O código dólar
Não me arrependo de ter visto O Código da Vinci porque me senti dispensado de ler o livro. Poupei tempo, fiquei a conhecer a história de que tanta gente fala, e ainda ri um bocado das piadas involuntárias do filme. Admito que o romance seja melhor. A tese, no entanto, é a mesma, como o próprio Dan Brown certificou, e não tem ponta por onde se lhe pegue. Como é típico da sub-literatura de inspiração histórico-conspirativa relaciona mil e um factos insignificantes ao mesmo tempo que ignora o menor esforço de contextualização. O passado é visto à luz dos preconceitos de um presente recente e mal compreendido. Só assim pode passar a ideia de que pudesse haver uma intenção do poder eclesiástico em ocultar uma eventual vida sexual e amorosa de Cristo. A maior parte dos leitores ignora que o celibato dos padres só se tornou obrigatório no segundo milénio, possuindo um carácter disciplinar e não dogmático. Durante todo o primeiro milénio, antes e depois do Concílio de Niceia, os padres casavam e tinham filhos. S. Paulo, na 1.ª Carta a Timóteo, escreve o seguinte: «Mas é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, ponderado, de bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar (…)». (Tm 3,2). Esta passagem não se encontra em nenhum evangelho apócrifo, mas na Bíblia católica, a seguir aos quatro Evangelhos canónicos e antes do Apocalipse. Se os padres e bispos casavam, que sentido faria censurar uma relação de Cristo, o seu modelo?
A visão que o filme dá do Opus Dei é puro delírio. A começar pelo «monge do Opus Dei», uma contradição de termos, pois a figura espiritual do monge pressupõe a «separação do mundo» e a Obra pretende encontrar Deus no mundo, no século. Desde que se começou a falar da estreia do filme, aumentou em flecha o número de pessoas interessadas em aderir ao Opus. Em poucos meses, mais de um milhão de pessoas acederam a este site, em busca de informação. É compreensível. Quem é que não gostava de pertencer a uma organização que inspira filmes de Hollywood e onde, alegadamente, se podem encontrar personagens como Silas, que parecem saídas da Guerra das Estrelas? Eu não gostava, claro. Acredito que os membros da Obra tenham aderido à Prelatura com motivações e expectativas muito diferentes. É por estas e por outras que tanto eu como eles pertencemos à minoria esclarecida.
No decorrer da história a tradicional «suspensão da descrença» é substituída por um alucinado «tudo tem a ver com tudo». Segundo esta lógica, o filme acaba por saber a pouco. Dan Brown não é assim tão esperto. Já que o túmulo de Maria Madalena se encontra debaixo da pirâmide do Louvre, mandada construir por Miterrand, como é que não se lembrou de meter na história l´ami do antigo Presidente francês, Mário Soares?
3 Comments:
Excelente post, João!
O amor e desamor aos filmes permite estas convergências. Tenho na calha outro «post» para demonstrar que, ao contrário do que alguns pensam, a ideologia do filme é extremamente reaccionária.
De facto, no que à matriz do cristianismo evangélico diz respeito, as "heterodoxias" são geralmente bastante reaccionárias...! :)
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