terça-feira, janeiro 17, 2006

A Minha República Preferida

A minha república preferida é a velha Atenas. Aquela em que se aplicava o único sistema verdadeiramente democrático de selecção dos governantes: o sorteio entre todos os cidadãos.

Um sistema absurdo? É exactamente aquele que ainda sobrevive no caso da selecção dos jurados. Que pode ser usado em Portugal para ajuizar os crimes mais graves. Há os juízes para evitar desmandos? Há o sistema de recurso dos tribunais? Há (quando funciona). Mas e não há acessores e todo o aparelho do Estado? Não há o sistema de garantias da constituição?
Seria o portuga médio assim tão mais atreito a abusos e faltas de sensos do que o político professional médio? (Contra o qual, aliás, nada me move, desde que não fale demasiado do povo.) Seria assim tão difícil a um português médio aceder a um cargo governativo, como se lhe calhasse o totoloto? Demoraria muito mais do que os seis meses da praxe a adaptar-se? Tinha pelo menos a vantagem de acabar de vez com a conversa de café sobre «nós e os políticos», sobre a incompetência «dos políticos», sobre a incapacidade «dos políticos para nos tirarem da crise.»

Por outro lado, há que dar a palma a Portugal. Poucos países terão conseguido ter ao mesmo tempo um regime de partido único e de anarquia como a nossa Primeira República. É obra. Depois, o regime republicano - aliás nunca referendado pelo sempre referido povo, ao contrário do prometido em 1910 - deu-nos 48 anos de ditadura, e uns 30 e tal de democracia, em que não se está a sair mal.

O nosso sistema semi-presidencial - que agora há quem queira estragar - é um exemplo típico dos sistemas híbridos constitucionais que já Aristóteles elogiava na sua Política e que os monárquicos liberais tentaram difundir no século XVIII e XIX. A III República Portuguesa é provavelmente a melhor monarquia constitucional que podemos ter.

Mas não deixa de ser ridículo que os raros cidadãos «normais» - alguns até doutores são e tudo - que, loucamente, decidem tomar à letra a doutrina republicana e o texto da constituição e concorrer à presidência da república, sejam objecto de quase universal gozo e desprezo. Toda a gente sabe que, em Portugal, não pode ser presidente qualquer um, mas apenas um par de políticos bem conhecidos cada dez anos. Os quais geralmente logo se esforçam afincadamente por fazer esquecer os partidos de onde vêm. Isso parece perfeitamente natural à grande maioria deste povo. A mim também me serve, desde que não se fale demasiado de povo e república.

7 Comments:

Blogger Luís Aguiar Santos disse...

Bruno, a esta tua posição chamo eu de "neocartismo minimalista", por simpatizar com ela e ser o mais funcional para já. Ficaria quase perfeita se, na impossibilidade de se dar a chefia de Estado ao Duque de Bragança, ele pudesse ser nomeado vitaliciamente para o Conselho de Estado.

7:11 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Bruno, eu também simpatizo com a prática descrita no último parágrafo. Aliás, os candidatos a Presidente da República não têm de vir de partidos. Podiam vir da carreira académica, da magistratura ou da vida académica onde já teriam dado provas de servir o bem público. Agora, de um ponto de vista teórico, a solução que garante uma completa independência não é a monarquia hereditária - é o sorteio democrático.
O Duque de Bragança é uma pessoa estimável, mas não vejo razões para ter um cargo vitalício no Conselho de Estado.

10:42 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Um sorteio é o menos democrático dos sistemas. É muito bonito que cada um possa pôr as manápulas na cadeira do poder, mas ninguém escolhe ninguém, o que é, pelo que entendemos nos nossos dias, o que define uma democracia. Eu, confesso, temeria se o governo do País caísse nas mãos da minha vizinha... O sorteio talvez seja interessante, mas de democrático não tem nada...

7:53 da manhã  
Blogger bruno cardoso reis disse...

Caro MM, a minha questão é saber se a escolha do povo será tão livre quanto parece. Ela é sempre condicionada por muitos factores.

Senão veja-se as presidenciais em que toda a gente se convence (caro João) que só há no máximo dois ou três candidatos que podem ser levados a sério cada dez anos.

O sorteiro terá as suas desvantagens, mas evitaria, pelo menos, a formação de elites políticas profissionais, ou seja, seria realmente o governo do povo.

Mas reconheço que fica a questão que levantou, MM, de saber se tanta democracia seria boa ideia.

3:57 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caro Bruno Cardoso Reis

Estou em crer que o sorteio, comparado com o voto como o conhecemos, é ainda menos livre. Isto porque qualquer um pode sentar-se na cadeira do poder, mas ninguém o pode escolher (a não ser que alguém se satisfaça com uma lotaria). Mas a democracia está tanto na capacidade de ser eleito quanto na de eleger.

O sorteio acabaria com a formação de uma escol política profissional, mas lançar-nos-ia numa roda de "artistas" do "eu é que sei". Bem, venha o Diabo e escolha... A solução passaria por sortear entre gente capaz e profissional, o que traz outro novelo: os suspeitos do costume seriam, muito provavelmente, os tais políticos profissionais...

Por fim, temos a "imprevisibilidade do voto" de que fala, neste blogue, Ana Cláudia Vicente. O voto é imprevisível, é certo, mas entre opções muito restritas. E o facto é que parece não haver vida para além destas opções (como não a há para além de Cavaco, Alegre ou, quiçá, Soares). Acreditar noutra coisa é um engano... Infelizmente.

10:53 da tarde  
Blogger João Pedro disse...

Lá me tiraram a imagem que eu queria pôr como ilustração da minha Ágora

3:56 da manhã  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

O sorteio aplicado à chefia de Estado é um redondo disparate. E se saísse na rifa um homem de partido? Repetia-se?

1:42 da tarde  

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