sábado, junho 30, 2007

O dever de não ser estúpido

Na história da exoneração da directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, Maria Celeste Cardoso, pelo ministro Correia dos Campos não descortino nem ofensa nem deslealdade, mas apenas uma enorme estupidez.
O médico Salgado Almeida reproduziu declarações não desmentidas do ministro Correia dos Campos e acrescentou o comentário «Façam como o ministro, não venham ao SAP». A frase só pode ser ofensiva se o ministro Correia dos Campos considera um crime de lesa-majestade imaginar que o povão frequentador do SAP possa imitar o seu comportamento.
Quanto à acusação de deslealdade só pode colher se Correia de Campos, além de introduzir um novo conceito de ministro da Saúde como majestade, também redefinir o sentido de lealdade recorrendo ao cronómetro. Qual foi a «deslealdade» de Maria Celeste Cardoso? Ela não fixou o cartaz. Ela mandou retirar o cartaz quando soube que estava afixado. A sua «deslealdade» consiste na lentidão da reacção. Ao leal não basta obedecer, não basta agir preventivamente em defesa do chefe, não basta agir logo que sabe que o chefe foi ofendido. Tem de agir preventivamente. Para o ministro, é inadmissível que a Maria Celeste Cardoso não se mantenha informada, hora a hora, dos papéis afixados nas paredes do centro. Ou que não mantenha um funcionário a correr pelo centro com a única função de retirar imediatamente qualquer «comentário jocoso» afixado.
Correia de Campos acusa a directora de «falta de preparação» e «deslealdade», mas é ele quem é confuso, autista e desleal. Confuso porque, perigosamente, confunde os conceitos de Estado e Governo. Um centro de Saúde não é um gabinete ministerial. Um centro de Saúde, como uma escola, é Estado. Chegaremos ao ponto de punir os directores de escola que não retiram papéis a gozar com o Governo da sala de convívio dos alunos? Autista porque acusa a directora exonerada de faltar ao dever de «lealdade», sem reconhecer o direito à liberdade de expressão e o direito a não considerar a vigilância das paredes de um centro de Saúde a maior prioridade da sua directora. Desleal porque, como membro de um Governo eleito pelo e para o povo, tem deveres de lealdade para com as pessoas que usufruem e por vezes dependem dos serviços de saúde. E não está a cumprir esses deveres se não vai aos SAP, se não incute confiança nos serviços públicos do qual é o maior responsável, se perde tempo com questões ridículas, se fomenta um clima de delação e medo entre os seus funcionários. É o ministro da Saúde quem devia ser exonerado.

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