segunda-feira, outubro 30, 2006

Plágio equatorial, blogues, imprensa

A acusação de plágio a Sousa Tavares não tem qualquer base. Plágio é uma coisa séria. Só tem um definição aceitável: a cópia não assinalada das exactas palavras de um escrito alheio (ou quando muito, com muito escassa modificação por sinónimos). Copiar ideias ou investigações académicas originais sem referir o original é também grave, mas é já outra coisa. Mas usar descrições alheias de factos históricos exóticos recorrendo a palavras próprias e numa língua diferente é, quando muito, pastiche. Foi o que fez Miguel Sousa Tavares. Isto nada tem de ilegítimo, ilegal, ou desonesto, sobretudo num genéro como o romance histórico que vive largamente disso. O facto de Sousa Tavares ter, mais honestamente do que muitos, listado as obras em que se inspirou ainda torna a sua boa fé mais evidente e o trabalho dos denunciadores mais nulo. Os leitores do Equador podem portanto verificar que aquilo que queriam – um enredo polvilhado de descrições mais ou menos rigorosas de outros tempos – foi precisamente aquilo que obtiveram. Pode haver quem desgoste de um empreendimento literário com estaleiro tão à vista, mas isso é uma questão de estilo e género.

Mas Sousa Tavares errou de alvo ao atacar os blogues. Os blogues permitem pelo menos discutir uma acusação que de outra forma seria um boato mais difícil de documentar e contrariar abertamente. Sobretudo, não vejo que a imprensa de referência, que tanto tem realçado este aspecto, seja assim tão de referência neste campo. Quantas vezes tem usado blogues para alimentar as suas páginas como fez neste caso? Frequentes vezes copiando sem atribuição. Quantas vezes se tem feito eco de “fontes anónimas” que se revelaram falsas? E isto com a agravante de que quem espalha estas “notícias” é geralmente uma pequena elite com acesso directo aos jornais, e que a possibilidade de lhes dar resposta é limitada. A blogosfera é um alvo hipocritamente fácil.

5 Comments:

Blogger João Miguel Almeida disse...

O teu link para o meu post pode dar a impressão de que sou um dos que acusam MST de plágio, o que não é o caso. Acho é que, como escreves, «deixa o estaleiro à vista». Não li o romance. Considero que o MST deu um contributo importante ao jornalismo português como director de «A Grande Reportagem». E gostava de ler muitas das suas crónicas em «O Público». A reacção dele à acusação de plágio é bastante despropositada.
Toda esta polémica podia gerar uma discussão interessante sobre o realismo e essa ideia de «a arte imitar a vida». Na minha tradução da «Poética» de Aristóteles o que está escrito é que «a arte deve imitar a acção», o que é substancialmente diferente.
Será que a arte realista é, por definição, plágio? É interessante que MST, vindo de uma tradição cultural familiar crítica em relação ao neo-realismo, tropece na imitação da realidade, ou na reprodução em «pastiche» de descrições da realidade.
Vindo também do jornalismo e também pretendendo escrever acerca da realidade, Pedro Rosa Mendes parece-me um exemplo muito mais feliz de incursão literária.

6:07 da tarde  
Blogger Fernando Martins disse...

Bom post e bom comentario. Mas o comentário tem um senão. João, se não leste MST (posso dizer, porque li, que achei o Equador uma coisa pateta e de leitura penosa tantos são os pontapés na língua portuguesa e o absurdo do enredo - o político e o amoroso. Entre outras coisas, passei o "romance" a achar que o herói era um MST no início do século XX, nomeado governador colonial)não me parece que o possas comparar com Pedro Rosa Mendes (eu também não, porque nem sequer sei que PRM existe). E pronto, lá falei de MST que considero, e sempre considerei, uma total irrelevância intelectual. Os pais, afinal, não podem valer para tudo.

7:48 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Bom, eu li «A Baía dos Tigres» do Pedro Rosa Mendes. É complicado comparar um romance lido com um romance de que só li excertos e comentários. Mas o ponto é que o livro do Pedro Rosa Mendes descola-se do jornalismo, não procura uma «descrição objectiva» da viagem que faz por Angola, envereda resolutamente por um registo subjectivo. E assim a questão de «plagiar» a realidade ou as descrições da realidade feitas por outros já não se coloca.

8:03 da tarde  
Blogger Daniel Melo disse...

Também concordo com o Bruno Cardoso Reis e o João Miguel Almeida.
A blogosfera parece-me bem mais democrática que os media mainstream (para o bem e para o mal..), e com capacidade de avaliação crítica do que se escreve intramuros.
Tem revelado essa capacidade em muitas ocasiões.
Os vossos posts e comentários são boa prova disso.
Este é um assunto grave, tanto a acusação de plágio infundada como o plágio em si. Não se podem ignorar.
PS: é verdade, sou apreciador de romances históricos, embora não tenha lido nenhum dos que referem (não por falta de vontade, embora os «best-sellers» me irritem um pouco e tenha que os pôr em banho maria; por ex. o Alexandra Alpha, do José Cardoso Pires, só o li uns anos depois do sururu mediático, e valeu a pena).

1:25 da manhã  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro João lamento a confusão, remeti simplesmente para a minha fonte de informação sobre o assunto.

Quanto ao resto, parecem-me comentários interessantes com que concordo genericamente (e devolvo o cumprimento ao Daniel Melo e ao Fuga).

Romances históricos com essa etiqueta colada tendem a ser comercializados com base precisamente na expectativa de levar o leitor a um outro tempo, romances de viagem no tempo em vez de romances de viagem no espaço, e portanto a ter uma forte componente descritiva que se pretende colada à realidade. Quem dá isso, creio que dá honestamente o que lhe pedem.

Mas claro que é possível trabalhar de forma mais complexa e creativa o material histórico. Aqui todos teremos os nossos favoritos. Curiosamente, um que reli recentemente e que considero como dos mais interessantes e importantes da segunda metade do século XX é um romance-reportagem, trata-se de The Quiet American do Graham Greene. O que mostra que mesmo neste aspecto é perigoso generalisar.

Não li o Equador por falta de tempo. Mas li alguns textos de viagem de MST com gosto. E acho bom que surja mais produção nacional neste campo. Pelo menos lemos as nossas histórias, o dinheiro fica por cá, e escritores mais analfabetos funcionais e ignorantes dedicados da história do que um Dan Brown é impossível!

6:10 da tarde  

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