O dever de não ser estúpido
O médico Salgado Almeida reproduziu declarações não desmentidas do ministro Correia dos Campos e acrescentou o comentário «Façam como o ministro, não venham ao SAP». A frase só pode ser ofensiva se o ministro Correia dos Campos considera um crime de lesa-majestade imaginar que o povão frequentador do SAP possa imitar o seu comportamento.
Quanto à acusação de deslealdade só pode colher se Correia de Campos, além de introduzir um novo conceito de ministro da Saúde como majestade, também redefinir o sentido de lealdade recorrendo ao cronómetro. Qual foi a «deslealdade» de Maria Celeste Cardoso? Ela não fixou o cartaz. Ela mandou retirar o cartaz quando soube que estava afixado. A sua «deslealdade» consiste na lentidão da reacção. Ao leal não basta obedecer, não basta agir preventivamente em defesa do chefe, não basta agir logo que sabe que o chefe foi ofendido. Tem de agir preventivamente. Para o ministro, é inadmissível que a Maria Celeste Cardoso não se mantenha informada, hora a hora, dos papéis afixados nas paredes do centro. Ou que não mantenha um funcionário a correr pelo centro com a única função de retirar imediatamente qualquer «comentário jocoso» afixado.
Correia de Campos acusa a directora de «falta de preparação» e «deslealdade», mas é ele quem é confuso, autista e desleal. Confuso porque, perigosamente, confunde os conceitos de Estado e Governo. Um centro de Saúde não é um gabinete ministerial. Um centro de Saúde, como uma escola, é Estado. Chegaremos ao ponto de punir os directores de escola que não retiram papéis a gozar com o Governo da sala de convívio dos alunos? Autista porque acusa a directora exonerada de faltar ao dever de «lealdade», sem reconhecer o direito à liberdade de expressão e o direito a não considerar a vigilância das paredes de um centro de Saúde a maior prioridade da sua directora. Desleal porque, como membro de um Governo eleito pelo e para o povo, tem deveres de lealdade para com as pessoas que usufruem e por vezes dependem dos serviços de saúde. E não está a cumprir esses deveres se não vai aos SAP, se não incute confiança nos serviços públicos do qual é o maior responsável, se perde tempo com questões ridículas, se fomenta um clima de delação e medo entre os seus funcionários. É o ministro da Saúde quem devia ser exonerado.
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