Retrato (Auto)
Que o retrato é um género menos evidente do que parece foi exemplarmente mostrado na recente exposição dedicada a pintores que se pintaram. O auto-retrato é à primeira vista a forma acabada do rigor na representação. Os organizadores – ou desorganizadores – da exposição quiseram desmentir isso. O auto-retrato surgiu como afirmação de um estatuto e individualidade que os pintores reclamavam mas que ainda não tinham verdadeiramente: o retrato devia ser para reis, bispos e nobres, não para vulgares fabricantes de imagens e tinha um fim sobretudo político. Demorou a que o pintor se pintasse a si mesmo a pintar. Assumiu longo tempo poses aristocráticas. Ao longo da história o auto-retrato serviu pelo menos tanto para disfarçar, encenar ou assumir identidades ambicionadas, quanto para oferecer um espelho fiel do próprio (seja lá o que isso for).
Um exemplo deste lado artificial do auto-retrato seria segundo os curadores da exposição o delicado Edgar Degas ido do nosso Museu Gulbenkian. Neste caso tenho dúvidas. Degas assume a pose do dandy, do homem de (alta) sociedade, e não do laborioso pintor. Mas pode-se afirmar que isso era artificial? Afinal ele era filho e neto de banqueiros. Não custa a crer que lhe assentasse com naturalidade esta pele. Isso, no entanto, só reforça o ponto essencial. O retrato é menos óbvio do que parece.
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