais informações sobre a costa africana cada vez mais a sul, o iniciador de uma imparável expansão europeia pelo Mundo. A qual, para o bem e o mal, fez o mundo actual. (Não é Pessoa, mas rima...) Se Portugal tem um papel de primeiro plano na história global é graças, em primeiro lugar, a ele.
Salazar? Foi sem dúvida um político inteligente que muito influenciou a nossa história do século XX. Nem tudo o que fez foi mau, claro. (Até Hitler construiu auto-estradas e Staline electrificou a Rússia e fez creches). Foi em última análise, no entanto, um político falhado. Apostou que a ditadura era a única forma de evitar o caos em Portugal, e perdeu (pelo menos até ver). Acreditou que Portugal não podia sobreviver e exercer influência internacional sem o império e integrado na Europa, e enganou-se (pelo menos até ver). Só espero que os que atacam com denodo o fantasma de Salazar, mostrem pelo menos igual empenho em evitar dar-lhe razão depois de morto. Foi indiscutivelment um ditador que recorreu ao despedimento sem justa causa, à prisão e mesmo à tortura (os confessados "safanões a tempo") para reprimir adversários políticos. Durante décadas impediu os portugueses de exercerem os seus direitos fundamentais, quando isso já sucedia na maior parte do resto da Europa. Por isso, nunca poderia ter o meu voto. Tanto mais que, como Ricardo Araújo Pereira certeiramente disse, ele não gostava de ser livremente eleito - um facto sobre o qual o registo histórico não deixa grandes dúvidas - e que convém respeitar.
Mas não me espantaria que Salazar tivesse um votação respeitável (ou o contrário). Precisamente porque ele está bem morto e enterrado politicamente. Alguém fala de neo-salazarismo sequer comparável ao neo-nazismo, ou ao neo-fascismo (Reis Torgal dixit com razão)? Por isso, é um voto de protesto contra as elites, contra o politicamente correcto, contra a crise, contra o estado do tempo, sem custos nenhuns.
Finalmente, Aristides de Sousa Mendes: tinha um coração demasiado grande para o seu bem, isso é evidente. Quantos podemos gabar-nos de salvar sequer uma vida, e ele salvou muitas. Parece-me bem que se vote nele e se valorize a generosidade dos seus vistos. Desde que não o transformem naquilo que ele nunca foi: um diplomata exemplar ou um esquerdista. Sobretudo, estou seguro que uma boa votação nele significará um compromisso sério do bom povo português em acolher pelo menos tantos refugiados, agora, quantos Salazar deixou que entrassem em Portugal por via da bondade de Sousa Mendes e não só.
ADENDA - A revista norte-americana Atlantic lançou uma sondagem aos seus leitores para escolher os 100 norte-americanos mais influentes. Os resultados serão confrontados no próximo número (de Dezembro) com os ensaios sobre esse tema de alguns historiadores destacados. Uma variação sobre o mesmo mote.

3 Comments:

Blogger Fernando Martins disse...

Só uma observação. Enquanto Salazar esteve à frente do Governo em Portugal (1932-1968) a maioria dos europeus não vivia em democracia. Antes pelo contrário. A não ser que a URRS não fosse europa, e os fascismos e os socialismos reais da Europa central e de leste possam ser considerados democracias.

11:09 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Não há maneira de falarem no santo condestável D. Nun'Álvares Pereira. Esse sim, foi o maior português de sempre. A esse, ainda ninguém conseguiu apontar defeitos.

Luís Lavoura

12:00 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

A língua portuguesa teria muito bem sobrevivido sem Afonso Henriques e sem Estado independente. Da mesma maneira que sobreviveu o galego, o catalão e o vasco. Fora o leonês. Todos eles sobreviveram sem o apoio de um Estado independente.

Luís Lavoura

12:02 da tarde  

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