quarta-feira, maio 31, 2006

Feira do Livro (Hay Way)


Em Lisboa decorre a Feira do Livro. Por aqui o mais parecido que me ocorre é o Hay Festival, em Hay-on-Wye, no País de Gales. (Na prática, de Londres, Lisboa é mais barata e mais perto em tempo de viagem). A ideia em Hay é promover a palavra nos diversos media e não apenas em livro. Mas é o que se arranja. (Tema interessante é pensar se algo decididamente multimedia, mas centrado no poder da palavra, no argumento, resultaria bem em Portugal).
Clinton foi mobilizado para promover a feira. Usam como mote uma frase sua aquando da visita que lá fez para promover a auto-biografia. Aparentemente Hay é "The Woodstock of the Mind!" A analogia pode suscitar algumas questões, mas pelo menos parece que também neste caso há lama e chuva em abundância. (A boa notícia é que a coisa não decorre ao ar livre, mas numa grande tenda.)

É o que podem comprovar no diário da visita a Hay de Margaret Atwood. (Sim, se quiserem acho que também podemos chamar-lhe blogue.) Começa no tom que se esperaria dela: It was a dark and stormy week. Local legend had it that it had been raining for 40 days and 40 nights, and on the Friday morning when I arrived with my spouse, Graeme Gibson, it hadn't stopped. Continua de uma forma que, se estivessemos em Portugal, se diria que é tipicamente portuguesa: Due to bureaucratic foot-dragging, things weren't quite finished. The parking lot was a bog of squelchy red mud. Dá graças pela solução, essa sim reconfortantemente britânica: [we] were fed nice hot cups of tea - the English response to every challenge. Atwood termina com uma declaração de amor a Al Gore (que também esteve em Hay, precisamente por causa do clima). Eu gostei do final, mas não será, talvez, para todos os gostos.
ILUSTRAÇÃO: Old Print cortesia de Old Print Books

Catedrocracia ou o Salazarismo volta a atacar

Creio que o termo catedrocracia foi cunhado por Miguel de Unamano para caracterizar o regime de Salazar. (Mas ainda que não esteja no exílio, não tenho comigo a minha biblioteca para confirmar.) É uma alternativa interessante à ideia - vulgar, mas nada consensual entre os historiadores, portugueses ou estrangeiros - do Salazarismo como Fascismo. Aliás o próprio conceito de Fascismo (seja o original italiano, seja uma eventual variedade genérica) é uma questão complicada. Mas este e outros temas foram já aqui labutados pelo Fernando Martins.
Entre historiadores tudo pode e deve ser debatido e analisado, comparado e compreendido friamente - ditadura, repressão, genocídio. Isso incomoda as ideias geralmente aceites (políticas e outras)? É provavelmente inevitável e até positivo. Há quem queira fazer juízos de valor e tirar consequências políticas para a actualidade sobre estes assuntos passados? Pode ser complicado, mas é natural e legítimo (inclusive para historiadores fora das suas horas de serviço). Mas é, em todo o caso, outra história.
Também percebo que Vital Moreira se desgoste com o facto de um regime ditatorial que ele viveu (o Estado Novo) seja agora um objecto histórico como outro qualquer. Devia retirar, no entanto, alguma consolação de uma das diferenças importantes entre o Estado Novo e a Terceira República em que vivemos: não haver quem consiga subordinar a História a qualquer cartilha política.

E termino com um paradoxo que só me ocorreu ao correr da pena (virtualmente falando). Vital Moreira fez questão de não nomear nem um dos autores que visava na sua crítica. (Tive de me socorrer do Insurgente para saber que se tratava aparentemente do Rui Ramos e do Luciano Amaral). Ora se lermos os discursos de Salazar está lá bem evidente o síndroma do tempo de antena, o silêncio ou o recurso a termos vagos e pejorativos para designar o adversário. Mesmo quando citava, o professor-ditador raramente referia a fonte. Percebe-se. Para Salazar citar abundamente outros seria minar a sua autoridade única e chamar a atenção para a concorrência. Será que não aflora por vezes no nosso comentariato, involuntariamente (espero), algo desta lógica do deserto para melhor brilhar, algo desta mentalidade da lição ex cathedra? Isto não significa que considere que estejamos em risco de uma ditadura (fiquem descansados), e certamente não por parte de uma pessoa tão estimável quanto Vital Moreira. Mas lá que este tipo de atitude dificulta o debate de fundo e a sério num país onde ele já escasseia, lá isso...

terça-feira, maio 30, 2006

Quo vadis, Amnistia?


Simon Caldwell, em "Amnesty could kill itself" (no Spectator), avisa que a Aministia Internacional pode estar a dar passos para descredibilizar definitivamente a sua missão. Esta organização não governamental à qual já pertenci, por me reconhecer no Mandato que preservava ainda em 1998, iniciou desde então um processo de "alargamento" do seu conceito de "direitos humanos" em relação ao qual, num modesto contributo, avisei aqui que abria portas para uma preocupante indefinição de objectivos. A senda dos "direitos sociais", como avisava também no meu texto, tem destas armadilhas de que fala, num desenvolvimento recente, o artigo de Caldwell.

Publicado em L&LP e AP.

De Timor

O relato em discurso directo e em forma de blogue de uma portuguesa que se sente obrigada a sair do país com a filha adoptiva timorense.

segunda-feira, maio 29, 2006

Discutindo os clássicos


Acerca da conversa sobre os clássicos na casa Fernando Pessoa, li o relato de Rui Tavares e os comentários certeiros de Eduardo Pitta e Filipe Alves Moreira. Pelo que percebi, o debate não pôs em causa a organização do estudo dos clássicos pelo critério das literaturas nacionais.
A concepção prevalecente em Portugal é marcadamente nacionalista. Os «nossos» clássicos são incluídos nos programas de Português e Literatura. Os «outros» ficam sob a alçada das línguas e literaturas estrangeiras. Acontece que, por exemplo, dois anos de alemão no 10.º e 11.º anos são insuficientes para chegar a qualquer clássico desta língua. No Inglês o aluno avançado e aplicado do secundário fará as suas «fichas« de obras fininhas como The Pearl de John Steinbeck, The Old Man and the Sea de Hemingway, Animal Farm de George Orwell ou The Great Gatsby de Scott Fitzgerald. Além da magreza da lomba, note-se, todos estes livros são do século XX – e não creio que a escolha seja totalmente alheia à produção didáctica dos países de língua inglesa.
Será que a arrumação dos «clássicos» por línguas nacionais não nega a própria concepção de «clássico» que pressupõe a existência de um património universal? Será justo reservar o estudo de Dostoievski para os aprendizes de russo? De Cervantes para os estudiosos do espanhol? De Dante para os avançados no italiano? De Ibsen para os entusiastas do norueguês?
Uma das razões para estudar os clássicos é criar os alicerces dos escritores e leitores do presente e futuro. Nesta perspectiva não será mais estimulante para um candidato a dramaturgo estudar Ibsen, Tchekov, Brecht, Beckett, do que o Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett?
A distorção nacionalista no estudo de História da Literatura gera dificuldades e resistências na compreensão da literatura portuguesa. Como entender Júlio Dinis desconhecendo a tradição inglesa do romance burguês? Como situar Eurico o Presbítero de Alexandre Herculano ignorando Walter Scott? E, já agora, coloco a questão a Maria Filomena Mónica e seus discípulos: será que os romances de Júlio Dinis e Eurico o Presbítero se encontram a salvo de qualquer controvérsia sobre o seu valor literário em contraste com todas as obras do século XX?

PS A insinuação?sugestão? feita por Filomena Mónica de fuzilar os responsáveis pelos currículos de literatura não foi feliz. Fez-me lembrar as declarações de Otelo – não o de Shakespeare, mas o que ponderava se não valeria a pena meter todos os reaccionários no Campo Pequeno…

Almanaque do Povo

Blogs Novos, Bloggers Veteranos: a solo e de Arrastão, aí está Daniel Oliveira.

Mondoblog: Beppe Grillo, actor e autor internacionalmente reconhecido pela contundência da sua sátira política, tem blogue homónimo há cerca de um ano (com opção de leitura em inglês e tudo). Muito bom. Visitem um dos mais conhecidos blogues de Itália, não darão a viagem por perdida.

Os Blogues e a Bola:
Acho isto de os homens-rapazes andarem de volta dos cromos do Mundial uma coisa linda. Ao que percebi, Miguel Marujo foi o primeiro a sair do quiosque, no Cibertúlia. Isto de eu achar a nova Febre Panini uma coisa linda é capaz de estar relacionado com o facto de ter feito a caderneta do Bana & Flapi. E da Candy Candy. E do Dartacão. Etc. É capaz.

[Reprodução: BND]

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Detalhe importante


A imagem que usei para ilustrar este post aparece muito bem acompanhada a partir deste link. Agradeço ao Al-farrob a chamada de atenção e felicito-o pela excelente qualidade das fotos que tem on-line. A foto que ilustra este pequeno texto é do www.algarve-casa.nl, havendo uma parecida no http://www.al-farrob.com/html/0605004p.html. Refrescante, não?

Expectativa.


Será suficiente ter apenas a Lixa como aliado? Saberemos dentro de algumas semanas.

domingo, maio 28, 2006

À primeira vista

No primeiro de Abril deste ano o canal internacional da Rede Record substituiu o GNT Portugal na selecta a cabo portuguesa, sem mais nem quê. Ou melhor, por uma questão de de preço. É possível, pois, desde esse dia, televisionar no canal de Edir Macedo o espaço de programação consagrado à Igreja Universal do Reino de Deus, ao princípio e fim do dia. Que um medium na posse de uma instituição religiosa emita programação dessa natureza parece-me perfeitamente normal, agora que faça acção pastoral num décor de telejornal, isso já me parece muito estranho. Quase tão estranho quanto o facto de o último número da Plenitude - que inundou por estes dias as caixas de correio da Grande Lisboa - ostentar um formato gráfico insolitamente semelhante ao da Visão. Ninguém me acompanhará nesta estranheza?

Pergunta não retórica


Timor vale a vida de um militar da GNR?

As Revoluções de Maio


Quando a tropa portuguesa saiu para a rua a 28 de Maio de 1926, espicaçada por várias conspirações que se urdiam para acabar com a ditadura do Partido Democrático, tanto ela como os seus chefes pouca ideia tinham daquilo que queriam, embora não duvidassem daquilo que não queriam. O 28 de Maio não se fez portanto para instaurar a monarquia, o fascismo, o salazarismo, o Estado Novo ou, para ser ainda mais prosaico, o corporativismo. Fez-se isso sim, e até ao início da década de 1930, não para derrubar mas para reformar a República (por isso, e por exemplo, houve conflitos entre Cabeçadas e Gomes da Costa – e aquilo que representavam –, da mesma forma que a deriva integralista deste aceleraria a sua substituição por Carmona na chefia do regime de excepção então em vigor).
Em Maio de 1926, o Partido Democrático e tudo aquilo que representava, mas não necessariamente a República, caíram às mãos dos militares. Foi derrubada uma solução constitucional adoptada em 1911 que não era nem nunca tinha sido democrática – e menos ainda na acepção da democracia que existe em Portugal desde 1975 ou 1976 – mas que, sobretudo, trouxera instabilidade política e social ao país. A Igreja e os Católicos, assim como os sindicatos, foram perseguidos e reprimidos. Foi imposta a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, ao mesmo tempo que não se desenvolveu a economia e não se cuidou do império, da mesma forma que se acumularam tanto os escândalos financeiros como a miséria mais ingente de largas faixas da população, fosse em meios rurais, urbanos ou industriais – facto de que a grossa emigração, sobretudo para o Brasil, era e é o testemunho mais objectivo do fracasso de um projecto político e social.
Vem isto a propósito de um post que eu queria escrever sobre os 80 anos do 28 de Maio – cumprem-se hoje –, mas, e acima de tudo, de um texto entretanto publicado por Vital Moreira no blog que partilha. O texto singelo que há cerca de uma semana se me ocorreu escrever estava pensado para não ir muito além de uma pequena provocação. Acudiu-me a ideia para o texto quando se deu notícia de um estudo da União Europeia que fazia referência ao previsível agravamento – absoluto e relativo – do nosso atraso socio-económico nos próximos dez ou quinze anos. Nessa altura novamente voltaremos – se é que alguma vez de lá verdadeiramente saímos – à condição dos mais pobres entre os pobres da Europa. Aproveitando a deixa, e para ajudar a relativizar tão deprimente mas igualmente correcta informação, propunha-me recordar o 28 de Maio de 1926 para dizer que, na véspera desse dia, e tal como nas vésperas do 5 de Outubro de 1910, ou do 25 de Abril de 1974, Portugal se encontrava tal-qualmente entre os países mais pobres e atrasados aqui do velho continente, embora com a vantagem de naquelas três datas a Europa ser muito mais rica do que o resto do mundo, com a excepção da América do Norte. O post, pelo tom e pelo conteúdo pretendia provocar umas reacções e, por aí, uma subida de audiências do Amigo do Povo. Por outro lado, procurava chamar a atenção para o facto de, independentemente da natureza dos regimes políticos, os problemas portugueses de atraso económico, social ou cultural insistirem em manter-se. Mande Fontes, mande João Franco, mande Afonso Costa ou António Maria da Silva, mande Salazar ou Caetano, mande Vasco Gonçalves, Mário Soares, Cavaco, Gueterres, Santana ou Sócrates, é óbvio que não se lhe dá a volta. Finalmente, interessava-me de modo implícito sublinhar o facto de todos os regimes em Portugal terem de modo demasiado óbvio um prazo de validade, pelo que mereceria talvez a pena chamar a atenção para esse facto – evocando os oitenta anos do 28 de Maio – e lançar o debate sobre quando, como e porquê cairá a 2.ª (ou será a 3.ª?) República portuguesa em que vivemos.
Vital Moreira, na Causa Nossa, veio pôr fim a um plano que até há dois ou três dias reputava, desculpem-me a imodéstia, de bem engendrado, sobretudo por causa da sua simplicidade. Obriga-me assim o distinto professor de Direito, e eu não queria, a falar de outras coisas a propósito do 28 de Maio e daquilo que veio a seguir. Coisas que revelam algo sobre Vital Moreira e, sobretudo, sobre os limites do debate intelectual em Portugal mais de trinta após o 25 de Abril de 1974. No seu post aquele professor da Faculdade de Direito da lusa Atenas atira-se, como gato a bofe, aos historiadores (?) que se entretêm a branquear o salazarismo, ao mesmo tempo que mancham o bom e imaculado nome da I República. O pequeno texto de Vital Moreira tem desde logo o problema de não citar sequer o nome de um historiador que defenda, não sei se em conjunto se por separado, “o edulcoramento do carácter repressivo da ditadura” – quer dizer a Ditadura Militar e o Estado Novo – e “a relativização da diferença entre o Estado Novo e a actual República democrática”. Como nunca li tal coisa em artigos ou livros escritos por historiadores, gostaria de vê-los nomeados. Só assim poderia confrontar opiniões. Mas gostaria igualmente de vê-los nomeados porque só desse modo tais historiadores, a existirem, poderiam eventualmente defender-se dos ataques políticos e intelectuais (?) vindos de um colega – ainda que com percurso académico noutras áreas –, e de um concidadão.
Deixando agora de lado a absurda ideia de que há historiadores que relativizam as diferenças entre Estado Novo e a democracia em que vivemos só para desvalorizar o “25 de Abril” – se o fizessem, e como “fascistas” que indiscutivelmente são aos olhos de Vital Moreira, estavam estranhamente, aos seus próprios olhos, a despromover o primeiro regime e a valorizar o segundo – a verdade é que, e naquilo que à I República diz respeito, esta não só nunca foi democrática – nem segundo os padrões da época (muito pelo contrário) nem segundo os actuais – como nunca foi, sequer, popular. Uma e outra realidade, assim como várias outras, conduziram à sua queda a 28 de Maio de 1926 – na realidade apenas uns dias mais tarde – sem que se disparasse um tiro em sua defesa. É que nunca vi, e não me parece que alguém tenha visto, um regime democrático desfazer-se como se desfez a I República. Excepto, claro, no caso da grande maioria dos portugueses, sabe-se lá porquê, não amar a República e suspirar por uma ditadura que pusesse fim a uma outra estranhamente conhecida como a ditadura do Partido Democrático.
Resumindo, é óbvio que a I República foi mais antidemocrática do que o seu contrário – a mítica “República democrática” – e, sobretudo, do que a Monarquia Constitucional. O Estado Novo foi não apenas autoritário mas, sobretudo, violento. No entanto, e embora parte do seu êxito se tenha devido ao cansaço do parlamentarismo – para não dizer outra coisa – que a República trouxe à sociedade portuguesa e à sua vida política, certo é que ele foi o produto de um confronto político que transformou a Ditadura Militar, nascida a 28 de Maio de 1926, numa síntese que não se limitou a reformar a velha I República. Se o resultado da Ditadura Militar foi o rasgar da maior parte da experiência constitucional de 1911, então tal deveu-se pura e simplesmente ao facto de se terem tornado mais fortes aqueles que defendiam, depois de 1930, novas soluções, da mesma forma que os republicanos do Partido Democrático tinham sido os mais fortes – embora com excepções importantes – entre 1910 e 1926.
A 28 de Maio a I República, tal como a Monarquia a 5 de Outubro de 1910 ou o “fascismo” português a 25 de Abril de 1974, caíram por mérito dos conspiradores. Mas também foram derrubados por se terem transformado em regimes que haviam esgotado toda a sua legitimidade e utilidade. A I República, e não a República, caiu como consequência dos seus deméritos, da sua natureza, das suas fraquezas e da sua impopularidade. Não caiu por causa do fascismo que aí vinha – aliás nunca veio. Mas quaisquer que tenham sido as causas de uma queda ou a natureza daquilo que veio a seguir – Ditadura Militar (1926-1933), “Estado Novo” (1933-1974) – o mais preocupante, mas não espantoso, é ver os Vitais Moreiras deste mundo permanentemente com o dedo em riste lançando patéticas acusações àqueles que, em liberdade, nos dão, bem ou mal, as suas interpretações sobre acontecimentos mais ou menos longínquos da nossa dilecta história de Portugal. Quem, portanto – marafado ou marafada –, saia do padrão dominante de interpretação da história portuguesa pós-1910, é, no mínimo, ignóbil lixívia branqueadora do Estado Novo e/ou vil caluniador da I República. E Vital Moreira o que é?

sexta-feira, maio 26, 2006

Timor e nós

Timor: o que dizer? Além de recomendar a leitura da Bloguítica, escrita por uma das poucas pessoas que acompanham com constante atenção o que por lá se passa há anos, deixo três notas sobre áreas em que tenho trabalhado.

O envio da GNR para Timor seria legal mesmo que a ONU não se tivesse prenunciado. A Carta da ONU reserva o direito de auto-defesa. (E nesse quadro é prática corrente governos pediram ajuda militar ao exterior para lidar com ameaças internas ou externas.) Outra coisa é saber se isso seria sensato da parte portuguesa; tendo em conta que o governo timorense é alvo de contestação e não queremos politizar a nossa posição em Timor. É possível que e o governo português tenha querido evitar o caos, enviando o mais cedo possível aos revoltosos um sinal dissuasor. Mas é importante perceber que o uso da força é sempre nestes casos, por muito eficaz e importante no imediato, apenas uma forma de criar espaço para uma solução política estável q.b. E neste aspecto o envolvimento da ONU é essencial, pela sua experiência nestas coisas e pela legitimidade que traz consigo.

O envio da GNR coloca problemas práticos sérios. Suponho que esta força tenha treino adequado, e até no caso de alguns soldados e oficiais experiência de Timor onde a sua acção foi louvada. Cabe a quem conhece exactamente o seu perfil decidir sobre o envio. Por um lado uma força professional (veja-se o caso da Serra Leoa) pode frequentemente fazer um grande diferença face a forças pouco organizadas, mortíferas apenas para civis indefesos. Por outro, a situação é confusa. Não é claro (é o mínimo que se pode dizer) que haja consentimento de todas as partes (ou quais elas sejam) quanto à intervenção e exactamente o que farão. Esta acção vai portanto, potencialmente, bem além de um policiamento reforçado. Por isso parece-me evidente que a ir para diante é essencial que a GNR tenha no terreno meios adequados para lhe dar protecção e força adequada. Não menos importante é que tenha instruções claras quanto ao uso da força para se proteger e para proteger potenciais ameaças a timorenses desarmados. Sobretudo, porque é sempre melhor prevenir que remediar, e não indo tropas portuguesas, é essencial garantir previamente a ajuda de forças militares estrangeiras já no terreno, particularmente australianas, caso ela seja necessária, e portanto também um bom sistema de comunicação e ligação com elas.

Só não sabe que há divisões importantes entre as variadas comunidades locais, quem não conhece nada da história de Timor. A pacificação do território só foi aliás conseguida muito gradualmente e muito tardiamente pela mediação portuguesa - a força e número de portugueses no território sempre foi escassíssima. Mas a ideia de velhos ódios étnicos como origem deste tipo de conflitos é tão credível hoje em estudos de segurança internacional como a crença de que o sol anda à volta da terra em astronomia. Evidentemente que a identidade - e a sua manipulação política - é importante. Mas factores e opções mais imediatos, políticos e económicos, são fundamentais para se perceber o activar deste tipo de crises e como remediá-las.

Finalmente, há que não ter ilusões: Timor nunca poderia ser o nosso paraíso perdido. Mas também há que não ser demasiado crítico. Criar um estado num território muito pobre é uma tarefa muito difícil. Na Europa demorámos séculos de conflitos sangrentos. Antes de assumirmos uma pose de superioridade desiludida convém lembrar as nossas guerras civis, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra na ex-Jugoslávia. Se Portugal puder contribuir para a uma ordem mais justa e mais pacífica no Mundo, numa área a que temos particular ligação, deve fazê-lo. Mas querer ajudar não dispensa a prudência na forma de ajudar.
PS - Este confronto verbal público do MNE com a Austrália parece-me um péssimo sinal. Aliás, se está tudo bem em Timor, o que é nós lá vamos fazer?

Kontratempos não há argumentos?

Caro Tiago, li com interesse esta cortês réplica ao meu poste sobre o jacobinismo e o protocolo. O título Jacobinismos ou nem tanto assim parece-me reflectir bem a ambiguidade de um liberal como o Tiago que inesperadamente tira conclusões pouco liberais (e para mim algo confusas) de raciocínios que me pareciam perfeitamente lógicos até determinada altura. Se volto à questão não é por causa do protocolo - como deixei claro, acho isso uma distração num momento grave, e deve ficar nas mãos sensatas da tradição - mas porque o texto levanta questões fundamentais.
É claro que ninguém - com a possível excepção da Albânia nos bons e velhos tempos do laicismo puro e duro, e actualmente a laicíssima Coreia do Norte - é contra o facto de qualquer pessoa ter as convicções privadas que entender. A questão coloca-se sempre e só no espaço público. Mostrar tolerância por convicções privadas é simplesmente dizer que não se é a favor de uma repressão totalitária. Não esperem os jacobinos portugueses agradecimentos por essa gentileza. Pelo menos não da minha parte.
Quanto ao espaço público o Tiago ora parece liberalmente defender o pluralismo ora vem contrapor jacobinamente bem público e convicções privadas. Sejamos claros, para um liberal, pelo menos como eu entendo a tradição liberal, o espaço público nunca pode ser o espaço natural do Estado que este concede graciosamente aos cidadãos. É o espaço natural dos cidadãos, e das suas múltiplas organizações.
Claro que este espaço tem de ser regulado - até que ponto e de que forma, várias tradições liberais divergem no detalhe. Mas se o for liberalmente, sê-lo-à de uma forma que maximise os direitos dos cidadãos e minimise os contrangimentos. Mais, se se pode - sempre com alguma dificuldade e ainda assim com garantias mínimas contra o arbítrio - opor, em certos casos, interesse público e interesses particulares. O que não se pode é opor espaço público e convicções privadas. Todas as convicções são privadas na sua origem, mas também são legítimas em público desde que não violem certos princípios básicos: essencialmente não apelem à violência para se impor.
O jacobinismo, pelo contrário, não aceita nada entre o Estado e os cidadãos. Ou pelo menos desconfia de tudo. É por isso que perseguiu as Igrejas, sobretudo a católica. Mas também perseguiu, por exemplo, os sindicatos. (O nosso jacobino por excelência, Afonso Costa, é o perfeito exemplo dessa dupla sanha).
A única questão séria que se coloca a respeito do protocolo é esta: deve uma cerimónia pública consistir apenas de representantes do Estado? Ou deve ter representantes de organizações significativas da sociedade civil? Para mim como liberal a resposta é óbvia. Claro que o Estado não deve ser o monopolista do espaço público, nem sequer nas suas cerimónias. Se convida representantes da sociedade civil, então quais? Evidentemente os mais representativos. Como se organizam protocolarmente? De acordo com a tradição. Mas sobre isto já falei no poste original. Isto nada tem a ver com privilégios, mas com cortesia, bom senso e liberalismo.
ADENDA - Chamaram-me a atenção para este texto no DN de Joana Amaral Dias. Fico curioso em saber quem são as pessoas que segundo ela defendem que a Igreja Católica em Portugal deve manter os seus privilégios porque eles são menores que no resto da Europa. Eu não sou de certeza (ao contrário do que dizia quem me mandou o linque) porque deixei claro que não acho que o catolicismo goze de privilégios em Portugal. Fico a aguardar (se faz favor) a listinha, mesmo que incompleta (e desta feita ainda mais confortavelmente sentado).

quinta-feira, maio 25, 2006

O código da reacção

O Código da Vinci encontra-se encriptado. As falsas pistas para o compreender são muitas: «a imagem humana de Cristo», «a denúncia da repressão das mulheres pela Igreja», «a crítica à vertente mais conservadora da Igreja Católica.» O meu ponto de vista é que a palavra-chave possui sete letras: reacção.
Segundo o filme, Cristo não teria uma dimensão divina, mas apenas uma dimensão humana. É tentador associar esta desmistificação de Cristo a uma postura «progressista». Ele seria «apenas um humano como nós». Acontece que o raciocínio parte de falsas premissas. O Código da Vinci não afirma que Cristo era igual ao comum dos mortais, mas um homem com poderes especiais transmissíveis aos seus descendentes. Ou seja, Cristo não abriu à Humanidade o caminho para Deus, fundou uma linhagem de super-homens e super-mulheres. Esta concepção eugénica é vincada pela forma como é retratado Silas, o pior dos vilões. Ele possui uma deficiência genética: é albino.
Alegadamente, o filme denuncia o carácter misógino da Igreja Católica e valoriza o papel das mulheres identificando o útero de Maria Madalena com o «Santo Graal». No entanto, esta declaração de intenções não se reflecte no desenvolvimento dramático. Robert Langdom, o professor de simbologia religiosa e Sophie Neveu, a criptógrafa do departamento da polícia judiciária francesa, falam, falam sobre sexo mas…nada. As suas experiências passadas evocadas como pertinentes para compreender as personagens, as suas motivações, o próprio enredo, são traumas. Histórias de solidão e morte. No caso de Robert Langdom, o facto de ter caído num poço escuro quando era criança. Para Sophie Neveu, a morte dos pais num acidente de automóvel. Como é habitual nas fábulas, a superação do trauma parece relacionar-se simbolicamente com o êxito de uma demanda. Por fim, Robert Langdom encontra o «Santo Graal» - Sophie Neveu - e…vai-se embora. Que uma regra dos filmes de aventuras seja subvertida numa ficção que, mesmo assim, é um best-seller, dá-nos que pensar. A resolução dramática, para Sophie Neveu não se encontra no casamento com o seu companheiro de aventuras, mas no reencontro com a avó e aceitação por uma pequena comunidade detentora de um segredo. Em vez do risco inerente ao início de uma relação homem-mulher, prefere a segurança do reconhecimento por um grupo fechado. Repararam bem no conjunto das personagens? São franceses, de diferentes origens sociais, mas não representam a sociedade multi-étnica da França dos nossos dias. É a velha sociedade francesa rural ameaçada pelo processo de globalização. Uma parte do eleitorado de Le Pen.
A ficção de Dan Brown associa valor moral a qualidade genética e os seus protagonistas possuem uma psicologia regressiva. Num mundo de aparências caóticas, é este o sentido do código.

Re: Rosas apoia Sócrates e eu também

Reformas no sector privado, Bruno? Estás a pensar em quê? Os privados estão por sua conta e risco e se não gerem bem, acabam... Aliás, a suposta reciprocidade que alguns julgam obvia (deve exigir-se do Estado e este dos privados) é falsa porque são os privados (singulares e colectivos) quem sustenta o Estado pela via fiscal, além de se sustentarem a si mesmos. E o facto de existir uma minoria de privados que vive à custa do Estado (por exemplo, com subsídios) não deve servir para iludirmos essa enorme diferença. Uns produzem e pagam tudo; outros mandam e gastam tudo. Quem é que está em posição de exigir?

Quanto ao actual governo e à oposição, concordo que este governo está a reformar mais que o anterior. Mas é bom que tenhamos consciência de duas coisas: 1. Não tinha alternativa, com a degradação da situação financeira; 2. Está longe ainda do necessário (diminuição da despesa pública, que continua a aumentar).

Esplanemos

Aguardei serenamente o final do julgamento de João Pedro George. Ou melhor, e para ser rigoroso, com certa inquietação. (Mas ainda assim gosto da expressão serenamente). Cheguei a temer que fosse negado ao sociólogo da cultura, ao crítico literário a possibilidade de chamar os bois (e respectivas companheiras) pelos nomes. Algo evidentemente sem sentido. Era como se, por exemplo, um matador de toiros não pudesse legalmente matar toiros! Fiquei, portanto, satisfeito com o veredicto no caso das couves e das alforrecas.

Quanto ao veredicto crítico da literatura pop assente na denúncia de que ela é repetitiva da parte de JPG parece-me ser, não merecedor de condenação em tribunal (claro), mas um pouco curto. (Sendo que não li, por manifesta impossibilidade, o livro de horticultura marítima). Afinal por que é que tantos leitores lêem textos tão repetitivas? Essa parece-me ser a pergunta essencial.
Já o Umberto Eco dos velhinhos Apocalípticos e Integrados apontava para a repetição como característica central de toda a literatura pop: dos folhetins novecentistas, ao Super Homem, incluindo, claro, o aniversariante Sherlock Holmes. Há uma certa diferença - no engenho e arte - entre o "elementar meu caro Watson" e o auto-plágio puro e simples. (Cuja descoberta, há que reconhecê-lo, devemos ao trabalho de JPG). Mas o efeito sociológico de manada parece ser semelhante. Os leitores de Margarida Rebelo Pinto iam ao engano? Ou muito me engano, ou compravam aquilo que queriam. A fidelidade com fidelidade se paga: o fiel leitor de best-sellers quer saber o que o espera, não quer novidades, quer mais do mesmo.

Rosas apoia Sócrates e eu também

Num texto exemplar, no Diário Económico, João Rosas vem recordar o essencial sobre o momento político actual em Portugal:


Rosas recorda sobretudo alguns factos essenciais, começando pelo mais evidente: a oposição de direita reclama agora todas as medidas que não teve o engenho e a arte de implementar quando estava no poder, tanto com Durão Barroso como com Santana Lopes. Vão lá ler o resto do texto que vale a pena.
Realmente a profundidade do nosso jornalismo e comentário político (médio) é estonteante. Há anos que exigiam reformas de fundo - daquelas que pela sua natureza demoram tempo a produzir resultados. Ao fim de um ano estão cansados de esperar e querem resultados salvíficos! Brilhante. O que não significa que não seja preciso mais. Mais esforço de todos. Mais reformas (ainda) no sector público, mas sobretudo no privado. Mais investimento. Mas sobre como conseguir isso, ouve-se pouco.
ILUSTRAÇÃO: Detalhe de Sócrates em A Escola de Atenas. Fresco de Raffaello Santi [Reproduzido por caridade de Sua Santidade o Papa].

quarta-feira, maio 24, 2006

Uma vez na vida!

terça-feira, maio 23, 2006

Heterodoxia contra heterodoxia?


Vi no Sábado a adaptação cinematográfica de "O Código Da Vinci", de Dan Brown. No que consiste aquilo? Basicamente em opor ao culto “ortodoxo” da Virgem Maria o culto “heterodoxo” de Maria Madalena. A feminização do cristianismo no seu pior, de deixar de cabelos eriçados quem já se escandaliza com o atrelanço que Roma faz da imaculada conceição e ascensão da Virgem à imaculada conceição e ascensão de Jesus Cristo.

Carrilho escreveu um livro…


No debate de hoje na RTP – no já célebre “Prós e Contras” – enfrentaram-se Manuel Maria Carrilho e Emídio Rangel, de um lado, e Pacheco Pereira e Ricardo Costa, do outro. Discutia-se o livro recentemente publicado por Carrilho na Dom Quixote. Assisti ao debate praticamente na íntegra. No início, Carrilho e Rangel pegaram-se com Ricardo Costa (e vice-versa). Depois as coisas foram-se acalmando, muito por culpa de Pacheco Pereira que, mercê do seu bom senso e experiência nestes debates madiáticos, tentou levar a conversa para uma dimensão menos pessoal para que perigosamente ameaçava resvalar. Pelo meio, diga-se, tanto Carrilho como Rangel garantiam que estavam no auditório da Casa do Artista para discutir as malfeitorias políticas dos jornalistas. Mas neste caso, como noutros, duvido que muita gente acreditasse nas bondosas intenções proclamadas por Rangel e Carrilho.
Ricardo Costa foi algumas vezes infantil, Carrilho naturalmente arrogante e mal educado, embora a imagem final que fica é a de um homem a cavalo entre o cinismo e a ingenuidade. Rangel foi pouco mais do que uma cabeça de vento incapaz de desenvolver um argumento ou de apresentar uma ideia para além da sua ingente preocupação com o estado a que terá chegado o jornalismo português – presumindo que alguma vez foi globalmente bom e sério e que Rangel não tem quaisquer responsabilidades no estado em que a actividade jornalística se encontra. Pacheco Pereira foi paciente e marcou pontos, sendo que numa perspectiva político-mediática saiu vencedor do debate. Fraco esteve o representante da agência de comunicação acusada por Carrilho das piores maldades. Sobre a moderadora nem vale a pena falar, excepto para dizer que talvez valesse a pena ter no palco alguém capaz de perceber, literalmente, aquilo que vai sendo dito pelos debatentes. Uma coisa faltou – presumindo que não foi dito nos minutos finais do debate a que já não pude assistir. Refiro-me a uma menção explícita ao papel que Bárbara Guimarães teve na campanha e, eventualmente, na derrota de Manuel Maria Carrilho. Parece-me evidente que Bárbara Guimarães entrou no combate político com o intuito claro de dar um contributo decisivo para a vitória do marido, nomeadamente porque se pensou que ela seria capaz de chegar a um eleitorado quase inacessível ao seu marido mas do qual necessitava para vencer e, até, para ter uma maioria absoluta. Esta estratégia não apenas falhou como engrossou a antipatia de jornalistas, comentadores e eleitorado em relação ao candidato do PS, parecendo às vezes que se fosse Bárbara e não Maria Carrilho a concorrer os socialistas poderiam ter tido um resultado mais honroso. Os lisboetas que faziam falta à vitória de Carrilho e que deveriam ser seduzidos pelo talento natural de Bárbara não foram na conversa. Resultado: ganhou Carmona e Carrilho escreveu um livro.

O código dólar


Não me arrependo de ter visto O Código da Vinci porque me senti dispensado de ler o livro. Poupei tempo, fiquei a conhecer a história de que tanta gente fala, e ainda ri um bocado das piadas involuntárias do filme. Admito que o romance seja melhor. A tese, no entanto, é a mesma, como o próprio Dan Brown certificou, e não tem ponta por onde se lhe pegue. Como é típico da sub-literatura de inspiração histórico-conspirativa relaciona mil e um factos insignificantes ao mesmo tempo que ignora o menor esforço de contextualização. O passado é visto à luz dos preconceitos de um presente recente e mal compreendido. Só assim pode passar a ideia de que pudesse haver uma intenção do poder eclesiástico em ocultar uma eventual vida sexual e amorosa de Cristo. A maior parte dos leitores ignora que o celibato dos padres só se tornou obrigatório no segundo milénio, possuindo um carácter disciplinar e não dogmático. Durante todo o primeiro milénio, antes e depois do Concílio de Niceia, os padres casavam e tinham filhos. S. Paulo, na 1.ª Carta a Timóteo, escreve o seguinte: «Mas é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, ponderado, de bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar (…)». (Tm 3,2). Esta passagem não se encontra em nenhum evangelho apócrifo, mas na Bíblia católica, a seguir aos quatro Evangelhos canónicos e antes do Apocalipse. Se os padres e bispos casavam, que sentido faria censurar uma relação de Cristo, o seu modelo?
A visão que o filme dá do Opus Dei é puro delírio. A começar pelo «monge do Opus Dei», uma contradição de termos, pois a figura espiritual do monge pressupõe a «separação do mundo» e a Obra pretende encontrar Deus no mundo, no século. Desde que se começou a falar da estreia do filme, aumentou em flecha o número de pessoas interessadas em aderir ao Opus. Em poucos meses, mais de um milhão de pessoas acederam a este site, em busca de informação. É compreensível. Quem é que não gostava de pertencer a uma organização que inspira filmes de Hollywood e onde, alegadamente, se podem encontrar personagens como Silas, que parecem saídas da Guerra das Estrelas? Eu não gostava, claro. Acredito que os membros da Obra tenham aderido à Prelatura com motivações e expectativas muito diferentes. É por estas e por outras que tanto eu como eles pertencemos à minoria esclarecida.
No decorrer da história a tradicional «suspensão da descrença» é substituída por um alucinado «tudo tem a ver com tudo». Segundo esta lógica, o filme acaba por saber a pouco. Dan Brown não é assim tão esperto. Já que o túmulo de Maria Madalena se encontra debaixo da pirâmide do Louvre, mandada construir por Miterrand, como é que não se lembrou de meter na história l´ami do antigo Presidente francês, Mário Soares?

segunda-feira, maio 22, 2006

Independência?

Montenegro, o único Principado cristão independente nos Balcãs durante os séculos de dominação Otomana, foi o primeiro aderente ao projecto da federação dos eslavos do Sul sob patrocínio da Sérvia pós-1918. Mas parece agora encaminhar-se para a independência.

A ser assim é a morte, ainda mais amarga e desastrosa do que provavelmente alguém teria previsto, do sonho de Milosevic da Grande Sérvia. (Com o Kosovo à espreita. E sendo que o actual primeiro-ministro do Montenegro e líder independentista - estas coisas nunca são simples - é um antigo aliado do dito Milosevic).

A ser assim é mais um memento de como é complicada a história dos Estados, das nações e das comunidades linguístico-culturais. (Afinal o que o distingue realmente o Montenegro da Sérbia? A língua não é certamente; mas na Suíça também se fala francês e alemão.)
A ser assim é mais um recordar de como a ideia de independência é ambígua apesar da aparente clareza. (Neste caso a independência parece sobretudo expressão da vontade de abandonar um um projecto político federal falhado, o da Jugoslávia, para melhor aceder a outro ainda mais ambicioso, mas aparentemente mais prometedor, de uma Europa unida.)

A ser assim é o recordar mais uma vez da sabedoria do cepticismo quanto à salvação do mundo por fórmulas simples, como seja a auto-determinação dos povos. (Dizia Sir Ivor Jennings: 'Antes do povo decidir o que quer, alguém tem de decidir quem é o povo que vai decidir'.)
Moral da história? Se tem de ter uma... Assim se mostra que a ideia de que o iberismo seria a solução para os males de Portugal é pior do que um crime (de traição), é um erro (de avaliação).

Muda o PSD, mudará Portugal!


O discurso de hoje de Marques Mendes no encerramento do Congresso do PSD evidenciou, por parte da liderança de um dos dois grandes partidos portugueses, uma nunca vista aposta no reformismo político e social e no liberalismo económico, ainda que algo cuidadoso. Isto pela boca de um dos seus líderes estruturalmente menos ideológico e mais conformadamente à esquerda desde os tempos de Fernando Nogueira. A dura realidade portuguesa – na economia, nas finanças públicas e no desemprego –, provocada pela recorrente inépcia do PS de Guterres e de Sócrates, e pela impotência confrangedora dos dois últimos governos PSD-CDS/PP, parecem ter aberto os olhos aos dirigentes sociais democratas. Resta saber se haverá gente capaz no partido para desempenhar aquela que é uma missão espinhosa. Gente com vontade e com talento para espalhar e explicar a mensagem e, depois, já no Governo, para a executar. Por último é essencial tentar perceber se a actual chefia do PSD é a mais capaz. Por mim, e como sempre apreciei a política feita por homens e mulheres comuns, acho que Marques Mendes poderá ir mais longe do que muitos pensam e dizem. Certo, porém, é que já não falta muito para que haja mudanças para os lados de São Bento. E não apenas de forma. Serão finalmente de conteúdo!

domingo, maio 21, 2006

Menção Horrorosa


Que Zapatero e muitos socialistas – dentro e fora do Governo de Madrid – pensem que negociando com a ETA resolverão de uma penada dois problemas – o do terrorismo e o nacionalismo basco – pode merecer todas as críticas e todo o aplauso, dependendo afinal da forma como nos posicionemos. Mas revelador do carácter de Zapatero e do seu cinismo político é a proposta que fez para justificar aquilo que muitos espanhóis consideram moralmente injustificável. Segundo Zapatero os espanhóis, e em particular as vítimas do terrorismo, fecharão os olhos ao diálogo que a todo o custo quer levar a cabo com os terroristas da ETA, uma vez que já avisou, muito comovido, que irá propor que se inclua, no preâmbulo da Constituição espanhola, uma menção que recorde as vítimas do terrorismo. Porque é que tão brilhante ideia não ocorreu antes a líderes políticos de países democráticos, a braços com o flagelo do terrorismo, é algo que nunca saberemos. Excepto, claro está, no caso de ter sido Blair a soprar-lhe a inspiração. É que acho bastante provável que tenha sido sua a ideia. Faltava-lhe, porém, a Constituição onde colocar tão honrosa menção quando decidiu começar a conversar com o IRA.

sábado, maio 20, 2006

Prazeres ao Sábado pela Manhã


Blogers há que aproveitam as manhãs de Sábado para tomar o pequeno almoço fora de casa e comprarem o Expresso que rapidamente se apressam a despejar no contentor azul da reciclagem. Este vosso criado fica por casa e, a não ser por motivos de força maior, ouve na Antena 1, entre as 9 e as 10, o "Lugar ao Sul". Faço-o há anos. É para mim o melhor e o mais original programa de rádio que alguma vez me foi dado a ouvir.
Pessoalmente sempre vi a rádio como espaço de "conversa", de discussão, de tertúlia. E por isso, da mesma forma que me delicio a ouvir o "Lugar ao Sul", entendo que tanto a Antena 1, como a TSF ou a Rádio Renascença, as melhores rádios portuguesas neste capítulo, ainda têm muito a fazer e a aprender. Nomeadamente para chegarem aos calcanhares daquilo que a Cope, a Cadena Ser, a RNE1 ou a Ondacero fazem quaotidianamente em Espanha. Às vezes penso que gostaria de viver em Espanha não apenas por causa das tapas, das esplanadas, das praças, do vinho, dos livros, da sidra, dos jornais, dos espanhóis e das espanholas, mas por causa da rádio. O pior era que ficava sem o "Lugar ao Sul" feito por Rafael Correia. Um homem culto, humilde, subtil, irónico, inteligente e profissional ímpar no seu ramo. Hoje, por exemplo, levou-nos ao castelo mouro de Paderne pela mão do engenheiro civil responsável pelas obras de recuperação do sítio. Só é pena que o "Lugar ao Sul" não esteja disponível on-line. É que assim não só não posso fazer aqui um link digno do programa e do seu autor mas, e sobretudo, não me permite pensar mais seriamente na opção espanhola tão clamada pela minha mulher.

Almanaque do Povo

Legión Urbana: editado pela Oficina del Autor desde Novembro passado, El Boomeran(g)* é o blogue de língua espanhola que congrega os escritores Félix de Azúa (Madrid?), Marcelo Figueras (Buenos Aires), Santiago Roncagliolo (Barcelona), Héctor Feliciano (Nova York), Pedro Ángel Palou (México) e Jean-François Fogel (Paris), com a colaboração adicional de Jorge Volpi, Javier Rioyo e Jordi Soler. Há ainda espaço para crítica literária, novelas em construção e podcasts. Ao fim de seis meses há muita coisa boa que ler. Ah, e o meu predilecto é Héctor Feliciano.

*Nome porque é conhecida a geração literária que se vem afirmando em espaço de língua espanhola desde a década de 60.

1966-2006: O Sínico, de José Carlos Matias, oferece interessantes notas e referências a propósito do 40º aniversário da Revolução Cultural Chinesa.

Arquitectura em Portugal: No rescaldo da revogação do Decreto-Lei nº73/73 lembro que, há já várias semanas, se vem publicando no harDbloG a série Inutilidade Pública, conjunto de reflexões acerca da prática profissional da arquitectura em Portugal. Pelos blogues de outros jovens arquitectos, como o RandomBlog02 e o Complexidade e Contradição, tem também passado a discussão.

[Reprodução: BND]

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Ficções


Diante da prateleira do hipermercado hesito, penso, reflicto: Sveltia ("ajuda a reduzir a absorção de gorduras" mas não aparece na Larousse, nem no Houaiss, nem no Google, a não ser como uma espécie de "búzio") ou Aloe Vera? Definitivamente a primeira. Às vezes é preferível a ficção à realidade!

sexta-feira, maio 19, 2006

Até Sempre!


Desde o ano lectivo de 1993-1994, e até hoje (o último dia de aulas para os alunos de licenciatura da Universidade de Évora), "leccionei" a disciplina de História Económica, Social e Política Contemporânea no Departamento de História. Fi-lo às várias licenciaturas que se vão conseguindo aguentar aqui na Universidade de Évora. Uma reforma dos currículos iniciada há quatro anos fará com que o plano de estudos seja diferente em Setembro próximo ano lectivo. Sê-lo-á para os alunos finalistas e para os professores que, como eu, dão aulas no quarto ano das licenciaturas em História. A crise que atravessam todas as Universidades portuguesas há uma meia dúzia de anos, obrigou a que se começasse a mudar, para que agora novamente se mude, uma vez que o modelo de Bolonha deverá estar totalmente implementado em 2007-2008.
Mas não é isso que importa. O que realmente importa é o fechar de um ciclo na minha vida profissional. Para trás fica a possibilidade de ensinar quatro horas por semana, e a alunos das mais variadas procedências, uma "matéria" que permanentemente me fascina, ou não fosse ela merecedora do trabalho de um sem número dos mais notáveis historiadores europeus e norte-americanos. Para trás ficam as aulas teóricas e as aulas práticas onde livremente se falava da revolução americana, da revolução francesa, da guerra civil americana, da revolução bolchevique, das revoluções fascistas ou das revoluções terceiro mundistas no século XX. Onde se discutia a historiografia sobre a natureza política e social do estalinismo e do nacional-socialismo. Em que diplomacia e guerra – desde 1648 até à mais recente invasão do Iraque – ocupavam todo um semestre; onde se explicava o significado dos anos dourados na Europa e nos EUA nos 25 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e a importância e a relevância de personagens como Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon ou Reagan, Napoleão, Luís XIV, Luís XV e Luís XVI, De Gaulle, Hitler, Mussolini, Guilherme de Orange, Richelieu, Robespierre, Catarina a Grande, Lenine, Cavour, Napoleão III ou Bismarck. Para além de Estaline, Bukharine, Leão XIII, Eden, Churchill, Clinton ou George W. Bush. Em que se lia e leu Gordon S. Wood, Paul W. Schroeder, Henry Kissinger, James M. McPherson, E. J. Hobsbawm, Richard Pipes, Sheila Fitzpatrick, John Lewis Gaddis, James T. Patterson, T. C. W. Blanning, Bernard Lewis, Charles Kindlebereger, G. Himmelfarb, Graham Fuller, John Rule, E. A. Wrigley, E. P. Thompson, etc., etc. É claro que a vida contínua e os desafios que aí vêm poderão ser muito mais interessantes do que aqueles que fui tendo desde Dezembro de 1993. Mas impunha-se uma palavrinha àqueles que me ajudaram a tornar este trabalho mais estimulante. Os historiadores cujas centenas de livros e artigos li, reli e, às vezes, tresli; as centenas de alunos que se empenharam em trabalhar comigo em busca de mais e mais conhecimento e liberdade.

quinta-feira, maio 18, 2006

O Estado da Providência

Improcedente, assim considerou o Tribunal Cível de Lisboa a providência cautelar requerida por Margarida Rebelo Pinto e editora contra Couves & Alforrecas, de João Pedro George e editora.

Aniversário

Os bichos carpinteiros cumpriram ontem o seu primeiro aniversário. É um dos poucos blogues que leio regularmente e com atenção. Mas vale quase em absoluto pelos textos de José Medeiros Ferreira. Curtos, incisivos, irónicos, um ou outro um tanto sarcástico. Só lhe falta começar a publicar imagens com texto, ou imagens que dispensem texto. É, tanto quanto sei, o único actor principal das correrias estudantis de 1962 a manter um blogue - quando havia o espectro eram dois. E, claro, é o único antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, como sempre faz questão de recordar em todas entrevistas que dá, a ocupar e a intervir no espaço público recorrendo à blogosfera. Mas José Medeiros Ferreira, para mim, é, e será sempre, o professor. Já vão longe os anos pré-guterristas quando leccionava um seminário de mestrado intitulado, salvo erro, "Regimes Políticos e Política Externa".

A Revolução começa no Protocolo ou o Jacobinismo Volta a Atacar

Nunca me teria lembrado desta! Mas parece que agora a revolução começa com o protocolo! A luta continua! Protocolo para a rua!?! Estes jacobinos, realmente, já não são o que eram... Ou talvez sejam. Mas mais disfarçadamente, se não mais educadamente.

Não me custa a acreditar que Sua Eminência Reverendíssima, o Excelentíssimo Senhor Dom José (IV) Policarpo, Digníssimo Cardeal Patriarca de Lisboa, esteja a rezar para que o deixem de convidar para cerimónias de Estado. Mas para além do lado cómico, há um lado sério. Que tem a ver com a obsessão secular do jacobinismo nas suas diversas encarnações em excluir os católicos, em particular, e as religiões em geral do espaço público. Ora isto é inaceitável. Num Estado livre as Igrejas têm de ser livres. (Afinal o Bloco não defende o fim da criminalização das drogas? Ópio do povo e tal...)

Exagero? (Sim, na parte das drogas). Mas querem um exemplo? Para minha grande surpresa, por exemplo, até alguém que tenho em conta de geralmente liberal, como o Tiago Barbosa Ribeiro, pergunta jacobinamente no Kontratempos: se Mota Amaral toma a posição que toma nesta questão enquanto deputado ou enquanto membro da Opus Dei!!! Mas porquê? Há alguma contradição!? Ele não pode ser católico, membro das confrarias, irmandades, prelaturas, ordens que lhe apetecer, e ser deputado!? Tem os seus direitos diminuídos!? Não pode tirar daí as conclusões públicas e privadas que entender?! E porque não pergunta o Tiago quantos deputados votaram (ou interpelaram) nesta questão como maçons ou membros de outras sociedades secretas (Priorado do Sião? Alguém se acusa?) Ou seja, parece-me que voltamos (realmente e infelizmente) ao mesmo. Ao mesmo desperdício de tempo precioso num momento de crise para satisfação das obsessões anti-católicas de uns quantos. (Vão ao cinema, vejam o Código da Vinci! Era melhor para o país!). Claro que as posições da Igreja podem e devem ser debatidas, tão livremente quando devem poder ser difundidas. Mas o seu lugar no protocolo?! Se assim o querem...

Há o argumento (seríssimo, claro) de que com a lei da igualdade religiosa devem acabar os privilégios da Igreja Católica! E deviam realmente acabar, se os houvesse. Mas falar de privilégios da Igreja Católica em Portugal é mostrar, ou ignorância, ou má-fé, ou fanatismo anti-católico. (Ou talvez, mais comummente, as três coisas ao mesmo tempo). A Igreja Católica em Portugal é das menos apoiadas pelo Estado em toda a Europa. (E incluo aqui a generosa França, a Laica, de que os nossos jacobinos falam muito, mas conhecem pouco.) Não tenho problemas como cidadão, bem pelo contrário está perfeitamente de acordo com os meus princípios liberais, que o Estado apoie as confissões religiosas ou outras associações com fins culturais, educativos, beneficientes. Mas que fique claro: não pode é faltar dinheiro para pagar capelães católicos em hospitais e quartéis, aliás muitos deles roubados pelos Estado aos católicos, e nunca até hoje pagos. (Por falar em São Bento e em constituição, não inclui esta o princípio de que não há expropriação sem justa indemnização?) É o preço de revoluções e tal? Talvez. Mas é um insulto (à inteligência e não só) falar de privilégios católicos.

Mais, é evidente que não viola o princípio da igualdade tratar de forma diferente o que é diferente. A Igreja existia em Portugal bem antes do próprio Estado-Nação. Foi fundamental na sua criação. Generosamente abdicou das indemnizações (e dos salários) que o Estado devia ter pago, sobretudo a partir de 1910 quando se apossou de todos os bens católicos. A Igreja Católica esteve presente na história nacional em todos os momentos: bons e maus. É ainda hoje, de longe, a instituição mais importante e mais benemérita da sociedade portuguesa. E mesmo que deixe de o ser no futuro não vejo que, por isso, deva deixar de ser tratada com consideração e cortesia pelo Estado.

Além disso, alguém me explica exactamente o que é a presença de um Bispo ou de um Patriarca pode ter de lesivo para alguém (que não seja intolerante)? Claro que podem - devem em locais onde tenham uma presença relevante - convidar-se para cerimónias públicas os líderes religiosos de outras confissões. Mas tal como se convidam para as cerimónias públicas nacionais os líderes das duas centrais sindicais e não os dirigentes de todos os sindicatos independentes do país, não vejo no que é que a presença tradicional do Cardeal Patriarca, e não dos líderes de outras confissões, viola mais o princípio da igualdade. (Mas se há espaço, por mim até podem convidar líderes religiosos, incluindo outros bispos católicos, do país todo!) O que seria cómico, mas de mau gosto, era não convidar o Patriarca de Lisboa, mas convidar "pela sua representatividade" os líderes da CGTP ou da CIP!

Separação e não-confessionalidade – que é o regime vigente em Portugal e na esmagadora maioria dos países democráticos, e não Estado Laico, aliás em crise nos sítios onde ainda subsiste, excepto talvez nas ditaduras comunistas – não quer dizer exclusão das instituições religiosas do espaço público.

A Joana Amaral Dias acha que falar de tradição, falar de história a respeito do protocolo é desculpa esfarrapada! Não faz sentido. Mas propõe que se baseie o protocolo exactamente no quê? Na revolução permanente? Se há um lugar para o passado, a tradição e a cortesia por serviços passados é precisamente no protocolo. Podia dar exemplos. Mas fico a aguardar (sentado) explicações que vão para além das desculpas do costume, se conseguir (e fizer favor).

Sobre a lei do PS falarei quando perceber exactamente no que consiste. (E o que muda, na prática, se é que muda alguma coisa). Mas confesso que me escapa a sua necessidade: lida-se com o protocolo em regulamentos internos e seguindo a tradição nacional e internacional. Noto ainda que o líder parlamentar socialista, Alberto Martins, fez questão de dizer que não tinha nada que consultar a Igreja Católica! Pois claro que não! Ora essa. Claro que o mesmo de se pode dizer de tudo: os senhores deputados são soberanos, benza-os Deus, por delegação do povo, e podem decidir o que bem lhes apetecer sem consultar ou avisar ninguém. Mas é sensato? (Estão a ter minimamente em conta o tal povo soberano - como eu - que os elegeu?) Mas é cortês? (Cortesia que me parece uma palavra particularmente aplicável neste caso.) Não creio.

E por falar em cortesias, despeço-me com um grande...

Deus Guarde a Vossas Mercês
Saúde e Fraternidade
Té Loguinho
(É riscar a gosto)

Bruno C Reis

PS - Sinto-me particularmente à vontade para comentar esta questão porque, além de (geralmente) apoiante do governo, como católico pecador confesso e ocasional crítico das posições católicas oficiais (até, por vezes, em nome do princípio da não-confessionalidade) não tenho, evidentemente, mandato da Santa e Madre Igreja para falar. (E aproveito para declarar - para efeitos de qualquer lista negra - que não sou nem nunca fui membro da Opus Dei, ainda que já tenha visitado as instalações, e sempre fui muito cortesmente recebido.)

PPS - A ler Quarta República e Povo de Bahá.

FOTO: Sua Santidade o XIV Dalai Lama e Sua Eminência Reverendíssima o XVI Patriarca de Lisboa trocam cortesias (mais ou menos protocolares?).

terça-feira, maio 16, 2006

Americana: melhor novela a pedido


O New York Times pediu a um conjunto de críticos, editores, e escritores – sobretudo norte-americanos, mas não só – que nomeassem a melhor "novela" norte-americana dos últimos 25 anos. A potencialmente mais canónica, portanto, publicada pós-1980. (E sim, Harold Bloom foi um dos grandes eleitores). Parece-me curioso exercício e oportuno pretexto de discussão (de gostos literários, ainda mais discutível do que outros). A lista completa de felizes seleccionados, a publicar na revista de livros de 21 de Março, está já disponível on-line aqui.
Os livros não se listam, dirão alguns. Mas porque não? Alguém consegue ler tudo ao mesmo tempo? Qual o lugar da recepção, e neste caso da recepção (algo) qualificada na vida de uma obra? Será desinteressante para o futuro comparar a persistência destas obras com o seu prestígio crítico e literato actual? O que faz um grande romance? A grande novela americana pode não ter nada que dizer sobre os EUA? Tem simplesmente de ser grande? Mas, além do tema e (possível) enredo, que outra coisa faz a grandeza novela? Número de páginas? Linguagem inventiva? Estilo único e adequado ao tema? Tudo isto é ensaiado neste artigo, e inclusões e exclusões são apaixonadamente debatidas num forum on-line, a que se podem juntar.
Há (para mim) o (pequeno) problema da americana ser das literaturas estrangeiras a que mais conheço, mas não deixo de ser estranho em terra estranha. Estou sempre atrasado na procura dos clássicos e na descoberta dos modernos. (E com cada vez menos tempo para uns e outros). Há alguns autores listados que desconheço, e outros que reconheço apenas de nome e reputação. Mas isso aguça o interesse e contribui para a (sempre crescente) lista das leituras futuras a pender.
Ganhou (é assim que se diz?) Beloved de Toni Morrison. (Traduzida Amada, e nunca lida, em inglês ou português). Foram finalistas com múltiplos votos: Underworld de Don DeLillo (dos últimos americanos ainda algo lidos em português); Blood Meridian, or The Evening Redness in the West de Cormac McCarthy (Beowulf de visita um Wild West realisticamente Wild, só o(s) título(s) valia(m) um prémio); American Pastoral de Philip Roth (E porque não, do mesmo autor, a bem mais evidente The Great American Novel? Será que os jurados não gostam de baseball; será que têm listas negras; será que se refugiaram no pormenor técnico de ter sido publicada em 1973?); Rabbit Angstrom de John Updike (este senhor Coelho é incontestável, mas sempre me pareceu divertido de um forma banal de mais: o subúrbio americano tem para mim limitados encantos por muito estiloso que seja o estilo).

Fiquei satisfeito, confesso, (clubismo atávico nestas coisas de campeonatos), por ver Roth, um grande favorito desta casa, consagrado como o escritor preferido desta mole literária. Isto se se considerar que foi de longe o nome com mais obras suas votadas pelos ilustres jurados. (Cuja seriedade, é certo, fica assim seriamente comprometida). Em suma, o júri apropriadamente dividiu-se pelas múltiplas obras deste escritor bastante variado. Já Toni Morrison nunca me assombrou. Mas pode ser tempo de voltar a tentar (quando tiver tempo).

A par do inegável virtuosismo e ambição propriamente escriturárias, o “júri” premiou textos que tinham algo a dizer sobre as grandes memórias da América: a escravatura e os seus fantasmas, a Guerra Fria e as suas guerras ideológicas, o Oeste e o muito sangue derramado durante a sua longa conquista. É justa vingança, num país que tanto preza o ajuste de contas final. É que não há género mais abusado do que o pobre romance histórico. Frequentes vezes carregado de anacronismos grosseiros e virtudes literárias de trazer por casa por calmeirões em busca de fortuna fácil. Outros, mais trabalhadores e talentosos, não retiram os andaimes eruditos e descritivos da escrita que tanta pesquisa custaram. (E, no entanto, até na História eles têm de ser retirados, confiando-se nas fundações e nas galerias subterrâneas abertas aos especialistas.) Nada disto nos textos de McCarthy e DeLillo, Updike e Roth.

A exclusão de Saul Bellow é (evidente) escândalo para alguns. Mas o essencial da obra estava (não menos evidentemente) publicada antes de 1980, e estragaria o sentido do exercício escolher o melhor escritor americano de todo o século XX. Para variar, no entanto, longe de me avergonhar com as exclusões, espanto-me com uma inclusão que me é cara e está longe de ser óbvia. De Tim O’Brien, The Things They Carried é um dos melhores trabalhos literários sobre a guerra e a sua memória. Os soldados perdidos no Vietnam carregavam muita tralha. Carregavam sobretudo o medo de ficarem mal perante os camaradas. Armados desse medo venciam o medo de perder a própria pele, matavam e morriam, para não corar derramavam sangue próprio e alheio.
Como dizia o nada literato mas profundamente literário General William T. Sherman (que bem podia ser personagem de MacCarthy): War is hell. Its glory is all moonshine... Também assim as guerras literárias (felizmente menos literalmente sangrentas.) Elas passam e os livros ficam. Mas não seria uma pena que ninguém se batesse por livros?

Movimentos Perpétuos


O «cine-tributo» de Edgar Pêra a Carlos Paredes coloca as imagens ao serviço da música. Ou seja, é um cine-disco. Sabemos que, no século XX, os filmes foram vistos antes de serem ouvidos. Movimentos Perpétuos é um filme que só merece ser visto se for ouvido. Nesta aparente modéstia reside a sua força criativa. Uma questão interessante é saber se esta atitude inverte a relação de Carlos Paredes com o cinema, iniciada com a banda sonora de Verdes Anos, na qual o músico se encontraria ao serviço do realizador. Não será na música que se encontra a grandeza de Verdes Anos?
Assumindo-se como um vanguardista, Edgar Pêra expõe a sede de futuro e o incessante movimento da «melancolia dourada» de Carlos Paredes.
É um filme de estilhaços de luz unidos pela voz do músico e a música da sua guitarra; jogo de sombras e formas com «gente dentro.»

Carlos Paredes, "Verdes Anos"[excerto],EP Alvorada, 1963.

segunda-feira, maio 15, 2006

Um mundo novo para todos

"O Novo Mundo" (The New World) é um autêntico filme sobre pessoas, não uma falsa lição de moral nem um exercício anacrónico disfarçado. Para os aventureiros europeus por quem Pocahontas (ou Rebecca) se apaixonou, a América era tanto um novo mundo quanto para ela a Inglaterra que a quis conhecer. Na sua mudança de nome e de vestes, ela representou - como pioneira de extrema dignidade - a entrada do seu povo na civilização que chegava e na qual era inexorável que se integrasse. Houve choque com sangue, suor e lágrimas. Mas também houve descoberta, espontaneidade, generosidade e amor. Porque este filme mostra, magistralmente, que a história somos nós.

Publicado em L&LP e AP.

domingo, maio 14, 2006

Very Shortly


Soube - por via literária - do lançamento de traduções portuguesas da colecção Very Short Introduction (VSI para os amigos) da Oxford UP. Sou fã há anos. Embora haja volumes melhores e piores, o nível geral da colecção é muito bom. Uma introdução de alto nível para os desentendidos, e uma boa síntese para os entendidos, eis o princípio orientador das VSIs.

O livro de Charles Townshend sobre o Terrorismo (bem a propósito traduzido por uma Bomba Inteligente) é o melhor texto introdutório que conheço sobre o tema. (E conheço demasiados). Mais actual impossível.

Uma boa notícia, sobretudo se os preços forem correspondentemente pequenos.
Aproveito para meter um cunha a favor dos volumes de Quentin Skinner sobre Maquiavel, Michael Howard sobre Clausewitz, e Richard Tuck sobre Hobbes. São os melhores conhecedores das ditas personagens, com a possível excepção dos próprios. Além disso (aqui como desentendido) pareceu-me particularmente conseguido o texto de Anthony Storr sobre Freud. Mas seria fácil apontar outros títulos dignos de nota. Em suma, e para terminar com um slogan publicitário: uma pequena colecção de peso.
PS - O Eduardo Pitta pergunta sobre o volume relativo à Revolução Francesa. É de William Doyle, e é excelente. Mas no espírito de síntese e estado da questão desta colecção. Não é comparável, portanto, ao brilhante mas completamente idiossincrático capítulo revolucionário do revolucionário Eric Hobsbawm (que continuava em boa forma a semana passada, falando para uma sala a abarrotar sobre a violência e a história).
PPS - Dizem-me que custa 2.75 € com a Sábado, o que é uma verdadeira pechincha!

Batota Freudiana?


"Por vezes um charuto é... apenas um charuto!"

Sigmund Freud


sábado, maio 13, 2006

The West Wing: The End


Acaba amanhã o refúgio dos democratas em tempos de ocupação republicana do poder nos EUA. Será, como diz esperançoso um colega Democrata, que chegou o tempo de passar da ficção à realidade? Os democratas têm realmente tudo para ganhar o controlo do Congresso no próximo Outono e preparar o terreno para minar a presidência de Bush. Tudo... menos uma organização profissional e uma mensagem clara. Podiam aprender com a West Wing.

A série pareceu-me uma boa série, embora vista muito intermitentemente. Até mereceu – estava eu de visita a Washington no meio da confusão das eleições de Novembro de 2000 – um lugar numa exposição sobre a Presidência no Smithsonian. Nos episódios da West Wing que focavam crises internacionais era evidente o trabalho de casa, a base relativamente realista do enredo. Ficção realista, bons casting e um produção impressionante para a servir.

Enfim, seria interessante saber o que pensa deste série, tão preocupada com projectar a imagem politicamente acertada (mas ainda assim, talvez não tanto como a Casa Branca real), o detector de spin da nossa blogosfera.