Por quem os sinos dobram
O Fernando Martins leu no meu post sobre o massacre de 1506 uma apologia das funções comemorativas do Estado e algum complexo de culpa transpirado. Eu é que certamente não me fiz entender pois, discordando do Fernando em vários aspectos, nestes até estamos próximos. Quando falei no Estado não estava a desvalorizar uma iniciativa da sociedade civil. Limitava-me a afirmar que a comemoração não fazia sentido apenas no contexto da memória de uma minoria. Todos os cidadãos que se identificam com um Estado de Direito garante de uma sociedade plural e da convivência pacífica entre diferentes etnias e vivências religiosas têm razões para comemorar o acontecimento. Uma universidade pública é Estado ou sociedade civil? E uma biblioteca pública? Seja como for, acho bem que universidades e bibliotecas, públicas ou privadas, além de associações e movimento espontâneos, comemorem o massacre de Lisboa de 1506.
Quanto ao complexo de culpa, não o tenho, como se depreende do comentário que fiz ao último post da Ana Cláudia Vicente sobre o tema. As vítimas de 19 de Abril de 1506 não eram, no sentido religioso e rigoroso do termo, judeus mas sim cristãos-novos. A entrada sobre «judeus» do Dicionário de História de Portugal de Joel Serrão não aborda o massacre precisamente porque o artigo termina com a expulsão dos judeus em 1496. Todas as vítimas eram baptizadas. A maior parte delas teria assimilado mal ou recusava interiormente uma religião imposta pela força. Algumas poderiam ser verdadeiramente católicas. Outras tão descrentes quanto se podia ser descrente no século XVI. Quem foram e são os descendentes das quatro mil pessoas assassinadas há quinhentos anos? Entre eles haverá pessoas que regressaram ou assumiram o judaísmo, católicos sinceros, conversos a religiões cristãs não católicas ou não cristãs, agnósticos e ateus. Não perguntemos se os sinos dobram por judeus ou católicos. Os sinos dobram por todos nós.
1 Comments:
¿Por quien doblan las campanas?
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