terça-feira, janeiro 17, 2006

O melhor amigo do povo é a xenofobia?

No decurso da campanha eleitoral pelo menos dois candidatos andaram a visitar templos e personalidades do mundo religioso do nosso país. Ele foi o cardeal patriarca, a mesquita e a sinagoga de Lisboa. Não sei se visitaram alguma igreja protestante e se se encontraram com algum pastor das chamadas seitas importadas do Brasil nos últimos dez ou vinte anos. Manuel Alegre, por outro lado, faz romagens a lugares simbólicos – apenas para ele e para uma minoria de portugueses. Jerónimo de Sousa, num momento de fraqueza megalómana visitou a catedral onde recebeu o apoio de uma das mais curiosas classes profissionais portuguesas. Não me lembro se algum candidato houve que visitasse a praça do Martim Moniz e respectivos centros comerciais, tentando chamar a atenção para os problemas com que se deparam quotidianmente populações de origem asiática fixadas em Lisboa. Mas se algum o fez foi certamente com o propósito de recordar a natureza humanista da sua altíssima figura. Devo confessar que nada disto me surpreende, embora tenda a deprimir-me. É que nenhum dos candidatos aproveitou ainda a campanha para de uma forma séria alertar os portugueses para o seu estrutural racismo e proverbial xenofobia. No último par de anos racismo e xenofobia têm-se virado fundamentalmente para tudo aquilo que vem leste. Seja da Europa de leste seja, sobretudo, do sub-continente indiano e da China. O povo português – e grande parte da classe média – pode não ter dinheiro senão para almoçar ou jantar em conta e com alguma qualidade em restaurantes chineses e para comprar roupa, calçado, brinquedos, pequenos electrodomésticos, senão nas chamadas lojas chinesas. Móveis e outros objectos de decoração, por exemplo, têm os indianos como comerciantes emblemáticos. Ao mesmo tempo, muitas vezes com a ajuda de políticos e de intelectuais, os portugueses vão alimentando lentamente o seu ódio ao chinês e ao indiano, culpando-os pela crise económica anunciada há cerca de uma década. A partir da Ásia roubam-nos a indústria e condenam-nos ao desemprego. Chineses e indianos, amarelos e castanhos, tendem a não falar português ou a fazê-lo com dificuldade, trabalham muito, poupam ainda mais, cultivam os valores familiares ditos tradicionais (lá tenho que dizer: cada vez mais postos de lado no mundo ocidental). Mas, sobretudo, vão prosperando – aqui e na Ásia – quando Portugal, cada vez mais, e a Europa, apesar de tudo menos, vão empobrecendo. É a receita para o ódio larvar e, a prazo, para qualquer coisa ainda mais grave. Se continuarmos a empobrecer ao ritmo a que temos empobrecido nos últimos cinco anos não sei se partiremos para confrontos raciais abertos com espancamento de asiáticos, assaltos às suas lojas e restaurantes e, obviamente, a segregação dos seus filhos nas nossas escolas. O que sei é que basta ouvir o cidadão português comum nas ruas, programas como o famoso “fórum” na TSF, os políticos nas televisões e nas rádios, para, pelo menos, estar de orelha aberta. Perante isto, os candidatos presidenciais andam cinicamente por onde podem ganhar votos mas voluntariamente a fugir dos temas civilizacionais que, a curto prazo, se transformarão em graves problemas. Felizmente, “o amigo do povo” nasceu num dos muitos restaurantes chineses que pululam por Lisboa e arredores.

P.S.: Conto, mais tarde, dizer alguma coisa sobre o debate que está decorrer entre dois amigos do povo.

2 Comments:

Blogger Luís Aguiar Santos disse...

É verdade, nascemos num restaurante chinês. O próximo jantar pode ser num indiano. Eu, por mim, a Lisboa de que gosto mais é aquele arco enorme que vai da Morais Soares ao Chile, continua pela Almirante Reis e, passando no Martim Moniz, "desagua" em pleno Rossio.

6:27 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Concordo com o luís quando diz (noutro post) que os colectivos são perigosos. Correndo o risco de abusar da palavra "povo", penso que "o povo português" tem dificuldade em lidar com o multiculturalismo pensando que este é dissolvente da sociedade.
O racismo que está latente na nossa sociedade manifesta-se (ainda) de uma forma oculta talvez fruto da nossa fama enquanto povo tolerante. Será que, na realidade, não sabemos lidar com a factura do império?

9:24 da tarde  

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