sexta-feira, janeiro 27, 2006

Soares é... assim!


Os apologistas das virtudes políticas de Mário Soares – mesmo que não oriundos da área socialista, como foi o caso de André Gonçalves Pereira no “Prós e Contras” do dia 23 – não se têm cansado de sublinhar que a derrota sofrida pelo antigo Presidente da República no passado Domingo em nada belisca a grande figura de estadista que foi. Permitam-me que discorde. Começo por citar de cor uma frase que Albert Speer terá pronunciado diante dos seus interrogadores depois detido pelos aliados terminada já a Segunda Guerra Mundial na Europa: “A História enfatiza sempre os acontecimentos finais”. Queria o arquitecto favorito de Hitler com isto significar que seria de todo injusto ver a história III Reich apenas à luz dos trágicos acontecimentos ocorridos após 1942 ou, até, depois de iniciada a Segunda Guerra Mundial. Afinal, era opinião de Hitler e de muitos nazis, antes de iniciada a guerra, ou de se ter começado a perceber que esta iria ser perdida, que nunca a Alemanha e os alemães teriam vivido durante uma meia dúzia de anos uma era de paz e de prosperidade económica, de estabilidade social e sem qualquer crise de identidade nacional como aquela que parecera ser estrutural desde a assinatura do armistício com os aliados em Novembro de 1918. Por outro lado, e como notou Antony Beevor, aquilo que Speer e outros líderes nazis – e não só – pareciam querer ignorar com a crítica ao ênfase colocado na atenção a dar aos acontecimentos finais, era que os acontecimentos subsequentes a 1943 – os relativos à queda do III Reich – diziam quase tudo sobre a natureza do sistema nacional-socialista e dos seus líderes.

Uma analogia idêntica serve tanto para que se perceba a tragédia por trás da queda do fascismo em Itália, como a do comunismo na Rússia ou do autoritarismo e do colonialismo português depois de Abril de 1974.

Não querendo levar longe de mais estas afinidades, e não pretendendo prever que politicamente o dr. Mário Soares morreu a 22 de Janeiro de 2006 – ele próprio afirmou no seu discurso na noite de 22 não estar para aí virado e José Medeiros Ferreira confidenciou no seu blog que se encontrou com Soares a 23 para estarem todo o tempo a falar do futuro –, a verdade é que os resultados obtidos e a dimensão da humilhação – quase trágica – dizem-nos quase tudo sobre o seu carácter e a sua forma de fazer política. Se nos recordarmos da feição da campanha e do modo como a sua candidatura foi preparada e quase imposta a uma liderança socialista incompetente e cujos resultados estão à vista, o que é que se vislumbra? Uma carreira política de décadas assente na arrogância e no narcisismo, na intriga, nas solidariedades e cumplicidades impostas, na subserviência, na condescendência para com os negócios poucos claros (Rui Mateus, Contos Proibidos), no improviso, no tacticismo, no clientelismo, na insinuação, na ofensa e na agressão pessoal aos seus adversários e inimigos (um mau chefe de família não pode ser um bom primeiro-ministro ou um homem que não sabe conversar não pode ser o presidente da República num Estado democrático), fossem ou sejam eles públicos ou privados. As tentativas de manipulação dos media e dos jornalistas (veja-se o livro de Estrela Serrano), dos intelectuais, dos chamados homens e das mulheres da cultura e de cultura, as promessas irresponsáveis, o dito pelo não dito. Todas estas são e foram sempre as suas armas que ele bebeu não na Europa democrática pós-1945 mas no modo como os republicanos portugueses – do PRP e do PD – fizeram política em Portugal desde o século XIX. Aparentemente, na última vez que Soares falou em público, concedeu-nos o privilégio de poder acreditar que estaríamos perante o democrata combatente de longas e longas jornadas, capaz de aceitar uma derrota, reconhecendo as virtudes da democracia e a razão dos vencedores. Nada mais errado. O dr. Soares quer voltar e vai voltar. Assim tenha saúde e oportunidade. E quer voltar, seja de que forma for, para se vingar. De Cavaco e, sobretudo, de Manuel Alegre. Para que esqueçamos aquilo que ele é? Para que recordemos aquilo que ele quer que nós pensemos sobre a sua altíssima figura? Soares é assim!