quinta-feira, maio 25, 2006

O código da reacção

O Código da Vinci encontra-se encriptado. As falsas pistas para o compreender são muitas: «a imagem humana de Cristo», «a denúncia da repressão das mulheres pela Igreja», «a crítica à vertente mais conservadora da Igreja Católica.» O meu ponto de vista é que a palavra-chave possui sete letras: reacção.
Segundo o filme, Cristo não teria uma dimensão divina, mas apenas uma dimensão humana. É tentador associar esta desmistificação de Cristo a uma postura «progressista». Ele seria «apenas um humano como nós». Acontece que o raciocínio parte de falsas premissas. O Código da Vinci não afirma que Cristo era igual ao comum dos mortais, mas um homem com poderes especiais transmissíveis aos seus descendentes. Ou seja, Cristo não abriu à Humanidade o caminho para Deus, fundou uma linhagem de super-homens e super-mulheres. Esta concepção eugénica é vincada pela forma como é retratado Silas, o pior dos vilões. Ele possui uma deficiência genética: é albino.
Alegadamente, o filme denuncia o carácter misógino da Igreja Católica e valoriza o papel das mulheres identificando o útero de Maria Madalena com o «Santo Graal». No entanto, esta declaração de intenções não se reflecte no desenvolvimento dramático. Robert Langdom, o professor de simbologia religiosa e Sophie Neveu, a criptógrafa do departamento da polícia judiciária francesa, falam, falam sobre sexo mas…nada. As suas experiências passadas evocadas como pertinentes para compreender as personagens, as suas motivações, o próprio enredo, são traumas. Histórias de solidão e morte. No caso de Robert Langdom, o facto de ter caído num poço escuro quando era criança. Para Sophie Neveu, a morte dos pais num acidente de automóvel. Como é habitual nas fábulas, a superação do trauma parece relacionar-se simbolicamente com o êxito de uma demanda. Por fim, Robert Langdom encontra o «Santo Graal» - Sophie Neveu - e…vai-se embora. Que uma regra dos filmes de aventuras seja subvertida numa ficção que, mesmo assim, é um best-seller, dá-nos que pensar. A resolução dramática, para Sophie Neveu não se encontra no casamento com o seu companheiro de aventuras, mas no reencontro com a avó e aceitação por uma pequena comunidade detentora de um segredo. Em vez do risco inerente ao início de uma relação homem-mulher, prefere a segurança do reconhecimento por um grupo fechado. Repararam bem no conjunto das personagens? São franceses, de diferentes origens sociais, mas não representam a sociedade multi-étnica da França dos nossos dias. É a velha sociedade francesa rural ameaçada pelo processo de globalização. Uma parte do eleitorado de Le Pen.
A ficção de Dan Brown associa valor moral a qualidade genética e os seus protagonistas possuem uma psicologia regressiva. Num mundo de aparências caóticas, é este o sentido do código.

3 Comments:

Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Surpreendente e certeiro.

12:19 da manhã  
Blogger sabine disse...

Ficção, ponto final.

10:56 da manhã  
Blogger Pedro Picoito disse...

Bela análise. Ainda acabas professor de semiótica...

1:05 da tarde  

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