Chris Penn: proletário de Hollywood (1962-2006)

um blogue desalinhado





O Amigo do Povo faz a vénia a Miss Pearls, dedicando-lhe a mozartada de hoje; sem a sua assistência técnica, o audiotunning deste blog não teria sido possível. Danke schön!


Match Point é o último filme de Woody Allen e uma tragédia passada entre a sóbria paisagem londrina e a suavidade do campo inglês. Há quem encare a obra como uma Woody Allen atípico, uma reviravolta inesperada num realizador que todos julgavam conhecer. Eu, pelo contrário, fui deparando com numerosos pontos de contacto com os filmes do autor: a referência mais óbvia é Crimes e Escapadelas (1989), que conta a história de um crime sem castigo. Mas há outras: as referências à tragédia grega já se encontram em Poderosa Afrodite. Na comédia ligeira O Alegre Conquistador há um encontro de carga erótica numa galeria de arte. Lembremos que a personagem principal deste filme, interpretada pelo próprio Woody Allen, vive na sombra do seu super-ego, Humphrey Bogart, e não se cansa de rever Casablanca nem de ouvir a cantar «a kiss is still a kiss» e «the same old story/the fight for love and glory». Em Match Point os beijos são mortais e entre o amor e a glória há uma escolha radical a fazer. Mais subtil e a denunciar alguma mania cinéfila: Luís Buñuel foi convidado a aparecer em Annie Hall, tendo recusado o convite. A história passou-se na década de 70, pouco depois do espanhol ter assinado O Charme Discreto da Burguesia – filme que mostra um assassinato com uma espingarda de canos serrados.

José Sócrates é um homem com sorte. Nem o seu mais fiel adepto o considera uma figura com a estatura de um Mário Soares, um Vítor Constâncio ou um António Guterres. No entanto, a experiência governativa delirante de Santana entregou-lhe de bandeja uma maioria absoluta sem precedentes no partido socialista. Nas últimas eleições presidenciais, mais uma vez, Sócrates foi bafejado pela sorte. Do seu ponto de vista, a hipótese óptima seria uma vitória esmagadora de Mário Soares. Excluindo a hipótese ideal, os resultados são a alternativa que mais o beneficia. Uma vitória tangencial de Soares ou Alegre iria potenciar as divisões no PS. A vitória de Cavaco Silva, com um resultado significativo de Alegre, favorece a reconciliação – a força de Alegre tem de ser reconhecida e Cavaco pode ser visto como um adversário comum. Mas Cavaco, por natureza, quer estabilidade, não conflito. Ao contrário do que se espera, à esquerda e à direita, mais facilmente o Presidente apadrinharia um governo PS/PSD unido pelas prioridades de saneamento das contas públicas do que dissolveria de ânimo leve o parlamento para entregar o poder ao PSD/CDS. Na noite eleitoral, um amigo italiano falou-me na hipótese de um governo de centro-esquerda/centro-direita suceder à maioria absoluta do PS. Só a falta de distanciamento nos permite considerar a possibilidade absurda.




Agradeço ao Paulo Gorjão dar-me pretexto para aquilo que mais me interessa no regresso aos blogues: debater ideias. O texto meu que ele cita tinha algo de provocação. Em resposta à ideia estapafúrdia de Vasco Pulido Valente de que um Irão nuclear era o fim da ordem internacional!
Os Amigos do Povo têm discutido entre si as vantagens e até a necessidade de cada um escrever um texto a apresentar-se, dado que este é um blogue plural e diverso. Encarei o dever como um trabalho penoso, dado ser reservado. Escrevi um texto curto, pois uma personalidade linear como a minha não justifica longas análises. Decidi que o dia mais adequado para publicá-lo era hoje, dia decretado obrigatoriamente de reflexão. Aqui vai: em política, liberal por causa da liberdade e de esquerda por causa da igualdade. Religiosamente, cristão por causa do evangelho e católico por causa do baptismo. Na cultura, dado à literatura e ao cinema. Herói da adolescência: Sam Shepard porque era escritor e casado com a Jessica Lange. Fotografia de actriz que tinha afixada no meu quarto: Nastacha Kinsky (um plano a preto e branco de «Paris Texas»). Quanto a assuntos culinários, adepto do bacalhau com grão, muito por causa do grão, e do arroz de pato, por causa de ambos. Em anos recentes, deu-me para a dança e subir montanhas. Não atingi o topo do Quilimanjaro, mas hei-de tentar outra vez. 
As declarações de Cavaco Silva de auto-exultação por as fontes de financiamento da sua campanha serem exclusivamente particulares esclareceu o carácter «supra-partidário» da sua candidatura. Numa eleição presidencial, todos os candidatos devem ser nacionais, ainda que apoiados por partidos políticos. No entanto, só a conduta pessoal pode dar garantias do necessário distanciamento e independência em relação à vida partidária. O trajecto de Cavaco Silva e o seu comportamento no período de delírio santanista não permitiam considerar uma ameaça real a ideia das presidenciais como uma segunda volta das legislativas. Eu achava que Cavaco não seria uma rampa para o PSD e o CDS/PP e mantenho esta opinião.
Paulo Portas escreveu em O Independente o seguinte editorial sobre Cavaco Silva em 4 de Outubro de 1991:
Voltar à blogosfera para quê? Regressar ao passado nunca foi o meu género. Após a minha saída deste meio virtual, houve quem tivesse tido a gentileza de me oferecer poiso. Alguns fizeram-no publicamente, outros por mail. Agradeço aqui a todos. Mas não me pareceu então ser o momento.
- Boas tardes!
“Chamo ‘temperados’ aos que se atemperam às circunstâncias do tempo e do meio. São os piores, porque são mistos – têm três doses da bílis azeda dos três partidos. São a mentira convencional – a máscara. Déspotas para zelarem a liberdade, livres para glorificarem o despotismo.”
Como se lê em epígrafe, Camilo não poderia ter em pior conta os ‘temperados’, esses que não tomavam partido certo por regeneradores, progressistas ou republicanos. Ou se alheavam, ou se acomodavam, ou eram imprevisíveis, os ‘mistos’. Hoje chamamos-lhes centrão. Fosse o centrão mais que uma abstracção e seria seguramente a família política mais desconsiderada no interior dos regimes democráticos. Mas não é. É apenas o patronímico de quem por qualquer motivo está órfão de ideologia e partido. Enfio o barrete do centrão, sem mais delongas, o que não significa que me alheie da ciência, do debate, ou da acção política. Acredito que o melhor regime possível é uma democracia com plena separação de poderes. Sou pela república, que o exercício da mais alta magistratura do meu país não o desejo condicionado por privilégios de sangue. Prefiro reformas a revoluções. O anarquismo e o libertarismo assustam-me ou fazem-me rir, à vez, e às vezes ao mesmo tempo. Ao fascismo e ao comunismo, bem como a qualquer outra concepção absoluta de organização da sociedade humana, oponho-me, e não lhes subestimo as mutações. Aprecio os legados do liberalismo, da democracia cristã, da social-democracia e do socialismo democrático, mas não me identifico profunda ou totalmente com nenhuma destas tradições. Tenho por positivo o rotativismo que caracteriza a governação em regimes demoliberais - a imprevisibilidade do voto é instrumento de que esta cidadã não abdica para se ir atemperando às circunstâncias do tempo e do meio.
A minha república preferida é a velha Atenas. Aquela em que se aplicava o único sistema verdadeiramente democrático de selecção dos governantes: o sorteio entre todos os cidadãos.