sexta-feira, março 31, 2006

Nada de novo (para lá da raia)?


O novo Estatuto da Catalunha (consultar aqui), que alguns já vêem como a antecâmara de uma independência, até parece moderado em aspectos sensíveis como a questão linguística (ver artigo 6.º, s. 2) e a articulação com as instituições do Estado Espanhol (por exemplo, a disposição adicional primeira). Existem várias referências à Constituição Espanhola e parece claro, no texto, que esta rege o Estatuto. Da mesma forma, não havendo qualquer referência às questões da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, presume-se que essas funções de soberania são desempenhadas pelo Estado Espanhol (nos termos da respectiva Constituição, não tendo o Estatuto de se lhe referir). No entanto, há aspectos das funções de soberania que levantam dúvidas. Assim, e embora as leis sejam promulgadas pelo presidente da Generalitat em nome do Rei (artigo 65.º), que nomeia o dito presidente (artigo 67.º), não deveria haver nas disposições iniciais uma discreta menção de lealdade da Catalunha à Coroa e ao Rei de Espanha? Depois, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha – cujo presidente também é, sob proposta, nomeado pelo Rei (artigo 95.º, s. 5) – deveria ser realmente (e em todos os casos) o tribunal de última instância na comunidade autónoma? São apenas dúvidas. Sem alarmismo. Nota final: o Estatuto é demasiado programático e reforça a consagração dos "direitos sociais"; mas isso é mal geral do Direito Público actual.

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quinta-feira, março 30, 2006

Os Balcãs cada vez mais perto


Hoje é o último dia da Espanha tal como sempre nos habituámos a vê-la. Será melhor para os espanhóis? Zapatero sabe para onde leva a Espanha? Sabe Maragall para onde leva a Catalunha? Sabem os catalães para onde levam a Penínsua Ibérica e a Europa? O separatismo em Espanha, e muito resumidamente, alimentou a guerra de sucessão espanhola, as guerras carlistas, a guerra civil espanhola. Agora deixa histéricos os dirigentes e as bases do PP, divide o PSOE e mexe tanto com os militares como divide a Igreja Católica espanhola. Dá que pensar e que redobrar cuidados. Gostava de saber se o nosso MNE e as nossas Forças Armadas têm elaborados estudos que nos ajudem a limiatr o impacte daquela que é cada vez mais a maior ameaça à paz e à estabilidade na Península Ibérica: a sua balcanização!

Engenheirices


O engenheiro ontem disse na Assembleia da República, no célebre debate mensal, que o Estado vai deixar de financiar cursos superiores que, à cabeça, tenham menos do que vinte vagas preenchidas. O que o engenheiro não disse é que o Estado se arrisca a financiar más licenciaturas com mais do que vinte vagas preenchidas e a não dar um cêntimo para licenciaturas de qualidade acimada média com menos do que vinte vagas preenchida. Temos engenheiro.
P.S.: Não consigo, o que não deixa de ser curioso, arranjar link da imprensa portuguesa on-line com estas declarações do engenheiro.

Tremeliques

Qual é a diferença entre isto e isto? Ou entre isto e isto?

terça-feira, março 28, 2006

Povo Malandro (querer dar o arroz de)

Segundo nos contam, Margarida Rebelo Pinto [MRP] e a Oficina do Livro requereram providência cautelar visando o impedimento de distribuição e / ou venda de Couves e Alforrecas: Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto, de João Pedro George.
O assunto é grave, pelo que para descomprimir aconselho uma visita ao site de MRP, com particular ênfase à secção Novos Críticos, onde consta um top dos "melhores críticos votados pela qualidade das suas opiniões" e onde MRP pede, exclamativamente:

"Critique! Surpreenda com a sua melhor crítica."

Hilário. Não percam.

Sunset Boulevard

segunda-feira, março 27, 2006

Consolo


Foi o que senti ao ouvir Pacheco Pereira a dizer, na TSF, que não se tinha sentido nada ofendido por o Vilhena o ter caricaturado como «Deus Pai», na Gaiola Aberta. Eis o estudo de caso que faltou a José Gil fazer nas suas reflexões sobre o «Medo de Existir» dos portugueses.

Isto é muito pior que o "Maio de 68"


Aquilo a que estamos assistir em França é um "Maio de 68" sem fim, mas pior que os acontecimentos de 1968. Por um lado, como é defendido aqui, é verdade que este tipo de desordens públicas faz parte da vida política francesa há muito tempo. É um género de escape de um sistema político centralizado e proteccionista e que, para lá da retórica inclusiva, tem privilegiados barulhentos e prejudicados confundidos. Mas o problema agora é que o Estado Social francês está prestes a entrar em ruptura, o que é o oposto da situação económica de 1968. Nesse ano, a conversa era puramente ideológica e devia-se a uma explosão de jovenzinhos aborrecidos com o conforto e a afluência dos "Trinta Gloriosos"; hoje, há na sociedade francesa problemas reais - e muito graves - que não encontram qualquer resposta sensata de políticos fracos (quando não imbecis) e de uma opinião pública completamente empaturrada de tanta demagogia que já não consegue pensar (e reagir) para além dela.

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Re: O que eu vi na Tanzânia

Um dos problemas de África é que os Europeus continuam a olhá-la essencialmente como uma questão "turística". Ora, os Europeus que estiveram em África, quer dizer, que lá viveram, têm uma visão diferente, que não se pode contentar em apontar a percentagem de literacia e a segurança pessoal que sentiram em duas semanas de turismo lá passadas como "prova" do que quer que seja. Não passa pela cabeça de ninguém, hoje, propor o regresso ao colonialismo. A questão que se estava a debater era apenas fazer um balanço das ideias dos descolonizadores portugueses, sobretudo os ideológicos que inspiraram e justificaram o abandono das províncias ultramarinas. O que eu continuo a pensar é que nós temos grandes responsabilidades na miséria actual das nossas antigas colónias africanas, mais pela forma como descolonizámos do que pela forma como elas estavam "colonizadas" em 1974. E suspeito que a incapacidade de falar disto frontalmente resulta da orgulhosa recusa de uma geração inteira de admitir a sua ligeireza em relação à "questão ultramarina" nos anos 70.

sábado, março 25, 2006

O que eu vi na Tanzânia


A leitura deste post do Fernando Martins permite perceber o seu desconcerto pela minha viagem à Tanzânia. O Fernando, na sua adolescência, fez-se uma viagem de inter-rail pela Europa porque considerava a França «um farol». E ficou desiludido com a higiene dos franceses. A má experiência olfactiva tolheu-lhe um futuro de viajante que podia ser promissor. Aconteceu-lhe pensar que só uma motivação muito forte levaria qualquer pessoa a afastar-se dos suaves perfumes da pátria. Qualquer coisa como a crença noutro «farol», um apelo místico ou a esperança de encontrar «bons selvagens». Lamento desiludi-lo. Provavelmente não teria visitado a Tanzânia se um amigo que não via há muito tempo – precisamente aquele com quem fiz o inter-rail no final do 12.º - não me tivesse desafiado. É raro recebermos convites do género «É pá, embora ir à Tanzânia e subir o Quilimanjaro». O momento não era o melhor, mas achei que não devia deixar escapar a oportunidade.
Sobre diversos aspectos da viagem já escrevi aqui. Limito-me a responder à acusação de não ter querido ver ou não me terem deixado ver miséria na Tanzânia. O país surpreendeu-me pela positiva. Apesar da pobreza, como é óbvio. Não estava à espera de encontrar um país rico. Porém, tinha dúvidas acerca da segurança. Em nenhum momento me senti fisicamente ameaçado. O facto de nunca ter havido uma guerra civil na Tanzânia reforçou a minha percepção de uma sociedade gozando de paz social. Este facto não é nenhuma banalidade. Nem a consequência de um território beneficiado por uma homogeneidade étnica, religiosa ou social. Situada entre o Norte de Moçambique e o Quénia, com costa no Oceano Índico, a população tanzaniana é composta de tribos africanas, indianos e pessoas oriundas do Médio Oriente. O islamismo, que noutras partes do mundo tem sido contaminado pela violência, aqui convive pacificamente com o cristianismo, o hinduísmo e o animismo. Há tribos completamente integradas na sociedade, como os Chagga, e outras que vivem de acordo com as suas tradições, como os Masai. Neyerere impôs como regra que todos os professores do ensino pré-universitário ensinassem fora do local onde tinham nascido. Foi uma medida autoritária, que criou dificuldades económicas a professores que, ganhando pouco, deixavam de poder contar com o apoio da família. Mas foi um dos actos da política de combate ao tribalismo. A administração pública tanzaniana não se encontra monopolizada por uma etnia. É uma pedra angular na construção de um Estado moderna.
Há bons transportes no país. Fomos de autocarro de Dar Es Salaam para Moshi. A principal diferença com uma viagem do mesmo género entre Lisboa e Paris, além da distância e da paisagem, encontra-se nas paragens. O autocarro é rapidamente cercado por grupos que tentam vender frutos tropicais, biscoitos e água aos passageiros, através das janelas. Apanhámos um avião do aeroporto internacional do Quilimanjaro para Zanzibar, da companhia aérea da Tanzânia. Não é decisão a tomar de ânimo leve. Da Rússia, país às portas da Europa, chegam-nos notícias preocupantes de acidentes aéreos. Foi uma viagem agradável. O avião atrasou-se. Como prémio de consolação, os passageiros tiveram direito a uma bebida não alcoólica. A TAP também se atrasa frequentemente e não costuma oferecer nada em compensação. O percurso de Zanzibar para Dar Es Salaam foi num ferry-boat. Viagem terrível, em que poucos permaneceram imunes ao enjoo. O problema não esteve no ferry, bastante moderno, e sim no mar.
Os parques naturais que visitámos mostraram capacidade de organização. Quem quiser subir o Quilimanjaro é obrigado a recorrer a uma companhia e a levar uma equipa com guia, cozinheiro e carregadores. Cada carregador tem um peso máximo de carga para levar Assim se dá emprego a mais pessoas e se evitam acidentes pessoais. Nas portas de cada rota de subida à montanha mais alta de África há balanças que pesam as cargas. Existe uma rede de vigilância e de segurança que evita um elevado número de acidentes numa montanha onde centenas de turistas acorrem todos os anos para tentar subir ao topo. Apesar dos problemas de caça ilegal, os outros parques naturais encontram-se preservados e são o palco de muitos documentários da National Geographic e de fotógrafos especializados na vida natural.
Em Dar Es Salaam, Moshi e Arusha, deparámos frequentemente com grupos de criancinhas e adolescentes fardados. Eu não gosto de ver fardas. No entanto, alivia pensar que são fardas escolares e não militares, como em tantos países africanos nos quais se verifica o recrutamento de crianças para a guerra. Eu consultei o site lincado pelo Fernando. Há indicadores terríveis no que respeita à saúde pública. Teria que compará-los com os dos países vizinhos para apreender o seu real significado. Mas os indicadores de literacia não me parecem tão maus como isso: 78, 2 por cento para o total da população, com 85,9 por cento para a população masculina e 70, 7 para a população feminina.
Resta a distinção entre pobreza e miséria. Como qualquer cidadão europeu, tenho a memória cheia de imagens terríveis de África: crianças deformadas pela fome, cheias de moscas e de barriga inchada. Não vi nada disso. Podem argumentar que eu fiz uma viagem pelos sítios mais turísticos da Tanzânia. O país é imenso e admito que nalgumas regiões possa haver fome. Sublinho, no entanto, que eu percorri milhares e milhares de quilómetros. Se a zona turística é tão extensa, o mérito também é do Governo. A irritação que nos causa a ideia do «pobrezinho mas honrado» não invalida a diferença entre pobreza económica e pobreza moral. Ouvi relatos de turistas assediados por crianças pedintes em Marrocos ou pessoas que oferecem comida a um miúdo da República Dominicana e assistem, com horror, a um assalto por outros miúdos literalmente esganando-se por um lanche ou um pequeno-almoço. Não testemunhei casos semelhantes na Tanzânia. O que há é muitos pequenos negócios em torno do turismo. Um tipo que me tentava vender uma bugiganga argumentava: «Não é bom dares-me só dinheiro, em troca de nada. Mas eu preciso. Por isso, compra-me a pulseira». É uma atitude muito diferente de um desgraçado que me persegue no Lumiar contando-me uma história horrível de cada vez que me tenta sacar uns euros. Assim fiquei a saber, entre outras coisas, que a mulher morreu com sida, a mãe partiu uma perna e os filhos levam porrada na Casa Pia.
Eu não duvido que o rendimento médio de um Masai, por exemplo, seja baixíssimo. Os recursos são escassos, obtidos através da pastorícia ou da negociação de fotografias com os turistas. Um fotógrafo profissional que conheci contou-me a história de um Masai que, reconhecendo-se num poster turístico, foi à sede da companhia pedir dinheiro pela utilização da sua imagem. Falta de dinheiro não significa falta de brio. Vestem trajes e adornos tradicionais fabricados pelo clã ou comprados a baixo custo. Vivem em cabanas com tijolos de lama e colmo. O pouco que têm garante-lhe alimentação, habitação, uma vida social organizada. Mais importante, sentem-se a salvo da guerra. Muitos iraquianos e afegãos, vivendo num regime escudado pelos Estados Unidos, não podem afirmar o mesmo.

sexta-feira, março 24, 2006

Mais comentários longos sobre o destino do derradeiro império colonial português!

Li com interesse o comentário do Gabriel. Mas por culpa minha ele começa por discutir um ponto partindo da interpretação errada de uma expressão por mim usada. Quando falo de africanos portugueses, não me refiro aos colonizadores brancos, mas àqueles que brancos, mestiços ou, sobretudo, negros ficaram na África portuguesa depois da descolonização. Devia ter dito, talvez, "indígenas".
Quanto à bondade dos processos negociais que conduziram à independência, eles foram em geral pelo menos tão negativos como aqueles que se sucederam à descolonização portuguesa, também ela negociada – embora, e tanto quanto se sabe, mal negociada. No Ghana, na Tanzânia, na Costa do Marfim, na Guiné Conakry, na Nigéria, na Somália, no Chade, na Líbia, no Quénia, no Uganda, no Zimbabwe, no Zaire, etc., etc., as descolonizações foram negociadas e, com excepção do Quénia e, sobretudo, do Zimbabwe, ocorreram cerca de quinze anos antes da descolonização portuguesa. No entanto, os resultados foram e são dramáticos. Na Namíbia e na África do Sul as "descolonizações" foram tardias, após guerras civis e guerras coloniais muito mais violentas do que aquelas que ocorreram na África portuguesa. Porém, comparativamente, os resultados têm sido muito melhores. Na Namíbia e na África do Sul, como até há meia dúzia de anos no Zimbabwe, as elites independentistas perceberam, ou foram obrigadas a perceber, que descolonização e a independência não significavam a expulsão dos brancos ou a destruição das estruturas públicas e privadas criadas pelo colonialismo (recusando assim, finalmente, os ensinamentos de Fanon). Estes e outros aspectos são muito importantes para que se percebam os resultados. De qualquer modo, no dia em que, eventualmente, os governos da África do Sul ou da Namíbia optem por seguir o exemplo de Robert Mugabe no Zimbabwe, o caos instalar-se-á. No caso da África do Sul, e para quem siga de perto o que lá se passa ou leia as novelas ou os romances de Gordimer ou de Coetzee, fica espantado por o caos não se ter ainda instalado de uma forma global. É que em muitos níveis da vida do social e da vida política, a anarquia está instalada há muito. Sendo verdade que a África do Sul "já era independente" aquando do fim do apartheid, certo era também que vivia totalmente rejeitada pela comunidade internacional. Na Rodésia do Sul verificou-se em 1965 tão somente uma declaração unilateral de independência nunca aceite internacionalmente. Mas o problema das descolonizações não foi nunca o da independência pura e simples. A descolonização foi sempre vista por todos como um processo global de transferência de poder - de todos os poderes - de uma minoria colonial para uma maioria autóctone indígena e negra. Este último aspecto era importante porque tinha uma dimensão racial que há distância do tempo e do espaço pode parecer incompreensível ou irrelevante. Ora aquilo que estava em causa era um processo que nas nossas sociedades europeias poderia equivaler à reivindicação de uma transferência imediata do poder das mãos daqueles que o detêm - económico, social, cultural, ideológico, político - para as mãos daqueles que sustentem (com ou sem razão) não o ter. Os negros em África ambicionavam passar a ter muito rapidamente as casas, os carros, o dinheiro, a comida, a roupa, as escolas, dos brancos, da mesma forma que uma família portuguesa de 6 pessoas com rendimento de 600 euros por mês e uma casa velha e minúscula num qualquer ponto do país pode achar justo passar a receber, através da expulsão do país, o salário daquela minoria que ganha 120 000 euros por ano, juntamente com a posse da respectiva casa em condomínio de luxo e férias no estrangeiro três vezes por ano - independentemente do número de filhos.
Concordo que Salazar teve responsabilidades no destino da África portuguesa. Mas não na descolonização. E certamente ainda menos nas guerras civis e na natureza dos regimes políticos implantados na África portuguesa a partir de 1974. Em 1974, e embora muitas vezes se diga o contrário, a UNITA, a FNLA, o MPLA, o PAIGC ou a FRELIMO eram aquilo que sempre tinham sido. A guerra e os desastres em que se tinham transformado outras independências africanas poderiam ter incutido nas respectivas lideranças alguma moderação. Porém, tal não sucedeu. A tragédia da descolonização portuguesa foi pois totalmente da responsabilidade dos dirigentes político-militares que fizeram o 25 de Abril e depois impuseram ou aceitaram uma descolonização inqualificável. O argumento de que Salazar e Caetano tiveram responsabilidades na descolonização é falsa e é cobarde. É falsa do ponto vista histórico porque que nunca a desejaram e tudo fizeram – bem ou mal – para que nunca acontecesse. É cobarde porque aqueles que levaram a descolonização para a frente não só nunca aceitaram as suas responsabilidades na empreitada, como tendem a argumentar com aquilo que outros antes de si não tinham feito deixando-os perante uma inevitabilidade. Sendo verdade que os responsáveis político-militares do pós-25 Abril não concordavam, eventualmente, com a política colonial portuguesa, a verdade era que deveriam estar ou sentir-se preparados para fazerem descolonizações com base naquilo que era a realidade do colonialismo português e não em função daquilo que desejavam que tivesse sido feitos entre 1961 e 1974 e não foi feito. Resultado: a verdade é que nunca ninguém teve ainda a coragem de assumir a sua quota parte de responsabilidades e pedir desculpa pela aos portugueses e aos africanos pela descolonização feita. Mas em Portugal, e em especial na política, isso é normal.

Longos comentários sobre o destino do último império colonial português.

Se há coisa que ainda me provoca algum tédio numa discussão, é quando, por exemplo, depois de se usar uma figura de retórica mais forte, o alvo começa logo por dizer que se está a entrar no ataque pessoal. Quando afirmei que o João Almeida não quis ver, foi isso mesmo que quis significar. É absurdo viajar por um dos países mais pobres do mundo e não ver isso mesmo. Eu, se fosse o João, pedia reembolso da viagem e da estadia. Ir à Tanzânia e não ver miséria, é tão absurdo quanto eu ir à Cova da Moura e dizer que só tinha visto africanos muito dignos, muito orgulhosos das suas raízes e do seu bairro. Isto seria certamente verdade. Mas não era toda a verdade. Ocultava, por preconceito ideológico, alguns dos aspectos mais importantes da verdade: a marginalidade, a violência, a exclusão social, o racismo, as dificuldades económicas, etc.. Como é óbvio, nunca me passou pela cabeça que o João Almeida tivesse ido à Tanzânia à custa daquele Estado ou de qualquer organização não governamental, por exemplo, interessada em publicitar em paraíso africano que é o antigo Tanganica e esse bálsamo para o corpo e para a alma que é a água do Kilimanjaro. Agora aquilo que me parece é que o João Almeida anda pelo Terceiro Mundo à descoberta de si próprio e numa daquelas benditas peregrinações em que buscamos os seres humanos bons selvagens ainda não corrompidos pela degenerescência moral que o progresso para muitos inevitável e lamentavelmente trás.
Visto isto, quero dizer reforçar que considero que, globalmente, e como fenómeno histórico, a descolonização africana foi um crime, em certo sentido comparável ao fascismo ou ao comunismo, sendo que os seus responsáveis não são apenas as elites africanas pós-coloniais. Refiro-me, por exemplo, àqueles que, independentemente da raça, “generosamente” lutaram por esse mundo fora pela vitória das descolonizações, da mesma forma que o fizeram em prol do triunfo do fascismo ou do comunismo: os intelectuais e os políticos. No entanto, e apesar da “generosidade”, os resultados foram dramáticos, mesmo reconhecendo que nas descolonizações africanas nem tudo correu mal – na Costa do Marfim e no Senegal durante muito tempo, enquanto que o Malawi e o Botswana têm conhecido um destino globalmente feliz, embora mais pobre do que remediado.
Devo ainda reconhecer que o colonialismo europeu em África foi, claramente, um processo violento e muitas vezes criminoso. E foi-o sem excepção. Veja-se aquilo que Leopoldo fez ao Congo, a partir do momento em aquele território africano lhe foi concedido pela potência europeias em regime de coutada. Veja-se aquilo que os portugueses fizeram nos territórios africanos à sua guarda e às respectivas populações autóctones desde finais do século XIX, o mesmo sendo válido para alemães, boers, britânicos, franceses, espanhóis, etc. Mas por outro lado, convém recordar que os europeus dividiram África entre si e iniciaram a sua colonização para libertarem os africanos. Para os libertarem de incompreensíveis guerras internas, para extinguirem o esclavagismo e o tráfico de escravos que ainda subsistiam na segunda metade do século XIX, para eliminarem doenças, para evangelizarem e educarem os africanos. Numa palavra: para os civilizarem. Não ponho também em causa o denodo e a generosidade de muitos anticolonialistas, nomeadamente de portugueses, mas não poria ao mesmo nível, por exemplo, Álvaro Cunhal e Mário Soares. Enquanto aquele queria efectivamente que a África portuguesa transitasse para a órbita soviética, Mário Soares era, e continua a ser, simultaneamente um ignorante e um cínico em matéria de colonialismo e descolonização, a quem só interessava a conquista do poder em Lisboa, acontecesse o que acontecesse na África portuguesa. Vejam-se duas coisas que escreveu no Portugal Amordaçado sobre o colonialismo e descolonização, para se perceber a dimensão da irresponsabilidade, da ignorância e do cinismo.
Irresponsabilidade e ignorância: “[…] Timor, que é uma ilha indonésia com bastante pouco que ver com Portugal.” Portugal Amordaçado, Editora Arcádia, p. 457.
Cinismo: “No final do séc. XIX e no princípio do séc. XX floriu uma geração de administradores coloniais de alto quilate – melhor dito, de colonialistas – integrados nas concepções europeias dominantes na época […]: António Enes, Mousinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Norton de Matos, Álvaro de Castro, entre os mais salientes. Foi então que se retomou a velha designação de «províncias ultramarinas» […] não para negar a existência do fenómeno colonial, mas tão só para acentuar o carácter radicalmente anti-racista do colonialismo português, que abertamente se confessava.” Idem, p. 431.
Para terminar devo dizer duas coisas em matéria das virtudes das descolonizações tardias. Devo dizer que para mim houve sobretudo, e podem continuar a haver, boas e más descolonizações, sendo que umas e outras tanto podem ter sido tardias como precoces. E se quisermos louvar as virtudes da Tailândia nunca colonizada, talvez seja melhor recordar a pujança de estados colonizados e violentados na mesma região do globo como Singapura, Coreia do Sul e Formosa. Aliás, a prazo, os tailandeses nunca colonizados, estarão muito atrás de um dos estados mais violentados da região por colonialismo europeu, guerras civis, guerras contra potências ocupantes e por um regime socialista semi-bárbaro: refiro-me ao Vietname. Por último, a questão de Timor-Leste. Penso que é o exemplo paradigmático, embora por excesso, de como o processo descolonizador pós-segunda guerra mundial esteve cheio de equívocos – para não dizer mais – e de como os generosos colonizadores portugueses ignoravam a complexidade e as contradições naturais de qualquer processo descolonizador. Neste caso, mais do que terem deixado ficar irremediavelmente mal o colonialismo português, mostraram todo o absurdo, a ignorância e a irresponsabilidade daqueles que em Portugal, antes e depois do 25 de Abril, defendiam a independência a outrance de todos os territórios coloniais. Não só Timor não tinha, como não tem, nem sei se alguma vez terá, condições para ser de facto um Estado independente, como toda a história do território entre 1975 e 1999 demonstra a natureza criminosa do anticolonialismo. Não querendo nem podendo branquear a ocupação militar indonésia que se via como descolonizadora – afinal contava com o apoio de uma minoria importante dos timorenses –, a verdade é que os generosos paladinos da descolonização portuguesa abandonaram Timor os timorenses ao arrepio de qualquer regra de bom senso, de humildade político-ideológica e das mais elementares regras políticas e morais que devem conduzir a actividade política, e que também, e apesar de tudo, enquadram a política internacional. É que aqueles que em Portugal “generosa” e “desinteressadamente” gritaram “nem mais um soldado para as colónias”, impedindo que se reforçasse o contigente militar português em Timor – um recurso vital para evitar a guerra civil entre timorenses e, portanto, a invasão indonésia –, ou os que calados consentiram a inércia, são responsáveis pelo destino de Timor. Infelizmente para eles, o mesmo juízo é igualmente válido para tudo aquilo que veio a suceder no malfadado e às vezes chamado terceiro império colonial português: o abandono, não tanto nem só dos portugueses europeus, mas das populações condenadas à morrer pela fome, pela peste e pela guerra.
P. S.: Este post não leva links nem imagens porque o computador em que escrevo é quase da era colonial.

Para todo o crente

Via Elise fiquei a saber que ontem, no Porto, na Capela do Hospital de São João, se realizou uma celebração ecuménica com o objectivo de lembrar que (lê-se em comunicado do Serviço Religioso do dito hospital) está "por regulamentar a Lei da Liberdade Religiosa no que respeita à assistência religiosa por parte de outras Igrejas cristãs e outras religiões". Parece-me justo e oportuno que tal aconteça, e registo o facto de, há já varios meses, não recordo se No Adro se A Bordo, ler um incitamento a que este mesmo tipo de iniciativa fosse tomado por parte da Igreja Católica portuguesa. Fico muito feliz. A doença é, para a maior parte de nós, um acontecimento excepcional que fragiliza e perturba profundamente, que marca um antes e depois, no feliz caso de haver um terreno depois. O apoio espiritual é fundamental para todo o crente, pelo que urge a regulamentação desse mesmo direito. Para todo o crente, repito.
[Logo: Piotr Mlodozeneic]

P.S. Aproveito o ensejo e relembro o repto de Nuno Guerreiro para a noite de 19 de Abril. Ao Rossio.

quinta-feira, março 23, 2006

A memória efémera dos SMS


Não é uma fatalidade que os progressos e as revoluções tecnológicas alimentem a cultura do efémero. A blogosfera é um bom exemplo. Aparentemente, o post é a arte da escrita instantânea. Mas também pode ser a arte de ligar textos antigos e uni-los numa teia fora do espaço e do tempo.
As caixas de emails têm limites. No entanto, nada nos impede de guardar emails que marcaram a nossa vida em discos rígidos do computador, disquetes ou CD-ROMs.
Não acontece o mesmo com os SMS. Pelo menos, para o utilizador comum. O que é trágico, pois não há registo mais próximo da nossa vida afectiva. A «caixa de entrada» podia chamar-se «espelho da alma». Reflecte tudo: o amor e a raiva, o inesperado e o banal. Por isso, há mensagens que apagamos com prazer e outras que vamos deixando ficar, como fogo-de-artifício cristalizado, tábua de naufrágio que não pode ser devorada pelo tempo, farol secreto de raras e cintilantes palavras.

Descolonizações? Não, obrigado!

Se há tema de que gosto é do colonialismo europeu em África, das descolonizações africanas e do estudo comparado dos colonialismos e das descolonizações. O comentário do João Miguel Almeida ao meu post da semana passada e ao comentário breve mas muito acertado do Luís Aguiar Santos, permitem-me voltar ao assunto. Não percebi até que ponto pensa João Miguel Almeida que aquilo que depois da descolonização se passou em África – e em particular na África portuguesa – é consequência do comportamento lastimável das elites e das massas que se espalham por aquele continente. Mas parece-me óbvio que é totalmente destituído de razão pensar que as guerras civis em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, pós-1974, tiveram alguma coisa que ver com a especificidade da colonização portuguesa, ou com o facto da descolonização, também portuguesa, ter sido feita tardiamente. Veja-se, desde logo, que praticamente todos os países africanos a sul do Saara, descolonizados nas décadas de 1950, 1960 ou 1970, têm conhecido uma profunda instabilidade político-militar, agitação social, decadência económica, empobrecimento generalizado, massas brutalizadas, elites infinitamente corruptas. Compare-se, por exemplo, ou imagine-se, aquilo que era Coreia do Sul em meados da década de 1950, depois da guerra civil e de uma ocupação japonesa de décadas, incomparavelmente mais violenta do que aquela que os europeus tinham levado a cabo em África, mesmo contando com aquilo que se passou no Congo belga e da futura Namíbia, e aquilo que era o Ghana em vésperas da sua independência. Veja-se agora aquilo que é a Coreia do Sul e a aquilo que é o Ghana. Lamento dizê-lo, pensando nas almas mais sensíveis, mas considero que a decisão tomada por Salazar de que Portugal deveria continuar em Angola e, depois, em toda a África portuguesa, foi uma decisão acertada, pelo menos do ponto de vista dos interesses dos africanos portugueses. É certo que deu de bandeja à metrópole uma guerra colonial durante treze anos, uma guerra com apreciáveis custos sociais, económicos e humanos. Mas, paralelamente, comprou igual período de tempo de paz relativa, de estabilidade social e de progresso económico em territórios como Angola, mas, também, na Guiné, e em Moçambique. Para mim, e olhando para aquilo que se passou no Zaire, antigo Congo Belga, desde 1960 e até há meia dúzia de anos, não posso deixar de achar que o caso de Angola não é mais do que o exemplo claro de que a sua descolonização tardia permitiu impedir que ali se tivesse passado aquilo que se sucedeu no Zaire logo desde 1960. Guerras civis, massacres de populações negras por outras populações negras, destruição do Estado colonial e sua não substituição por qualquer coisa de útil e civilizada, intervenção militar estrangeira, interferência da ONU, poder indiscriminado nas mãos de militares, etc., etc. Ora em Angola, entre 1960 e 1974, e com excepção de 1961, aquilo que houve foi um conflito militar de baixa intensidade. Sendo certo que custou vidas tanto a africanos como a portugueses, a par da guerra o território conheceu um enorme desenvolvimento económico, político e cultural. A partir de 1974, a guerra civil teve um enorme custo em vidas humanas, já para não falar na regressão económica, social, cultural e política que provocou. Diria mesmo mais: o autoritarismo de Salazar e de Caetano era indiscutivelmente sinistro. Porém, aos olhos daquilo que existe politicamente em Angola desde 1974, o salazarismo e o marcelismo eram regimes respeitabilíssimos. Veja-se agora o caso de Moçambique. Aí a guerra colonial começou em 1964. O principal apoio externo directo vinha da Tanzânia, país africano de cuja história João Almeida tem uma agradável impressão. Diz que não conheceu guerras civis e que hoje é um país pobre, onde se vê pobreza, tal como em Portugal, mas não miséria. Um bocado como o Portugal de Salazar. Pobre, mas não miserável. Pobre, mas honrado e suponho que razoavelmente limpo. A afirmação do João Miguel Almeida faz-me pensar porque razão é que naquele que é um dos países mais pobres do mundo não se vê miséria nem, aparentemente, grandes diferenças na distribuição da riqueza, fenómenos tão típicos não apenas noutros países do continente africano mas, também, e segundo algumas opiniões, em Portugal. Será que o João não viu miséria, não quis ver miséria, ou não o deixaram ver miséria? Mas mais importante de tudo, a história da Tanzânia depois da descolonização é tudo menos um bom exemplo. Nyerere, o pai da independência e da nação tanzaniana, com a sua visão muito pessoal daquilo que devia ser o socialismo africano aplicou, durante toda a década de 1960 e 1970, uma série de políticas cujos resultados para as populações, para a economia, para a sociedade, para o sistema de ensino, e por aí fora, foram idênticos aos de uma guerra civil à maneira clássica (veja-se Joshua Muravchic, “Ujamaa: Nyerere Forges a Synthesis” in Heaven on Hearth: The Rise and Fall of Socialism, Encounter Books, 2002, pp. 198-226). A Tanzânia, que não era um país miserável antes da independência, transformou-se, rapidamente, graças à esclarecida marcha para o socialismo definida e imposta por Nyerere e tão apreciada por Nuno Teotónio Pereira, num dos mais miseráveis países do mundo. E se Moçambique, até 1974, conheceu também o seu milagre económico, pôde beneficiar, depois da independência, do esclarecido governo da FRELIMO e da esclarecida liderança de Samora Machel. A construção do socialismo, primeiro, e a guerra civil, depois, levaram Moçambique muito para trás daquilo que tinha sido quando Portugal lhe pegou.Finalmente, vale a pena recordar que dos três derradeiros países da África negra a atingirem a independência (Rodésia do Sul, Namíbia e África do Sul), apenas no primeiro a situação se tem deteriorado muito nos últimos anos, enquanto que nos outros dois, e por enquanto, a experiência de transferência do poder das mãos de uma minoria branca para uma maioria negra não causou ainda acontecimentos com resultados políticos, económicos ou sociais globalmente negativos. Isto parece querer dizer que quanto mais tarde tal transferência aconteceu, maiores foram os resultados positivos e menores os negativos e que portanto o grande erro – talvez inevitável –, cometido pela Europa em relação a África foi não ter querido e/não não ter conseguido prolongar por mais meio século uma colonização que se iniciara, de facto, depois da Primeira Guerra Mundial.

terça-feira, março 21, 2006

De novo, Ron Paul...


Nos anos 80, o presidente Ronald Reagan, perante críticas de que era alvo, fez uma afirmação célebre em defesa das suas políticas: THIS IS NOT A QUESTION OF RIGHT AND LEFT, BUT OF RIGHT AND WRONG. Os liberais clássicos deveriam ter isto mais presente antes de alinharem nas lutas partidárias do sistema (nos Estados Unidos e não só) como se toda a razão estivesse com um partido e nenhuma com o outro – pelo menos é o que parece. Até porque, já que há a graça de existir pelo menos uma sólida voz independente no "bando da razão", que a ouçam um pouco mais. Por exemplo, sobre este assunto (ver mais aqui).

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Debate mais sereno s.f.f.


A questão que levanto perante este cartoon é: porque os Iranianos, alegadamente, enforcam homossexuais e dissidentes vamos atacá-los? E os defensores do ataque ficam com a razão só porque os militantes radicais ridicularizados no cartoon têm um discurso contraditório? Será este discurso dos radicais relevante para a questão em debate, que é: como lidar com a política nuclear do Irão? Que tal deixarmos de levantar areia e polémica fácil e regressarmos ao debate sereno (como, por exemplo, aqui?).

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segunda-feira, março 20, 2006

C.D.S.: pede-se juizinho...

Faço minhas as palavras de Rui A. na sua referência ao "churrasco" que está em vias de torrar de vez o C.D.S. Esta oposição pouco leal a um líder legítimo por gente com quem eu até simpatizava, mas que não soube manifestar vontade e organizar-se no último congresso, é um espectáculo lamentável (e de tirar as últimas ilusões a espectadores ainda interessados, como eu).

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sábado, março 18, 2006

Almanaque do Povo

Blogue onde apetece passear todos os dias, por estes dias: Dias com árvores, para quem quer saber da Primavera com detalhe.

Bloggers portugueses que não sabem só brincar aos Malucos do Riso: A destreza das dúvidas lança OPA não hostil sobre Miss Pearls.

Série blogosférica de utilidade pública: "Quiosque", sempre aberto e actualizado, no Bloguitica.

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sexta-feira, março 17, 2006

Felicidades

O Xoán Vasco faz hoje quatro anos. Vai celebrá-los com os colegas na escola. Têm bolo, coca-cola, guardanapos e copos do Nodi, além de sapos e golfinhos de "borracha" para se encatarem enquanto comem. À tarde vamos comprar brinquedos. No Domingo à tarde é a festa lá em casa. Parabéns ao Vasco, parabéns à Mãe e, já agora, parabéns ao Pai, este vosso criado!

Há Dias Assim


Talvez por causa da chuva que cai copiosamente em Évora esta manhã, acordei com uma enorme nostalgia do império colonial português em África. Daquele que recomeçou com a Segunda Guerra Mundial. Logo eu que nunca pus um pé no continente negro e só o conheço do meu trabalho de historiador. Mas talvez por isso saiba que nem tudo foram cardos. Esta é uma maneira de homenagear aqueles que indo da metrópole muito deram àquelas terras – como militares ou como civis – e os que sempre lá estando sofreram com o colonialismo mas também dele beneficiaram e que ainda se interrogam sobre se os países livres e independentes que herdaram, há mais de trinta anos, eram aquilo com que eventualmente sonharam e lhes prometeram. Como me confessava há uns anos um guineense internado como eu no Hospital Egas Moniz, para que a independência tivesse sido minimamente aceitável teria bastado que o PAIGC tivesse deixado como antes da independência.

A Matança da Pascoela, 1506 - 2006

[reprodução colhida aqui]

Nos dias 19, 20 e 21 de Abril de 1506 Lisboa foi lugar de uma perseguição sangrenta a judeus e cristãos-novos. Luís Carmelo já a havia lembrado, Rui Cerdeira Branco também, Nuno Guerreiro concretiza um desafio. Agora é passar a palavra: não será já tempo de honrarmos as vítimas dos nossos dias de má memória?

St. Patty’s Day



ME: It’s hard for me to get the Irish accent sometimes.
TOM: It’s hard for me too… and I am Irish.
ME: Well, yes, especially the kind of heavy rural one.
TOM: That’s right.
ME: …
TOM: But you can try an Irish technique.
ME: Ye?
TOM: If it’s a difficult problem, try it after a few pints of Guinness.
ME: A few pints of…
TOM: Ok, the number is up to you, depends on how hard’s the problem.
ME: …
TOM: And if you still can’t sort it out, you’ll fill a hell-of-a-lot better about it!

Glossário:
Pint, uma ganda caneca de cerveja, mais exactamente 0.56826125 litro.
St. Patty oficialmente conhecido como St. Patrick, santo patrono da Irlanda. (Até aos anos 70, manda o rigor histórico que o diga, os pubs eram obrigados a fechar nesse como noutros feriados religiosos, mas a festa aparentemente era rija na mesma).
Guinness, típica cerveja preta irlandesa, a aveludada espuma característica deve manter-se até ao fim e exige certa técnica.

Aviso aos leitores:
Este texto deve ser lido como uma caricatura dos irlandeses e não como uma representação rigorosa do país com crescimento económico mais rápido da UE. Ou isso, ou em vez do choque tecnológico, devíamos tentar umas Guinness...

Patrocinador oficioso deste poste : www.guinness.com

quinta-feira, março 16, 2006

Uma Questão de Odores


Visitei pela primeira vez a França já lá vai vinte e dois anos. Tinha então 18. Portugal ainda não estava na CEE e para jovens inconscientes como eu parecia pouco provável que lá chegasse. Na altura já lia livros franceses e a França e a cultura francesa eram ainda o farol para mim e para muitos da minha geração. Estava à beira de entrar na Universidade e queria estudar História. Já tinha lido algumas coisas de Le Goff, de Duby e, claro, do incontornável Braudel. Entrei por Hendaye porque o Sud-Express assim obrigava e penso que ainda obriga. Visitei a vila. Tudo muito bonito, muito arranjado. Porém, os nativos andavam com as baguetes, assim, sem mais nada, debaixo do sovaco (embora a minha opinião sobre o assunto viesse rapidamente a mudar, verdade era que a coisa não impressionou grandemente. Isto porque, anos antes, os espanhóis ainda embrulhavam o pão em papel de jornal. Por cá só o peixe fresco merecia tratamento idêntico àquele que os espanhóis davam ao pão).
Segui depois para Nice onde praticamente só vi estrangeiros. Dei então um salto até Itália onde pela primeira vez na minha vida vi mulheres realmente bonitas. Na altura era preciso ir a Itália para ver mulheres bonitas. As nossas, tesas, e na ressaca da revolução, havia apenas um ou dois anos que tinham recomeçado a depilar-se, a ir ao cabeleireiro e a comprar uns trapinhos minimamente apresentáveis. Nem no Banana Power se via grande coisa. A verdade é que contemplei em Itália mulheres muito bonitas e elegantes como aquelas que pensava só existirem no cinema. Nunca mais me esqueço. Foi na estação ferroviária de Florença. Altas, magras, mas com mamas (peço desculpa pelo termo, mas não gosto da palavra seios e não uso, normalmente, a palavra tetas), produzidas, sedutoras, perfumadas. Calças justas, botas altas de design inimaginável, pernas altas, saias curtas, mãos arranjadas, cabelos penteados. Se o céu existia estava na estação ferroviária de Florença, um edifício enorme, de linhas muito modernas e materiais muito sólidos construído no tempo do Fascismo. Uma dessas divas, jovem, informal, imaginando-me, cheia de razão, oriundo de um país para lá da cortina de ferro, ou até mesmo da Albânia (que era ainda pior que a cortina de ferro), sendo que na altura os albaneses ainda eram relativamente raros em Itália – quis saber de onde vinha a minha pessoa e um outro jovem, ainda mais baixo do que eu, que me acompanhava e eu acompanhava desde Lisboa. Não sabia o que dizer. Ela falava comigo em italiano, depois em francês, finalmente em inglês. Eu, inexplicavelmente, porque nuca tive qualquer jeito para línguas, percebia tudo, mas não conseguia responder. Secava-se-me a boca, enrolava-se-me a língua. Depois de uns alguns instantes de concentração extrema, superior, muito superior, àquela que alguma vez tinha usado ou voltaria a usar ao longo da minha vida, tive coragem para lhe pedir que adivinhasse. Percorreu toda a Europa, não se esqueceu da Albânia, mas nada de Portugal. Não só era bonita como sabia geografia. De Florença segui dias mais tarde para Veneza. Regressei então a França, o destino era Paris atravessando a Suíça.Do meu primeiro desembarque em Paris – e a bem dizer só me lembro de uma espécie de subúrbio da cidade luz – só recordo uns “árabes” oriundos do Norte de África, calçando chinelos e vestindo aquilo que me pareciam ser umas camisas de dormir compridas de algodão com listas verticais finas azuis e brancas. Homens de meia-idade deambulando pelas ruas, pacificamente – ainda não se falava de choque de civilizações – olhavam para nós como sendo eventualmente uns dos seus embora sem envergar chinelos nem camisas de dormir. Mas tal como lembro dos “árabes”, também recordo, muito mais ainda, de um out-door, que depois teria oportunidade de rever em inúmeros cantos e recantos de Paris, anunciando o desodorizante milagroso. Ao contrário do 8x4 português que entre finais da década de 1960 e da seguinte anunciava que se podia orgulhar de ter produzido o primeiro desodorizante que ultrapassava a barreira das cinco horas da tarde – na altura ainda não se dizia 17 horas, uma vez que o doutor Salazar e o professor Marcelo Caetano só permitiam que os portugueses soubessem contar até doze – o dito produto de higiene francesa garantia fazer efeito durante UMA SEMANA. Eu nem queria acreditar. Não que houvesse um desodorizante que durasse oito dias, mas que na cidade que aprendera a admirar mais que nenhuma outra, a capital mundial da cultura, houvesse mercado suficiente para consumir tão sinistro produto. Resumindo, os franceses eram acima de tudo porcos e preguiçosos. Durante um par de anos ainda li umas coisas em francês e nas duas semanas que vagueei por Paris comprei o Vermelho e o Negro que até hoje se conserva nas prateleiras lá de casa à espera de ser lido. Desde então, e para mim, a França foi morrendo lentamente. Voltei a Paris em 1989. Estava a cumprir o serviço militar. Sabe-se lá porquê, mas também ainda não havia choque de civilizações, só gostei dos “árabes”. Talvez por saber que estes ao menos lavam os pés para rezar. Quando hoje como quando vezes sem conta assisto a manifestações estudantis e outras formas “agitação social” em França. Quando vejo um ministro chamar canalha a uns rapazitos nada recomendáveis de origem “árabe”, ou Chirac a pavonear-se por esse mundo, só me lembro do bendito desodorizante. E imagino como mais do que a pancada aos estudantes ou os sorrisos patéticos de Chirac que aturamos na televisão e que nos custam tanto a suportar, pior seria se a televisão tivesse cheiro e eu, como toda a população mundial, tivesse que regressar ao suplício que é viajar no metro de Paris com franceses todos besuntados com desodorizante para oito dias mas que ninguém lhes explicou ainda que nem para oito horas servem. É que os franceses ainda não perceberam que as coisas não vão mudar enquanto não se começarem a lavar e derem a si próprios uma grande ensaboadela. Entretanto, aquilo que vai passando em França, seja em que campo for, pode, justamente ou não, emocionar muita gente. Para mim, e desde há 22 anos, é sobretudo uma questão de odores. De maus, entenda-se!

A fé cristã e os dois "vencidismos"


Convido-vos a ler um post que fiz no L&LP sobre este tema e que, por ser demasiado longo e específico, não transcrevo aqui. Para ler, clicar aqui. Obrigado ao Jorge Revez, cuja comunicação brilhante inspirou esta reflexão.

Irão, França, EUA e o Nuclear


Prometi voltar à questão do nuclear e do Irão. Cumpro. Parece que o tema vai começar agora a ser discutido na ONU. E quer os comentadores aos meus postes, quer um mail do Jorge Fernandes, quer o Paulo Gorjão, quer o Henrique Raposo, ou Vasco Pulido Valente, teceram vários considerandos interessantes sobre a questão.
Começemos pelo essencial: o Irão não é uma potência nuclear. Esta não é uma crise nuclear, no sentido da crise dos mísseis de Cuba de 1962. Não há bombas a ameaçar ninguém. É uma crise do regime legal internacional de não-proliferação nuclear. Mesmo que tudo lhe corra bem, o Irão não terá uma primeira bomba funcional senão daqui a três a cinco anos no mínimo, segundo os entendidos. Antes de ter um arsenal nuclear sequer parecido ao da Índia e do Paquistão, dois importantes aliados dos EUA com cerca de 40 bombas, para não falar de Israel, estimado entre 200 e 300 bombas, serão precisos muitos e bons anos. Até lá muita coisa pode acontecer.
O sistema internacional não é caótico, mas é anárquico (no sentido de não ter uma autoridade central). Ou seja, é parte do seu normal funcionamento haver tensão e equilíbrio de ameaças. Há muito que a ordem internacional se vem construindo com base na cooperação mas também na coação.
Interessante é que, quer o VPV, quer o Henrique Raposo, viram o Irão nuclear como uma coisa terrível, mas a França nuclear como uma coisa ridícula. É verdade que uma nova potência nuclear numa região como o Médio Oriente não é fonte de grande consolação. Mas a França irrelevante? A França é a terceira potência nuclear mundial, ao mesmo nível da China. E desde 1995 modernizou o seu arsenal e a sua doutrina nuclear. (O equilibrado discurso nuclear de Chirac - ou apenas “desequilibrado” onde a boa estratégia de dissuasão manda que o seja - veio apneas anunciar a conclusão dessa adaptações iniciadas por Jospin). A França é um dos países mais ricos do mundo, e tem uma reserva de valor no seu chic, que faz com que aquilo porque temos de nos esforçar: captar turistas ou conquistar mercados pelo design, lhe venha naturalmente. Culturalmente perde terreno, mas apenas por ter sido tão dominante anteriormente. E ainda não tem competição o prestígio intelectual de que goza, por exemplo, nos EUA. Dizer que a França não conta internacionalmente não faz sentido. Aliás, viu-se na votação na ONU a respeita da guerra do Iraque. Está em crise, sem dúvida. Mas sobreviveu a outras. Fazer o seu obituário parece-me algo precoce. Diria que VPV e o Henrique Raposo caem na armadilha de tomar as desmedidas ambições francesas – de estar a par dos EUA ou da China – como bitola objectiva da relevância internacional de Paris.

O nuclear e o sistema internacional: sou contra a proliferação de Estados nucleares; sou a favor do reforço da lei e da ordem internacional, neste caso do Tratado de Não Proliferação de 1968. Parecem-me portanto válidas as razões prudenciais que foram apontadas por vários comentadores: quanto mais armas nucleares mais possibilidades de erros catrastóficos. Este regime de controlo da tecnologia militar nuclear tem problemas e está em crise, é verdade. Mas não por culpa da ONU, que tinha um bom projecto de reforma. Mas sim, por culpa dos Estados que não se entendem. A lei internacional (aliás, tal como a interna) pode não evitar o “crime”, mas serve pelo menos para tentar garantir que ele compensa o menos possivel. Serve para dificultar, retardar, deslegitimar a posse de bombas atómicas. (E as reformas legislativas também não são fáceis internamente.)

Mas ao mesmo tempo, sou forçar a reconhecer, analisando friamente os factos, que o nuclear não levou à guerra. Mais, não há qualquer indício que aponte para o reforço da agressividade dos Estados que possuem a bomba. Toda a gente fala de um louco em Teerão. Mas e o "louco" Mao Zedong, que em pleno apogeu da Revolução Cultural, não deixou de manter as bombas sob controlo? Estes "loucos" geralmente mostram-se muito ajuizados quando se tratar de se manterem no poder.

Qual é a melhor forma de lidar com esta crise? Se Bush não conseguir fazer com Teerão o que Nixon fez com Pequim, então o melhor é restringir as sanções à elite política em tudo que tem a ver com as suas finanças e viagens. Tudo o que seja apostar na mudança do regime, mesmo que pacífica, no Irão, só poderá aumentar os incentivos dos homens do regime para avançarem para o nuclear como garantia absoluta da sua segurança. Os EUA e a UE deviam antes procurar dividir Khamenei e Ahmadi-Nejad, e moderados de radicais nacionalistas. Devem procurar obter o acordo de todos os grandes consumidores de petróleo para que recusem fazer novos investimentos na indústria do petróleo no Irão, que precisa de se modernizar, e que seriam (idealmente) canalizados para o aumento da capacidade de produção da concorrência. Quanto ao fornecimentos de armas e outro material (nomeadamente peças sobressalentes) ao exército iraniano: um corte total. Por outras palavras é essencial que os EUA e a UE convençam a Índia, a China, a Rússia, a jogarem o jogo de conter o nuclear a sério.
Tudo isto será muito difícil. Mas menos difícil do que mudar o regime iraniano. O Irão vive ainda obcecado, convém lembrar, pelo golpe americano contra Mossadeg em 1953. Um qualquer ataque militar unilateral americano, felizmente aparentemente mais afastado na doutrina Bush agora revista e emendada, irá resultar: em retaliações sérias contra os norte-americanos no Iraque e no Afeganistão, onde o peso de Teerão não tem parado de crescer; e no reforço dos radiciais do regime iraniano. Em suma, não há boas soluções neste caso, só menos más, pretender o contrário é alimentar ilusões.
PS - Tenho tido pouco ou nenhum tempo para os blogues, o que aliás vai continuar pelos próximos tempos. Só agora dei pelo fim do Espectro. É pena. Estava a afirmar-se, ao contrário das minhas expectativas iniciais, como um participante activo em vários debate blogosféricos.

Visão com moscas


Uma frase é como um poliedro reflectindo as luzes que recebe. Se mudar o contexto, o lugar donde é dita, dá-nos a ver outros ângulos e texturas do mundo. Sempre pensei que a frase «as moscas mudam mas a merda é a mesma» era uma sentença passada de boca em boca pelo povo anónimo e alheio à política. Estava enganado. A frase foi dita por Brito Camacho (1868-1934), médico e eminente político da I República. Fundou o Partido Unionista, foi ministro do Fomento e Alto Comissário da República em Moçambique. O contexto é esclarecido por Ferreira Fernandes e João Ferreria no recém-editado, pela Esfera dos Livros, Frases que Fizeram a História de Portugal. É possível que durante a ditadura militar e o advento do Estado Novo, Brito Camacho tenha ouvido com horror a frase proferida com desprezo durante a I República (1910-1926). Lampedusa, em O Leopardo, exprimiu o mesmo ponto de vista com mais elegância: «É preciso que algo mude para que tudo continue na mesma». Há derrotas com sentido muito diferente.

Cimeira Londrina

Como noticiou o André Azevedo Alves houve cimeira. Como é costume nestas cimeiras a principal decisão foi continuar a reunir, espera-se que com mais participantes. Mas pelo menos o frango não estava mau e a conversa promete.

terça-feira, março 14, 2006

Cohn-Bendit: o argumento vinícola


Daniel Cohn-Bendit, o antigo dirigente do Maio de 68, sugeriu ao primeiro-ministro francês que fosse conversar com os estudantes levando umas garrafas de bom vinho. Liderou uma geração que «pedia o impossível». Agora acha que os jovens ameaçados pelo desemprego se devem contentar com uns copos de tinto. Não passa pela sua cabeça de burguês privilegiado que os jovens querem é arranjar trabalho com direitos que lhes permita ter uma vida decente e gozar a felicidade possível.

Março de 2006

Pouco se tem discutido o Março de 2006, em Paris. O André Belo escreveu, na capital francesa, uma crónica que se pode ler aqui. Aguardo mais posts do André sobre o assunto. Há um nome que ainda não vi aplicado à proposta do «Contrato de Primeiro Emprego» de Dominique de Villepin: racismo. Nesta caso, trata-se de racismo etário: os menores de 26 anos poderiam ser despedidos sem qualquer justificação. Eventualmente por patrões que, durante o Maio de 68, andaram a apedrejar a polícia. Se decidirem despedir, sem causa assinalada, será o Estado francês a pagar a indemnização aos trabalhadores, com o dinheiro arrecadado aos contribuintes. Estamos de novo perante o esboço de uma utopia: o capitalismo inimputável.

segunda-feira, março 13, 2006

PT - o argumento patriótico

O Público de hoje trazia como manchete: «Sul-africanos da Telekom envolvidos/no contra-ataque à OPA sobre a PT». No sóbrio artigo da página 34 fiquei a saber que o objectivo dos sul-africanos da TSA era obter uma posição relevante mas não dominante na empresa. Tanto o jornal como os telejornais que vi acentuavam, no entanto, a componente estrangeira de uma eventual manobra de contra-ataque à OPA da Sonae.
Há uma certa ambiguidade no título: insinua-se ou não o carácter estrangeiro da possível OPA incluindo a TSA por contraponto à natureza «nacional» da OPA proveniente do grupo de Belmiro de Azevedo? Suspeito que o problema não será claramente debatido mas espreitará nas entrelinhas de muitas notícias e artigos de opinião.
Do meu ponto de vista, a questão relevante é saber se a PT possui ou não um interesse económico estratégico que justifica as «acções Golden Share» do Estado. Se tiver, o Estado deve manter alguma forma de controlo, se não tiver, a atitude patriótica do Governo será vender aos compradores que sejam capazes de pagar melhor salários aos trabalhadores portugueses e de oferecer uma melhor relação qualidade do serviço/custo aos consumidores portugueses.
Há um certo nacionalismo de negócios que me irrita. Não passa pela cabeça dos empresários pagar a um português mais do que a um francês ou vender um produto mais barato a uma portuguesa do que a uma italiana, mas alguns consideram-se no direito de serem preferidos pelo Estado como compradores.
O capital não tem pátria, mas a cultura empresarial tem. E a cultura empresarial portuguesa, salvo honrosas excepções, tem pouco para oferecer e a sua quota de responsabilidade na actual situação de desemprego de jovens licenciados. Nos Estados Unidos ou no Reino Unido é normal um licenciado em Filosofia enveredar pela gestão. Sócrates pretende investir na educação e reduzir a administração pública. Mas se a população educada aumentar, as ofertas de emprego na administração pública diminuírem, as barreiras entre os jovens formados em humanidades e o sector privado se mantiverem, o resultado do «choque tecnológico» será, para muitas pessoas, o desemprego ou a emigração. A menos que o investimento estrangeiro aumente e a cultura empresarial mude.

Neocon quiz (dedicado ao Carlos Novais)


No sítio do CHRISTIAN SCIENCE MONITOR está disponível um jogo interessante para tirarmos as teimas sobre uma dúvida que nos pode assaltar: em política externa norte-americana seremos neoconservadores? A vantagem é que, se não formos, nos arrumam noutro perfil (aqui). Eu gostei do meu, que deu assim:

"Based on your answers, you are most likely a REALIST. Read below to learn more about each foreign policy perspective.

Realists…
• Are guided more by practical considerations than ideological vision
• Believe US power is crucial to successful diplomacy - and vice versa
• Don't want US policy options unduly limited by world opinion or ethical considerations
• Believe strong alliances are important to US interests
• Weigh the political costs of foreign action
• Believe foreign intervention must be dictated by compelling national interest
Historical realist: President Dwight D. Eisenhower
Modern realist: Secretary of State Colin Powell."

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Já começou o blá-blá-blá para libertário ver...


"MEMPHIS, Tennessee (Reuters) - Republican contenders for the White House walked a political tightrope at a weekend gathering of party activists - expressing solidarity with President George W. Bush while stressing differences over issues such as deficits and big government."

Serão realmente assim tão diferentes? Combateriam verdadeiramente o défice e o "big government"? Eu já não acredito. Aquando da inauguração da 1.ª presidência de George W. Bush, o "Cato Handbook for Congress", apesar de algumas esperanças vagas que não escondia, lembrava que os Republicanos, apesar das aparências e da retórica, tinham um passado pouco menos recomendável que os Democratas neste aspecto. Depois, foi o que se viu, excedendo todos os avisos do Cato Institute. Porque haveríamos agora de acreditar que seria diferente?

Publicado em L&LP, AP e CL

domingo, março 12, 2006

Obituário: Milosevic


Milosevic morreu. Foi pena, pois merecia passar uma longa vida na cadeia. Como não tenho tempo para mais, ficam aqui três à escolha.

O magnífico livro da magnífica série de Alan Little e Laura Silber, The Death of Yugoslavia. O obituário da Jugoslávia é o obitário perfeito de Milosevic o nacionalista sérvio que recusou qualquer possibilidade de compromisso e matou o país (com ajudas claro, mas ninguém lhe pode tirar o papel principal).

A biografia do populista e do seu massacrado povo por um sérvio: Vidosav Stevanoci, Milosevic: The People's Tyrant. Ou a tragédia de um país nas mãos de uma demagogo nacionalista que usa o medo para se manter no poder.

E para terminar um obituário do crimes de guerra sérvios para quem tem dúvidas sobre o que se passou na guerra de Jugoslávia foi algo deliberado, ou pense que eram todos iguais, de um autor que era especialista no exército jugoslavo antes da carnificina começar: James Gow, The Serbian Project and Its Adversaries: A Strategy of War Crimes (Gow é meu segundo orientador de doutoramento; para os mais desconfiados fica o esclarecimento: ele fala servo-croata, mas não fala português). Qualquer tentativa de desculpar Milosevic com as dificuldades da comunidade internacional em lidar com a crise na Jugoslávia é como culpar igualmente o incendiário e os bombeiros pelo resultado de um fogo-posto.

PS - Quanto aos que se preocupam com justiça de vencedores. A justiça dos vencedores que coube em sorte de Milosevic foi melhorzinha do que o tipo de justiça de vencedores reservada pelos exército sérvio aos croatos feridos sumariamente executados no hospital depois da queda de Vukovar, ou pelas milícias sérvias aos muçulmanos depois da tomada de Srebrenica. Qual é que é alternativa? A impunidade? Levar os vencidos cativos para exibir numa jaula na capital do vencedor e execução a seguir (à romana)? É que se se tem de mudar que seja para algo melhor.
[foto : os resultados da justiça dos vencedores sérvios em Srebrenica]

sábado, março 11, 2006

Retrato (Auto)


A National Portrait Gallery comemora 150 anos com o mote collecting for the future. É dos meus museus preferidos. Não existe nada semelhante em Portugal e é pena. Mas este tipo de galerias de retratos é raro. O culto anglo-saxónico do género foi frequentemente visto como uma manifestação de pretensiosismo aristocrático ou individualismo burguês, e portanto algo mau, especialmente num contexto dominado por uma crítica de vanguarda. Agora que há um certo refluxo, uma aceitação, por convicção ou esgotamento, de um grande pluralismo criativo, ao ponto de figurativo ter deixado de ser insulto, deveria ser ainda mais evidente que como todas as limitações também a do tema pode ser abordada pelo artista de forma mais ou menos interessante e criativa. Neste caso a necessária referência à natureza exterior pode parecer uma servidão tanto mais forte quanto mais pertinente. Por outro lado, há certamente temas bem menos interessantes do que a face, o corpo, a pose e o ambiente de uma pessoa.
A variedade da NPG é muita, mas o princípio do notável prevalece. É pena, empobrecedor, embora provavelmente inevitável. Mas há a feliz excepção das exposições anuais de fotografia para o prémio Schweppes. Há sobretudo o papel que a NPG tem tido com um dinâmico programa de encomendas desde 1980, que tem garantido um abastecimento regular de novas faces e novos artistas.

Que o retrato é um género menos evidente do que parece foi exemplarmente mostrado na recente exposição dedicada a pintores que se pintaram. O auto-retrato é à primeira vista a forma acabada do rigor na representação. Os organizadores – ou desorganizadores – da exposição quiseram desmentir isso. O auto-retrato surgiu como afirmação de um estatuto e individualidade que os pintores reclamavam mas que ainda não tinham verdadeiramente: o retrato devia ser para reis, bispos e nobres, não para vulgares fabricantes de imagens e tinha um fim sobretudo político. Demorou a que o pintor se pintasse a si mesmo a pintar. Assumiu longo tempo poses aristocráticas. Ao longo da história o auto-retrato serviu pelo menos tanto para disfarçar, encenar ou assumir identidades ambicionadas, quanto para oferecer um espelho fiel do próprio (seja lá o que isso for).

Um exemplo deste lado artificial do auto-retrato seria segundo os curadores da exposição o delicado Edgar Degas ido do nosso Museu Gulbenkian. Neste caso tenho dúvidas. Degas assume a pose do dandy, do homem de (alta) sociedade, e não do laborioso pintor. Mas pode-se afirmar que isso era artificial? Afinal ele era filho e neto de banqueiros. Não custa a crer que lhe assentasse com naturalidade esta pele. Isso, no entanto, só reforça o ponto essencial. O retrato é menos óbvio do que parece.

11-M

Recapitulando: 191 mortos, 1500 feridos, gente que seguia cedo para o trabalho.

[Foto: Agencia EFE]

sexta-feira, março 10, 2006

Almanaque do Povo

Conceito blogosférico da semana: "post vaporoso", da autoria de Luís M. Jorge, a propósito da euforia tecladora que tomou as raparigas da bloga aquando da 78ª entrega dos Óscares.

Blogues novos, bloggers veteranos: Kontratempos, de Tiago Barbosa Ribeiro, e Avesso do Avesso, de Filipe Moura.

Post para mais tarde recordar: "A Fila da Ajuda", de Eduardo Pitta. A penada do bodo aos pobres é o que de mais mordaz li nos últimos tempos.

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Saída à Francesa


Cada vez gosto mais deste homem! O Grande Timoneiro! O Pai da Pátria! O Pai da Democracia Portuguesa! Na linha, aliás, daquilo que o grande Sócrates, o paladino do reformismo socialista, fez na noite das eleições presidenciais!

quinta-feira, março 09, 2006

Portugal Maior


Cavaco presidente, e quase nem me apercebia (luxos de viver fora). É bom ver o direitista Fernando com tanta fé na política (ou no político). Mas advinho desilusão: ou Cavaco destrói a constituição para cumprir a missão, ou se conforma e é um presidente pouco mais ou menos normal. É interessante ver o esquerdista João a considerar que Cavaco e Sócrates é tudo o mesmo. Não é, entre o estatismo bonapartista (uma velha tradição de direita) e uma esquerda reformista há uma diferença importante.

Tenho de reconhecer que mostra vontade de voltar a trabalhar, e leva a sério o mote da campanha. Quando a Espanha for na conversa digam. Ou será Marrocos o candidato ao alargamento para fazer um Portugal Maior? Em todo o caso, será negativismo mas pensava que já sobravam problemas a governar o pequeno Portugal que temos. Dito isto, é claro que desejo boa sorte ao novo Presidente, que nós bem precisamos.

A coabitação incerta

Sobre o discurso de Cavaco Silva não há muito a escrever e Constança Cunha e Sá já o escreveu aqui. Num ponto estou de acordo com Luís Aguiar Santos: socialismo democrático e social-democracia são duas expressões para a mesma ideia. E Cavaco Silva é um social-democrata. O que o distingue dos socialistas é mais a forma do que o conteúdo. Ou o muito português «diz-me com quem andas dir-te-ei quem és». Se Cavaco se afasta da social-democracia é por pragmatismo, não por convicções ideológicas de direita. A mesma atitude tem Sócrates em relação ao socialismo. Ambos fizeram as mesmas promessas e farão tudo para atingir os mesmos objectivos. O problema é se os objectivos de aumentar a competitividade e baixar o desemprego não forem atingidos. Nesse caso, a tentação de cada um acusar o outro de «força de bloqueio» será muito forte.

O primeiro dia

O ponteiro dos minutos parece avançar muito depressa entre as oito e as nove da manhã. Olho com inquietação qualquer ajuntamento de carros. Temos engarrafamento? Não, nem por isso. Estou quase a chegar. Suspiro de alívio. Cá estou, por fim, na rua. Um polícia impede-me a passagem. Obriga-me a um desvio. Estaciono o carro a umas boas centenas de metros do meu destino. Volto à rua, a pé. Observo um carro parado no meio do asfalto. O condutor discute com dois polícias. Subo a rua. Observo a fila de automóveis com bandeirinhas de países. Do céu, chega-me o ruído compassado de um helicóptero.
Sonho? Devaneio? Fragmento de ficção? Nada disso. Apenas uma crónica da minha manhã de hoje, na Avenida D. Carlos I. Os carros perfilados pertenciam, obviamente, a Embaixadas. A tomada de posse de Cavaco inspirou-me um post, mas significou uma perda de tempo e logo de competitividade para centenas ou milhares de trabalhadores activos no coração de Lisboa.

A Carta Constitucional na posse de Cavaco Silva


No discurso que fez perante o novo Presidente da República hoje empossado, o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, invocou (é certo que a par de António José de Almeida), o primeiro discurso de D. Pedro V perante as Cortes Gerais, depois de assumir a alta função de Rei. Nesse discurso de 1855, D. Pedro V exaltou as instituições representativas e as suas funções, explicando de que modo entendia, em articulação com elas, o seu próprio papel constitucional. Fez muito bem Jaime Gama de chamar a experiência constitucional do século XIX para património histórico-político do actual regime porque limitá-lo à I República, além de profundamente empobrecedor, é fazer esquecer que a história da liberdade civil e política moderna tem entre nós quase um século a mais que o regime "republicano" (i.e. sem chefia de Estado dinástica). Gama referiu ainda que o discurso do rei se seguiu ao juramento que fez, perante as Cortes, da Carta Constitucional. Foi bom ouvir uma referência à Carta nesta ocasião porque foi sob ela (a lei fundamental de maior longevidade em Portugal) que se teceu essa experiência de liberdade civil e política que neste regime devemos melhor estudar, reflectir, invocar e debater. Temos uma história constitucional cuja presença deve completar as referências teóricas num debate politico amadurecido.


Publicado em L&LP, AP e CL

Temos Presidente


Já muito foi dito sobre o significado político da vitória de Cavaco Silva nas eleições presidenciais de Janeiro. Hoje começa formalmente a pôr as mãos na massa. Espero, não, tenho a certeza, que vai deixar obra. A sua marca vai ficar! E não estou a ser irónico. Será melhor presidente da República Portuguesa em Democracia durante muitas décadas.

De cima para baixo / De baixo para cima

[De cima para baixo, no sentido dos ponteiros do relógio, Ana de Castro Osório (1872-1935); Adelaide Cabete (1867-1935);Elina Guimarães (1904-1991); Maria Veleda (1871-1955) ]

Pergunte-se por aí o que é uma feminista e o respondido não andará muito longe do estereótipo assim descrito por Elina Guimarães*, há muitos anos atrás:

"(...) uma espécie de megera masculinizada, horrenda e feroz, cujo único fim na vida é vociferar contra os homens e tentar tiranizá-los."

O que à maioria de então soava a vanguardismo perigoso, soa à de hoje a anacronismo desconfortável, como se na sociedade em que vivemos homem e mulher tivessem sempre sido iguais perante a lei. É bom lembrar que não, é bom dar a conhecer, entre outras que as precederam e sucederam, as pessoas acima referidas, que se o nosso país já não consagra dessas desigualdades de jure o mérito é delas. Já de facto, a realidade ainda é outra. Vamo-nos progressivamente aproximando do preceituado pelas instâncias supra-nacionais de que fazemos parte, não apenas no tocante à erradicação da discriminação negativa da mulher, como também à promoção da igualdade de oportunidades entre os sexos.
Não temos andado velozes, é certo, pelo que cheio de vontade de apressar o processo histórico aparece agora Bloco de Esquerda[BE], fazendo uma leitura extrema de um conceito já de si questionável na busca da equidade entre os géneros, o da discriminação positiva da mulher. Eis que se apresentam os projectos de lei nº221/X, nº222/X e nº223/X, visando alterar as leis eleitorais da Assembleia da República, das Autarquias Locais e do Parlamento Europeu, por via da introdução do cabalístico valor mínimo de 33,3% na representação por género em listas de candidatura. Deseja-se uma participação feminina expressiva nos órgãos cimeiros de decisão política? Na boa tradição legislativista portuguesa, decrete-se, diz o BE.
Será que não aprendemos a fazer a casa de baixo para cima? Num país em que a luta pela tal "paridade" a estão a construir todos os dias tantas mulheres, por via da iniciativa, da competência, do mérito, nas seus trabalhos e nas suas casas, a quem aproveita introduzir no acesso ao poder político, precisamente onde mais deve morar a excelência e o exemplo, um mecanismo que as apouca, menoriza e estigmatiza, e que é injusto para o homens?

*A História do Movimento Feminista em Portugal, Civilização , 1930.

Glorious



Tive pena pelo Liverpool, a sério, mesmo. Afinal como convidado no Reino Unido devo mostrar uma certa contenção, bom senso, nada de licenciosidades. (Ou será o contrário?)

Fica sempre bem dar uma prova de que os atavismos político, clubísticos e nacionais não funcionam em pessoas civilizadas.

Só foi pena não estarem de vermelho.

E não terem marcado mais um.

Irão e Nuclear


O poste está prometido há muito, mas o tempo escasseia, os assuntos abundam, e esta é uma crise que está para durar. (Embora não tanto como o Estado persa de que o Irão é a presente encarnação e que existe há uns três mil anos.) Sairá nos próximos dias.

Para aquecimento deixo dois artigos. Um quentinho, acabadinho de publicar por um dos melhores especialistas no Irão sobre tudo o que o Ocidente tem feito desde a Revolução Islâmica e o inútil que tem sido (worse than a crime it's a mistake é o mote). Não subscrevo necessariamente todas as conclusões, mas como análise é excelente. O outro, de um dos meus melhores amigos entre os colegas de doutoramento, mas a que cheguei - coisas da internet - via Bloguítica. Como o Mike Levi explica os EUA não tem tido uma política de não-proliferação. O que é tanto mais fácil de perceber quanto o Secretário de Estado encarregue da pasta no primeiro mandato de Bush, o inefável John Bolton (agora na ONU), não acreditava em tal coisa e fez todo o possível para mostrar que tinha razão.
[foto : a Porta das Nações em Persópolis]

quarta-feira, março 08, 2006

Ai que saudades da Câmara dos Pares...!

O Gabriel Silva do Blasfémias contrasta, e bem, a renovação do Patriot Act pelo Senado norte-americano com o chumbo da Câmara dos Lordes, no Reino Unido, à intenção do governo (e da sua maioria nos Comuns) de introduzirem o bilhete de identidade obrigatório. E pergunta até quando, nas democracias, os cidadãos continuarão a entregar aos governos poderes excepcionais que se tornam definitivos. A resposta, pelo próprio teor do contraste que propõe entre os dois acontecimentos, parece-me obvia: até as democracias voltarem a ter um bicameralismo a sério, com uma câmara alta não eleita e com todos os poderes para chumbar (em regime de reciprocidade) as medidas do monstro resultante da fusão entre os poderes executivo e "legislativo" (o governo saído de eleições e a sua maioria obediente na câmara baixa).

Sintonizem

Tuned In, do crítico norte-americano James Poniewozik, é um óptimo blogue sobre televisão. Para os indefectíveis da entrega das estatuetas aqui fica o rescaldo da 78ª edição em geral, e da prestação de Jon Stewart em particular. A não perder.

[Foto: daqui]