sexta-feira, março 24, 2006
Li com interesse o comentário do Gabriel. Mas por culpa minha ele começa por discutir um ponto partindo da interpretação errada de uma expressão por mim usada. Quando falo de africanos portugueses, não me refiro aos colonizadores brancos, mas àqueles que brancos, mestiços ou, sobretudo, negros ficaram na África portuguesa depois da descolonização. Devia ter dito, talvez, "indígenas".
Quanto à bondade dos processos negociais que conduziram à independência, eles foram em geral pelo menos tão negativos como aqueles que se sucederam à descolonização portuguesa, também ela negociada – embora, e tanto quanto se sabe, mal negociada. No Ghana, na Tanzânia, na Costa do Marfim, na Guiné Conakry, na Nigéria, na Somália, no Chade, na Líbia, no Quénia, no Uganda, no Zimbabwe, no Zaire, etc., etc., as descolonizações foram negociadas e, com excepção do Quénia e, sobretudo, do Zimbabwe, ocorreram cerca de quinze anos antes da descolonização portuguesa. No entanto, os resultados foram e são dramáticos. Na Namíbia e na África do Sul as "descolonizações" foram tardias, após guerras civis e guerras coloniais muito mais violentas do que aquelas que ocorreram na África portuguesa. Porém, comparativamente, os resultados têm sido muito melhores. Na Namíbia e na África do Sul, como até há meia dúzia de anos no Zimbabwe, as elites independentistas perceberam, ou foram obrigadas a perceber, que descolonização e a independência não significavam a expulsão dos brancos ou a destruição das estruturas públicas e privadas criadas pelo colonialismo (recusando assim, finalmente, os ensinamentos de Fanon). Estes e outros aspectos são muito importantes para que se percebam os resultados. De qualquer modo, no dia em que, eventualmente, os governos da África do Sul ou da Namíbia optem por seguir o exemplo de Robert Mugabe no Zimbabwe, o caos instalar-se-á. No caso da África do Sul, e para quem siga de perto o que lá se passa ou leia as novelas ou os romances de Gordimer ou de Coetzee, fica espantado por o caos não se ter ainda instalado de uma forma global. É que em muitos níveis da vida do social e da vida política, a anarquia está instalada há muito. Sendo verdade que a África do Sul "já era independente" aquando do fim do apartheid, certo era também que vivia totalmente rejeitada pela comunidade internacional. Na Rodésia do Sul verificou-se em 1965 tão somente uma declaração unilateral de independência nunca aceite internacionalmente. Mas o problema das descolonizações não foi nunca o da independência pura e simples. A descolonização foi sempre vista por todos como um processo global de transferência de poder - de todos os poderes - de uma minoria colonial para uma maioria autóctone indígena e negra. Este último aspecto era importante porque tinha uma dimensão racial que há distância do tempo e do espaço pode parecer incompreensível ou irrelevante. Ora aquilo que estava em causa era um processo que nas nossas sociedades europeias poderia equivaler à reivindicação de uma transferência imediata do poder das mãos daqueles que o detêm - económico, social, cultural, ideológico, político - para as mãos daqueles que sustentem (com ou sem razão) não o ter. Os negros em África ambicionavam passar a ter muito rapidamente as casas, os carros, o dinheiro, a comida, a roupa, as escolas, dos brancos, da mesma forma que uma família portuguesa de 6 pessoas com rendimento de 600 euros por mês e uma casa velha e minúscula num qualquer ponto do país pode achar justo passar a receber, através da expulsão do país, o salário daquela minoria que ganha 120 000 euros por ano, juntamente com a posse da respectiva casa em condomínio de luxo e férias no estrangeiro três vezes por ano - independentemente do número de filhos.
Concordo que Salazar teve responsabilidades no destino da África portuguesa. Mas não na descolonização. E certamente ainda menos nas guerras civis e na natureza dos regimes políticos implantados na África portuguesa a partir de 1974. Em 1974, e embora muitas vezes se diga o contrário, a UNITA, a FNLA, o MPLA, o PAIGC ou a FRELIMO eram aquilo que sempre tinham sido. A guerra e os desastres em que se tinham transformado outras independências africanas poderiam ter incutido nas respectivas lideranças alguma moderação. Porém, tal não sucedeu. A tragédia da descolonização portuguesa foi pois totalmente da responsabilidade dos dirigentes político-militares que fizeram o 25 de Abril e depois impuseram ou aceitaram uma descolonização inqualificável. O argumento de que Salazar e Caetano tiveram responsabilidades na descolonização é falsa e é cobarde. É falsa do ponto vista histórico porque que nunca a desejaram e tudo fizeram – bem ou mal – para que nunca acontecesse. É cobarde porque aqueles que levaram a descolonização para a frente não só nunca aceitaram as suas responsabilidades na empreitada, como tendem a argumentar com aquilo que outros antes de si não tinham feito deixando-os perante uma inevitabilidade. Sendo verdade que os responsáveis político-militares do pós-25 Abril não concordavam, eventualmente, com a política colonial portuguesa, a verdade era que deveriam estar ou sentir-se preparados para fazerem descolonizações com base naquilo que era a realidade do colonialismo português e não em função daquilo que desejavam que tivesse sido feitos entre 1961 e 1974 e não foi feito. Resultado: a verdade é que nunca ninguém teve ainda a coragem de assumir a sua quota parte de responsabilidades e pedir desculpa pela aos portugueses e aos africanos pela descolonização feita. Mas em Portugal, e em especial na política, isso é normal.
5 Comments:
Caro Fernado,
Continuamos a divergir totalmente nas conclusões.....
No meu entender, o regime de salazar/caetano teve um longo período para tentar construir uma ou várias hipoteses de solução política, mais concretamente 13 anos, que foi quanto durou a guerra colonial.
Nessa solução poderia tentar salvaguar o melhor que conseguisse, tendo em consideração o envolvimento externo (isolamento, movimento independentista, guerra fria, etc.) os interesses das populações europeias, o interesse económico, diplomático, cultural e estratégico futuro de Portugal, juntamente com o interesse das populações africanas.
Não o fez.
Na falta de solução política, a solução militar chegou a uma beco sem sentido, tomando as forças militares consciência que a guerra só terminaria com uma solução global, o fim do regime.
Mas o fim do regime foi planeado em solução aberta, isto é, obteve-se um consenso sobre o seu fim, mas não sobre o que viria a seguir. Assim, quando aquele terminou, iniciou-se uma luta pela solução ou regime que a seguir se implementaria.
Bem sabiam que o fim do regime implicava, pelas circunstâncias externas, mas sobretudo internas o abandono puro e simples das colónias, pois que não haveria força política, força diplomática ou militar para condicionar qualquer solução. A partir da decisão de fim do regime, o problema das colónias passou a ser decidido por terceiros: as forças africanas no terreno, os países vizinhos, e as superpotências da altura. Aos portugueses só caberia sair de lá o mais rapidamente possivel.
Repare-se que o fim do regime, implicou uma luta aberta pela construção de um novo regime, luta essa que atingiu o patamar da guerra civil. De que forma se poderia, nessas circunstância tentar ou sequer ter alguma preocupação com o destino das colónias? Que cirunstâncias políticas poderiam ter levado um país como Portugal, a viver em clima de anarquia, a manter tropas ordeiras nas colónias, assegurar a segurança das populações, estabelecer negociações sérias com as forças no terreno, com os países vizinhos e considerando os interesse das potencias internacionais? Seria uma pretensão totalmente irrealista.
A título de exemplo, recordo apenas que aquando da independência de Angola, a 11 de Novembo de 1975 o governo de Potugal se encontrava há mais de 15 dias em greve! E que as forças militare se encontravam em preparação de golpes e contra-golpes para tomar o poder e que se concretizaram 15 dias depois, com o país em Estado de Sítio.
Pretender que a descolonização foi da responsabilidade das forças que fizeram o 25 de abril é, quanto a mim, totalmente irrealista e desconhecer os factos da história.
O impasse criado pela intransigência e autismo do regime anterior levou ao desmoronamento não apenas do regime mas da situação colonial, apesa de lhe terem sido oferecidas diversas tentativas de solução política pelo que a responsabilidade é totalmente sua e dos seus dirigentes: Salazar e Caetano.
Caro Gabriel,
Subscrevo o seu comentário. Acrescentava apenas que os governantes africanos também têm de ser responsabilizados pelo que se passou nos últimos trinta anos.
Ao comentário do Gabriel diria três coisas, não para o convencer mas para ver se a minha posição sobre a descolonização portuguesa e a descolonização da África negra fica um pouco mais clara. Em primeiro lugar não acho que a má descolonização portuguesa tenha sido o resultado de treze anos de guerra. Assim como não acho que as guerras, a instabilidade social, a violência, a sucessão de governos mais ou menos despóticos e corruptos em África tenha tido alguma coisa que ver com a natureza da colonização portuguesa ou europeia. Não que ache que não sejam criticáveis, inclusivamente do ponto de vista historiográfico. O problema é que houve, digamos assim, muitas descolonizações em África feitas a tempo – referindo-me à África negra isto significa entre a segunda metade da década de 1950 e a primeira metade da década de 1960 – e os resultados foram globalmente muito negativos. Por isso digo que foi praticamente uma benção para os africanos de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe, terem visto prolongado até 1974-75 a situação de territórios e povos colonizados. Viveram globalmente em paz e sob um regime político muito mais aceitável do que aqueles que conheceram posteriormente. Aliás, seria curioso saber quantos africanos das colónias portuguesas não terão visto com muitos maus olhos a debandada das tropas portuguesas.
O segundo ponto, ou “coisa”, tem que ver com a ideia de que a descolonização não podia ter sido feita de outra maneira em 1974-75 e regime tinha inevitavelmente de cair como caiu. Sinto muito mas tal não só não é um facto como é, sobretudo, a reprodução do discurso político de justificação de um acontecimento político desastroso. Na linha, aliás, daquilo que diziam os próceres do salazarismo – não havia alternativa à política ultramarina adoptada. Quando se fez o 25 de Abril – e ele foi feito para resolver o problema colonial e não para descolonizar, e se foi feito não era inevitável – os protagonistas teriam – ou deveriam ter – a noção de que se iriam deparar com um problema grave e de difícil solução (por exemplo, Spínola devia ter tido uma noção elementar do caminho que estava a escolher ao apoiar os capitães). Aliás, tanto Salazar como, sobretudo, Caetano não resolveram o problema não porque não quisessem. Não resolveram porque não eram capazes de resolvê-lo nos termos em que consideravam aceitável e que, em linhas gerais, significava evitar a todo o custo que os territórios coloniais portugueses e as suas populações passassem pelas situações que tinham ocorrido em muitas partes da África Negra depois de iniciada a descolonização. Mesmo que Salazar tenha voluntariamente associado – o que é possível – o seu destino político e o do Estado Novo ao destino do Império e, com isso, enquistado a solução do problema colonial, a verdade é que a experiência da descolonização africana desde a independência do Ghana até, pelo menos, à guerra do Biafra, foi terrível. Sobre isto poderia acrescentar mais umas coisas, mas não posso nem devo alargar-me mais.
Em terceiro lugar, há a questão de se considerar que caso Portugal e outras potências coloniais tivessem preparado a descolonização africana através, nomeadamente, da formação de quadros e de elites, o resultado teria sido outro. Não me parece nada porque não acredito das virtudes da educação por si mesma. Mas assinalo este ponto porque as potências coloniais europeias tentaram de facto formar elites e desenvolver os territórios e não conseguiram. E não conseguiram porque, justamente, parte das elites africanas existentes não só não queriam ser preparadas como, sobretudo, não queriam esperar que os colonizadores lhes dissessem que já estavam preparadas para o auto-governo. Queriam muito naturalmente o poder. Tinham fome de poder e, em alguns casos, o que era pior, tinham lido uns livros e tinham umas ideias. Chegados ao poder quiseram fazer muita coisa e os resultados foram dramáticos. Veja-se a Tanzânia, veja-se Moçambique, Angola, Ghana, o Uganda, e por aí fora. Quem, retrospectivamente, pensa que o debate e os confrontos em torno da descolonização, nomeadamente em África, foram pacíficos ou então, ao menos, sensatos, está muito enganado. Tornando ao caso português alguém pensa que homens como Mondlane, Agostinho Neto ou Amílcar Cabral eram capazes de se sentar tranquilamente à mesa e negociar uma descolonização que tardasse uma geração, mesmo que a troco de uma duplicação do PIB per capita e da uma elevação exponencial do grau de qualificação das populações? Se isto se verificasse, a primeira coisa que os africanos iam fazer era virar definitivamente as costas aos líderes independentistas. A segunda e terceira ficam à consideração dos que leram este texto até aqui.
Caro JMA,
«"os governantes africanos também têm de ser responsabilizados pelo que se passou nos últimos trinta anos. "
Exactamente, eles são os principais responsáveis, mais uem lhes vendia as armas....
Caro Fernando,
«Assim como não acho que as guerras, a instabilidade social, a violência, a sucessão de governos mais ou menos despóticos e corruptos em África tenha tido alguma coisa que ver com a natureza da colonização portuguesa ou europeia."
De acordo.
«Viveram globalmente em paz e sob um regime político muito mais aceitável do que aqueles que conheceram posteriormente»
Infelizmente, não puderam escolher nem uma coisa nem outra, pelo que não sabemos o que eles consideram benção/maldição.
«não havia alternativa à política ultramarina adoptada»
Já anteriormente afirmei que havia, mas o regime não as quis considerar sériamente.
«Quando se fez o 25 de Abril – e ele foi feito para resolver o problema colonial e não para descolonizar,»
Aí meu caro só posso remeter para o programa do MFA. Está lá. Os 3 D.
«os protagonistas teriam – ou deveriam ter – a noção de que se iriam deparar com um problema grave e de difícil solução»
Exacto. Não duvido que tenham sempre tido essa noção da gravidade do problema. Creio mesmo, como anteriormente escrevi, essa foi a raíz da questão que os levou a acabar com o regime. Tal problema não se resolveu politicamente nem militarmente em 13 anos de guerra, portanto, na sua visão, a unica solução seria deixar de ter o problema, o que sempre implicaria o fim do regime e apostarem na construção de algo de novo na sua terra.
«(por exemplo, Spínola devia ter tido uma noção elementar do caminho que estava a escolher ao apoiar os capitães). »
Como saberá, Spinola defenia uma solução federal. O que poderia ter sido interessante 5 ou 10 anos antes. Em 73/7 era tarde de mais e os capitães não precisaram dele para fazer a revolução. Ele foi convidado no final para efeitos externos, de credibilidade e rapidamente despachado.
«Mas assinalo este ponto porque as potências coloniais europeias tentaram de facto formar elites e desenvolver os territórios e não conseguiram.»
Não vejo como. Nem na adm. local, nem ao nível dos quadros intermédios, nem ao nível das universidade nunca a adm. colonial se interessou por formentar a existência de quadros. O unico caso colonial em que existam quadros intermédios/altos qualificados foi a India pois que o pais era tão grande e populoso que a inglaterra não tinha outro remédio do que socorrer-se dos locais para as tarefas de administração. Daí também o sucesso da sua independencia.
«Queriam muito naturalmente o poder. Tinham fome de poder e, em alguns casos, o que era pior, tinham lido uns livros e tinham umas ideias.»
Não percebi....
«alguém pensa que homens como Mondlane, Agostinho Neto ou Amílcar Cabral eram capazes de se sentar tranquilamente à mesa e negociar uma descolonização que tardasse uma geração»
Estavam no direito de não aceitar, afinal tratava-se do seu país. Você aceitaria?. Eu não.
Ninguém gosta de ser mandado por terceiros.
«Se isto se verificasse, a primeira coisa que os africanos iam fazer era virar definitivamente as costas aos líderes independentistas.»
Exacto.
A responsabilidade da tragédia nas nossas ex-colónias deve-se exclusivamente aos que fizeram o 25 de Abril. A um senhor em particular:Álvaro Cunhal, evidentemente que os dirigentes africanos também devem ser responsabilizados...
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