quarta-feira, junho 13, 2007

O catolicismo irreal no país real

Os louvores do Público de segunda-feira aos CPM (Cursos de Preparação Matrimonial), com declarações embevecidas de participantes e monitores, desencadearam em mim uma série de reflexões que desembocaram neste post. Como os leitores regulares deste blogue já perceberam, casei recentemente pela Igreja Católica. Sempre encarei o casamento como uma decisão que podia tomar num determinado momento da minha vida e não como um dever ou um objectivo. Quando imaginava, em abstracto, a cerimónia, achava que o mais provável é que fosse uma «seca». As minhas expectativas foram completamente defraudadas, pelas melhores razões, pois gostei bastante de preparar e celebrar o casamento e, agora, aprecio recordá-lo.
Mas este não é um post confessional e intimista. O casamento é também um acto eminentemente social, revelando-nos bastante da sociedade e da Igreja em que vivemos. Foi com surpresa que descobri, por exemplo, que o simplex eliminou as assinaturas do casamento civil. Acho esquisito. Um homem contrai um dos contratos mais importantes da sua vida e nem sequer assina. Dizem-me que a novidade vem de boa tradição, nomeadamente da boa fé dos anglo-saxões nos cidadãos. Não discuto a bondade da tradição, mas registo uma certa inconsequência face às dificuldades de divórcio vigentes em Portugal. Imagine o leitor solteiro que um desconhecido se apresenta numa conservatória com um bilhete de identidade falsificado, a passar por si, e uma mulher disposta a casar. De súbito, face à lei portuguesa, passa a estar casado e para se divorciar é uma embrulhada.
O contacto com a burocracia da Igreja também foi uma surpresa, nem sempre agradável. Não me refiro, como é óbvio, aos padres convidados para presidir à cerimónia, nem a algumas pessoas bastante simpáticas que tratam dos aspectos administrativos. O padre da paróquia da minha mulher, por exemplo, fechou-se connosco numa pequena sala e deu-nos um sermão de uma meia hora, apimentado com um humor peculiar: «vão casar até que a morte os separe…e nenhum de vocês vai matar o outro, não é?» Os tais CPM, que o Público tratou com tanta reverência, alimentaram o repertório de anedotas de alguns amigos nossos que casaram há pouco tempo. São histórias que para mim, entregue desde tenra infância a um «catolicismo esclarecido», levantam a ponta do véu sobre o «catolicismo irreal» do «país real».
Uma história contada em CPM na paróquia de Benfica, em Lisboa: «Depois do jantar, a mulher quer lavar a loiça e o marido quer ir ao cinema. O que é que devem fazer? Resposta certa: a mulher deve lavar a loiça mais cedo e ir com o marido ao cinema.» Esta história tinha uma variante subtil: «A mulher fica em casa a lavar a loiça. O marido vai ao cinema e trai a mulher. De quem é a culpa? Resposta certa: a culpa é da mulher.» Valha-nos Deus.


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