sábado, março 11, 2006

Retrato (Auto)


A National Portrait Gallery comemora 150 anos com o mote collecting for the future. É dos meus museus preferidos. Não existe nada semelhante em Portugal e é pena. Mas este tipo de galerias de retratos é raro. O culto anglo-saxónico do género foi frequentemente visto como uma manifestação de pretensiosismo aristocrático ou individualismo burguês, e portanto algo mau, especialmente num contexto dominado por uma crítica de vanguarda. Agora que há um certo refluxo, uma aceitação, por convicção ou esgotamento, de um grande pluralismo criativo, ao ponto de figurativo ter deixado de ser insulto, deveria ser ainda mais evidente que como todas as limitações também a do tema pode ser abordada pelo artista de forma mais ou menos interessante e criativa. Neste caso a necessária referência à natureza exterior pode parecer uma servidão tanto mais forte quanto mais pertinente. Por outro lado, há certamente temas bem menos interessantes do que a face, o corpo, a pose e o ambiente de uma pessoa.
A variedade da NPG é muita, mas o princípio do notável prevalece. É pena, empobrecedor, embora provavelmente inevitável. Mas há a feliz excepção das exposições anuais de fotografia para o prémio Schweppes. Há sobretudo o papel que a NPG tem tido com um dinâmico programa de encomendas desde 1980, que tem garantido um abastecimento regular de novas faces e novos artistas.

Que o retrato é um género menos evidente do que parece foi exemplarmente mostrado na recente exposição dedicada a pintores que se pintaram. O auto-retrato é à primeira vista a forma acabada do rigor na representação. Os organizadores – ou desorganizadores – da exposição quiseram desmentir isso. O auto-retrato surgiu como afirmação de um estatuto e individualidade que os pintores reclamavam mas que ainda não tinham verdadeiramente: o retrato devia ser para reis, bispos e nobres, não para vulgares fabricantes de imagens e tinha um fim sobretudo político. Demorou a que o pintor se pintasse a si mesmo a pintar. Assumiu longo tempo poses aristocráticas. Ao longo da história o auto-retrato serviu pelo menos tanto para disfarçar, encenar ou assumir identidades ambicionadas, quanto para oferecer um espelho fiel do próprio (seja lá o que isso for).

Um exemplo deste lado artificial do auto-retrato seria segundo os curadores da exposição o delicado Edgar Degas ido do nosso Museu Gulbenkian. Neste caso tenho dúvidas. Degas assume a pose do dandy, do homem de (alta) sociedade, e não do laborioso pintor. Mas pode-se afirmar que isso era artificial? Afinal ele era filho e neto de banqueiros. Não custa a crer que lhe assentasse com naturalidade esta pele. Isso, no entanto, só reforça o ponto essencial. O retrato é menos óbvio do que parece.