sábado, abril 22, 2006

A Crise, Nós, o Governo e a Liberdade de Ver Futebol na TV

O Fernando naturalmente reagiu ao que escrevi, mas não me revejo nas críticas que faz a este meu poste. Previsíveis talvez, em todo caso aqui seguem os devidos esclarecimentos sobre o futuro da pátria e outros males maiores.

Se os homens fossem anjos não precisavam de governo, eis uma máxima plena de sabedoria. Nisso estamos de acordo. É a melhor resposta aos perfeccionistas. Aos que acham que nas empresas, nos sindicatos, nos clubes desportivos, nos blogues, se faz o melhor possível. Mas que no caso do governo só a perfeição basta, só o sucesso completo é aceitável. Portanto, eu não tenho problemas em criticar um governo do PS, que apoio, pela simples razão de que não espero que este ou outro qualquer seja perfeito. Dito isto, também me parece que há umas diferençazinhas na forma como governo e sociedade se relacionam, por exemplo, na Finlândia e na Guiné Equatorial, ou no Canadá e nas Filipinas, e que tal facto não será inteiramente estranho à diferença substancial no desenvolvimento desses países.

O Fernando e o Sérgio Figueiredo defendem que as empresas, os empresários, os trabalhadores produtivos precisam de mais liberdade e que isso resolverá os problemas da pátria. Volto a perguntar, o que é que isto significa na prática? Quanto custa, ou quanto beneficia o Estado, em termos do problema candente do deficit? Será que as empresas e o resto da sociedade civil já deram mostras de fazer uso da liberdade que já têm para salvar a pátria da crise? Tenho dúvidas. O que parece ser preciso é um repensar da forma como os cidadãos, as empresas, os sindicatos, em suma, a sociedade civil (como diz o vulgo) vê os problemas actuais.

O meu problema, aliás, não é que este governo dure. O meu problema é que governe bem. O meu problema é que Portugal comece a resolver os seus problemas económicos estruturais num período de crescente competição internacional.

Eu nunca disse que não há alternativa a Sócrates. O que digo é que não vejo qual ela seja. Algum partido anunciou as tais medidas de libertação e salvação da Pátria? Pelo que aqui me chega parece que o PSD e o CDS estão muito preocupados até com o impacto das reformas que já estão a ser feitas nos serviços públicos. Alguém defende despedimentos em massa na função pública? Isso é legal? Isso levará a uma quebra no deficit? (Suponho que teria da dar lugar a indemnizações). E independentemente do impacto social, qual seria o impacto no consumo e na recuperação da economia?

Sei também - lamento insistir numa verdade desagradável - que se este governo não conseguir inverter a tendência de crise financeira e económica estrutural (duas coisas cada vez mais ligadas), qualquer outro que lhe venha a suceder terá uma tarefa muito mais difícil. Ou alguém realmente acha, que um governo com um deficit ainda maior, e com crescimento menor, estaria numa situação mais confortável do que o actual?

Sei também que em países que passaram por dificuldades estruturais algo semelhantes – a Irlanda, a Dinamarca, a Finlândia, que, aliás, não adoptaram necessariamente o mesmo tipo de reformas – foi preciso, apesar de à partida serem mais ricos do que nós, um esforço conjunto de empresas, sindicatos, governo, partidos, para se fazerem reformas de fundo, captar investimento, apostar na inovação nativa.

O meu problema não é as empresas pedirem subsídios e os sindicatos pedirem aumentos nos salários. O meu problema é que praticamente só os vejo a fazerem isso. Ou quando muito a mostrarem “contenção”, uma palavra que diz tudo. E não vejo como é que isso casa com o tal apelo à liberdade económica como solução para os nossos males. Haverá excepções: mas, em regra, em Portugal o que falta, a todos os níveis, é planeamento estratégico. Quais são os objectivos de curto, médio, longo prazo, quais são os previsíveis imprevistos e como reagir a eles, quais os rendimento e quais os custos. Muitos empresários parecem viver para o dia de amanhã, ainda não perceberam que a economia tem ciclos e a recessão é tão normal como o crescimento. Muitos sindicatos parecem achar que a sua missão é negociar salários ou outras regalias, sem se preocuparem com mais nada, por exemplo, com esse pequeno pormenor de saber se a empresa ou o sector têm futuro.
Claro que o Estado tem de mudar, parece estar a mudar, e se não mudar o suficiente isso deve ser dito. Mas o problema é que tradicionalmente as críticas às reformas em Portugal servem para as deitar para o lixo e defender que tudo deve ficar como dantes, quartel-general de Abrantes! Um exemplo caricatural é o sindicato dos magistrados que chegou ao ponto de defender que precisava de mais férias para poder trabalhar mais! Mesmo que fosse assim, no caso de magistrados zelosos, isto era um “sistema” defensável? E isto de um sindicato que representa pessoas que só podem ser classificadas como parte da elite. Mas, mais importantemente ainda, é preciso perceber que não é só o Estado que tem de mudar!

Propor alternativas dá trabalho, mudar realmente ainda dá mais. Em países bem mais organizados e bem mais ricos do que Portugal, isso foi encarado como um esforço conjunto, que responsabilizou a todos. Em Portugal parece que anda tudo a assistir ao desempenho do governo como se estivesse a assistir a um jogo de futebol pela TV. É um direito: Deus-me-livre de Salazar! Nem me passa pela cabeça defender que toda a gente faça amen ao governo. Mas proponho algo bem mais difícil: começar a mudar as coisas, fazer propostas concretas. Mais liberdade? Parece sempre uma óptima ideia. Mas mais liberdade para fazer exactamente o quê?
PS - Vejo que um outro apoiante do governo (com que tive uma pequena pega recente) se mostra activo na tarefa de apontar caminhos concretos para fazer melhor no campo orçamental. É um princípio... Onde estão as mudanças ou as propostas de empresários, sindicatos, etc.?