O antigo Paulo Portas sobre Cavaco
«O homem poderá ter milhões de votos mas o meu voto não terá. (…)
A primeira razão é de carácter. Uma pessoa não deve habituar-se a votar no alheio. Cavaco Silva é mesmo um social-democrata, eu não sou, longe disso. (…)
Do ponto de vista da economia, Cavaco Silva tem limites conhecidos. Será sempre a favor duma economia dirigista, a única que ele conhece e, sobretudo, a única que lhe permite que lhe permite gozar o poder de Estado. Mas eu sou muito mais liberal, entendo que ele privatiza a ritmo de caracol, mantém o complexo partidário-empresarial do Estado e não toca no essencial, ou seja, no monstro da administração pública. É também por isso que a visão social de Cavaco Silva é assistencialista, com uma legião de pensionistas e subsidiados que dependem directamente de um poder milagroso e votam em conformidade. Eu defendo outra sociedade, eventualmente mais desigual mas certamente mais livre, em que o Estado não seja a forma de vida das pessoas e o igualitarismo não seja o critério obrigatório.
A segunda razão é patrimonial. (…) Cavaco Silva, entre punir o Estado e punir as empresas, tenderá sempre a punir as empresas.
A terceira razão é de prudência. Uma pessoa deve saber qual é o efeito do seu voto no político a quem o entrega. Cavaco Silva parece imutável mas não é. Ele só conhece uma lei – a lei das relações de forças. Nos primeiros dois anos de mandato, Cavaco Silva cultivou o pior de si próprio. Foi arrogante com todos os poderes corporativos, não quis ouvir nenhuma voz diferente da sua, foi irresponsável perante as denúncias graves de corrupção no seu próprio governo. Viveu-se um tempo de certezas estúpidas, delitos de opinião e protecções imorais. (…)
Cavaco Silva quando tem a barriga cheia, convence-se, cega, exagera, e torna-se perigoso. Quando se sente apertado, vê, ouve, modera-se e torna-se tolerável. É toda a diferença entre um autocrata natural e um democrata forçado. Imagine-se agora que, no domingo, Cavaco Silva consegue votações fantásticas, como é possível que consiga. Deve temer-se o pior. Ele é vingativo, iluminado e simplista. Após doze anos de poder, o partido de Cavaco Silva tornou-se o albergue de pequena, média e grande corrupção, o convite mais tentador para os intelectuais venais, o meio mais fácil de obter decisões e mudar de vida. Se o voto é uma questão de força, eu não quero dar mais força a quem costuma abusar dela. Questão de cautela.
(…) Penso no futuro e faço contas. Mais quatro anos de Cavaco Silva sozinho, com a direita esmagada e a esquerda em farrapos, são uma tentação para este homem. Segue direitinho para Belém. No palácio, serão mais dez anos porque um Presidente ganha sempre a reeleição. Chegaremos ao ano de 2006 com Cavaco Silva. Tudo, somado, teremos, nessa altura, 26 anos de laranjinhas. Pode ser que o povo goste. Eu não.»
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