segunda-feira, dezembro 24, 2007

Almanaque de Natal

Qu'il le sache: O Post Secret, projecto artístico da autoria de Frank Warren, tem agora a sua primeira versão associada, por iniciativa de Brian Cotlove. Em todas as línguas se guardam segredos, em todas as línguas se dizem segredos.

Helping people that help themselves: Quem vê Oprah ou lê Daniel Oliveira terá já tomado conhecimento da Kiva.org. Matt e Jessica Flannery, os dois idealistas pragmáticos que fundaram em 2004 esta rede de crédito a pequenos empreendedores espalhados pelo mundo, fizeram com que qualquer um de nós, com apenas 25 dólares, pudesse ajudar alguém que está decidido a ajudar-se a si mesmo. Se não tem a quem apoiar ao pé da porta, que tal fazê-lo aqui, assim?

Já que falamos do pé da porta:
O Banco Alimentar aceita donativos em géneros, dinheiro e trabalho durante todo o ano.

Até que cheguem os Reis
: quem aqui pelo Patriarcado ainda não conseguiu assistir a um concerto de Natal, saiba que ainda tem mais algumas oportunidades.

E aqui ficam os meus votos de um Natal feliz aos mais Amigos do Povo, à comunidade blogueira e aos nossos leitores habituais e acidentais.

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ASAE ou política?

A ameaça de liquidação dos pequenos partidos que não possuem um mínimo de cinco mil militantes lembra-me os critérios da ASAE: acabe-se com o que não tem o tamanho certo, o peso adequado, a imagem viçosa. Há ideologias que passaram o prazo de validade. Há produtos políticos condenados pelo mercado eleitoral. Pelo menos, o zelo dos funcionários da ASAE já os levou a criticar a própria instituição em que trabalham: acusam-na de deficiências no sistema de higiene e segurança no trabalho, além de falta de controlo médico e psicológico. Se a analogia e a lógica estiverem correctas, os membros dos maiores partidos acabarão por concluir que a política de varrer os partidos com menos de cinco mil militantes também não satisfaz a gloriosa filosofia subjacente à ASAE: perigo de intoxicação devido a espaços demasiado fechados, separação pouco higiénica entre princípios e prática política, estragos ambientais com a redução da biodiversidade, abuso da posição dominante no mercado.

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(Auto)crítica amadora

Já tenho sido criticado por escrever posts demasiado complacentes acerca de determinados filmes. Uma resposta fácil, mas insuficiente, é que escrevo textos cinéfilos e não críticas de cinema. Insuficiente porque não evito juízos de valor e quando os faço tento fundamentá-los com argumentos. De vez em quando até me divirto em contrariar os pontos de vista das críticas publicadas em jornais. O busílis da questão é que as diferenças nas condições de escrita têm de se reflectir nos textos. Um crítico profissional é pago para ver filmes e tem o dever de criticá-los. Um espectador como eu tem como único dever pagar os bilhetes dos filmes que vê. Quando escrevo sobre o que vejo, o meu impulso é escrever sobre o que valeu a pena pagar para ver. Se o filme é mesmo mau, não perco tempo a recordá-lo, quanto mais a escrever sobre ele. A não ser, num caso extremo, como exorcismo de uma má memória.

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A violência não é «cool»

Redacted é o filme mais surpreendente e desafiante que vi este ano. Foi também um violento murro no estômago e em algumas pessoas mostrou-se capaz de provocar tremendas agonias. Apesar da força do tema – a guerra no Iraque – a surpresa e o desafio provêm, em primeiro lugar, da forma: um filme que é um mosaico de registos visuais – câmaras vídeo portáteis, vídeos de segurança, vídeos e teleconferências na Internet, fragmentos de um documentário francês, reportagens de televisões parecidas com a CNN e com a Aljazira, etc. O cinema surge como a reconstituição maior de uma multiplicidade de registos menores que não reproduzem a vida, fazem parte dela.
O cinema é montagem, já não montagem do material cinematográfico, como dizia Orson Welles, mas sim montagem de toda a imagem em movimento, ou seja, de toda a imagem derivada da matriz cinematográfica. O cinema afirma a sua especificidade ao mesmo tempo que afirma o seu princípio de aglutinador não só de todas as artes, mas também de todas as formas de imitar/reproduzir a vida.
Que seja Brian De Palma a realizar Redacted é uma das maiores surpresas. Brian De Palma sempre foi acusado de copiar, no mau sentido do termo, os grandes mestres do cinema: sobretudo Hitchcock, mas também Howard Hawks de quem fez um remake de Scarface (1983) e até, pontualmente, Eisenstein, do qual surripiou uma famosa sequência do Couraçado Potemkine para a enxertar em Os Intocáveis (1987). Era de esperar que, ao abordar a guerra do Iraque, se «inspirasse» nos filmes sobre o Vietname. Em vez disso, gastou muito do seu tempo a fazer a ver vídeos no You Tube.
O método teve efeitos impressionantes no resultado. Esqueçam o «teatro» e a «ópera» de guerra de Apocalipse Now, ou o melodrama travestido de realismo de Platoon. A guerra do Iraque de Brian De Palma assemelha-se mais a um reality show com assassínios e violações a sério. Neste filme a violência não é cool como nos filmes de Tarantino, e, muito antes dele, nos filmes de Coppola e nos grandes clássicos de filmes de gangsters ou westerns. A violência é suja, sórdida, repugnante. Como, num registo narrativo mais tradicional, noutro filme que estreou este ano e tem passado despercebido: Coeurs perdues/Corações solitários.
A temática da guerra do Iraque é partilhada com outro filme estreado há pouco tempo, fraquíssimo – Peões em Jogo. Redacted, ao mesmo tempo que rompe com a estética de violência típica de Hollywood, rejeita um dos eixos característicos do cinema «liberal» norte-americano: o herói que descobre a verdade ou denuncia a injustiça «faz a diferença». O filme expõe outra moral: numa guerra, a verdade é a primeira vítima.

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domingo, dezembro 16, 2007

Almanaque do Povo


A moda do pisca-pisca: nas varandas, marquises e laranjeiras dos quintais do meu bairro também há, como no da Isabela, "lombrigas" de luz festiva em formas absolutamente aleatórias, capazes de provocar um ataque epilético a qualquer cidadão que não goste de usar calças com cornucópias.

Gostava era de perceber como é que ele só demorou quinze minutos da Portela a Belém: sim, há países nos quais quem governa também bloga sem grandes pompas nem grandes receios; veja-se o caso do mais velho dos manos Miliband, David, valor seguro do New Labour. Confrangedor, aquele vôo a solo na cerimónia lisboeta; o mais provável é que venha a ficar para a História como o primeiro-ministro que antes de ser primeiro-ministro já assinava ao lado dos outros primeiros-ministros.

Prémio Pessoa: Como o João já aqui havia referido, a historiadora Irene Pimentel foi este ano galardoada com o Prémio Pessoa, e considerada pelo seu júri "uma das figuras mais notáveis da actual historiografia portuguesa", sublinhando o dito ter contado para a tomada de tal decisão a sua "adesão aos valores da liberdade e direitos humanos" e a abordagem a temas "difíceis e polémicos". Antes do que se segue, devo dizer que conheço boa parte da obra da autora e a tenho em bastante consideração. Quanto ao prémio em si, fiquei feliz por ver pela bloga a quebra de um certo silêncio (ou da simples parabenização) típico dos meios profissionais pequenos, em que a maior parte das pessoas evita comentários públicos para não ser mal interpretada, ou simplesmente por temer a impopularidade da sua opinião. Refiro-me, por um lado, ao contributo de Fernando Martins, na expressão das razões para a surpresa acerca desta escolha, e por outro o de Daniel Melo e Cláudia Castelo, que detalharam o trabalho desenvolvido por Irene Pimentel, reforçando a atribuição do galardão. A verdade é que estamos habituados a que, em Portugal, os prémios de grande visibilidade como este sejam outorgados no culminar de uma carreira, ou mesmo depois do seu fim. Ora, o perfil do Prémio Pessoa não se enquadra nessa matriz, como a própria galeria de laureados testemunha: nenhuma das individualidades constantes laureadas o é exclusivamente pela sua excelência profissional; todas são destacadas por combinarem determinada contribuição na área das artes, letras e ciências com uma continuada intervenção cívica e política (ou com o potencial de projecção internacional que conferem ao país). O prémio destina-se a elevar o seu perfil público internamente, a qualificar a individualidade como fazedora de opinião. Parece-me um propósito absolutamente legítimo. Mas pouco claramente enunciado.

[imagem: BND da Holanda]

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sexta-feira, dezembro 14, 2007

Prémio Pessoa 2007

Irene Pimentel está de parabéns. O prémio Fernando Pessoa, que distingue todos os anos uma personalidade portuguesa da ciência ou da cultura, foi pela segunda vez atribuído a um historiador e pela primeira vez a um especialista de História contemporânea. A galardoada já tinha ganho este ano o recém-criado prémio Adérito Sedas Nunes, o mais importante destinado a uma obra de investigação em Ciências Sociais. Se o mérito é da Irene Pimentel, os efeitos deste reconhecimento estendem-se a todos que se esforçam para que o passado mais recente possa ser objecto de um conhecimento tão rigoroso como o de qualquer outro domínio académico e ser tratado de um modo interessante para qualquer leitor com curiosidade intelectual.

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quinta-feira, dezembro 13, 2007

A escola segundo Stefan Zweig

«Acontece que este percurso conducente à universidade se apresentava bastante longo e nada cor-de-rosa. Tínhamos de aguentar cinco anos de instrução primária e oito anos de liceu sentados em bancos de madeira, cinco a seis horas por dia, e no tempo livre era preciso que os trabalhos de casa fossem feitos, e além disso, a par da escola, havia ainda tudo aquilo que a “cultura geral” exigia: francês, inglês, italiano, as línguas “vivas” a par das clássicas – grego e latim – ou seja, cinco línguas, a que se vinham juntar a geometria e a física e todas as restantes matérias escolares. Era mais do que muito e não deixava praticamente espaço para o exercício físico, para o desporto, para os passeios, e acima de tudo para a alegria e para o divertimento. Lembro-me vagamente de, com a idade de sete anos, termos tido de decorar e de cantar em coro uma canção qualquer sobre a “alegre e ditosa infância”. Ainda tenho no ouvido a melodia dessa cançãozinha ingénua e simples, mas já na altura me custava pronunciar o texto, e mais ainda aceitá-lo convictamente no meu coração, pois, a falar com franqueza, todo o meu tempo de escola mais não foi do que um aborrecimento permanente e enfadonho, acrescido de ano para ano pela impaciência de escapar a essa rotina opressiva. Não me consigo lembrar de alguma vez me ter sentido “alegre” ou “ditoso” no meio daquela actividade escolar monótona, sem coração e sem espírito, que nos estragou completamente a época mais bela e mais livre das nossas vidas; confesso mesmo que ainda hoje não consigo libertar-me de uma certa inveja, ao ver como a infância deste século [século XX] se pode desenvolver com muito mais felicidade, mais liberdade e mais autonomia. Ainda me parece difícil acreditar quando vejo como as crianças de hoje conversam despreocupadamente e quase au pair com os seus professores, como correm para a escola sem receio – e não com aquele sentimento de insuficiência que era o nosso -, como lhes é autorizado manifestarem livremente, tanto na escola como em casa, os desejos, as inclinações das suas jovens e curiosas almas – são seres livres, autónomos, naturais, enquanto nós, mal púnhamos o pé naquele odiado edifício, nos tínhamos logo de agachar, para não batermos com a testa na canga invisível. Para nós a escola era constrangimento, aridez, tédio, um lugar em que éramos obrigados a incorporar em doses divididas com precisão a “ciência do que não vale a pena saber”, matérias escolásticas ou tornadas escolásticas, e que nós sentíamos nada terem a ver com a realidade e com o nosso interesse pessoal. Aquilo que a velha pedagogia nos impunha era uma aprendizagem apática, árida, não se tratava de aprender para a vida, mas de aprender por aprender. E o único momento de felicidade realmente libertadora que devo agradecer à escola foi o dia em que fechei para sempre a sua porta atrás de mim.»
ZWEIG, Stefan, O Mundo de Ontem. Recordações de um Europeu, Lisboa, Assírio & Alvim, 2005, pp. 42-43.

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terça-feira, dezembro 11, 2007

Liberdade sem dogma


Liberdade sem dogma é um volume de homenagem a Mário de Sottomayor Cardia, coordenado por Carlos Leone e Manuela Rêgo e editado pela Tinta da China. Reúne depoimentos e estudos sobre esta personalidade que marcou o pensamento e a política portuguesa. O livro será lançado na Fundação Mário Soares, dia 17 de Dezembro, às 19 horas.
Ler aqui um resumo da sua actividade intelectual e política durante a ditadura, aqui a notícia de Miss Pearls recheada de comentários, e aqui o depoimento de uma pessoa que privou com Sottomayor Cardia e colabora no volume de homenagem.

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domingo, dezembro 09, 2007

Almanaque do Povo

Business as usual?: É curioso verificar que nos países mais ricos a relação entre quadra natalícia e transacção de tudo o que é bugiganga tem vindo a ser crescentemente posta em causa. Ainda há pouco, via Atlântico, dei com mais um site anti-compras-de-natal, neste caso promovido por um grupo de canadianos anabaptistas. Tal ideia não é, nesses países, de agora, e tem estado predominantemente associada ao humanismo céptico [veja-se, a título de contexto, esta crítica ao conhecido livro de Tom Flynn]. Por cá, afirmo-o do alto da minha sociologia de comboio, a crise que ataca muitos lares e tem levado a um considerável corte nas despesas da época anda já a ser verbalizada como posição de princípio contra o desperdício, o materialismo e a poluição. Nos anos noventa, pelas vacas gordas, no comboio escutavam-se pais que discutiam leasings de carros a dar aos filhinhos. Por que será que somos tão oito ou oitenta?

Regressos: para os mais distraídos, voltaram recentemente ao blogo-convívio a Susana Bês, no Lida Insana, e o Miguel Silva (sim, do Tempo dos Assassinos), agora no Bios Politikos. Ainda bem.

Divulgação: A segunda edição do ciclo de colóquios 2007-2008 organizado pelo Centro de Reflexão Cristã terá lugar na próxima terça-feira, dia 11 de Dezembro, como de costume pelas 18:30, no auditório do Centro Nacional de Cultura. Este colóquio tem por mote "Jesus de Nazaré segundo Ratzinger / Bento XVI". Nele confrontarão perspectivas sobre a mais recente obra do actual Papa o Prof. José Luís de Matos e o P. Henrique Noronha Galvão.

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sábado, dezembro 08, 2007

Eastern Promises

Eastern Promises, o título do último filme de David Cronenberg, perde na sua tradução portuguesa, Promessas Perigosas, uma das suas conotações mais interessantes, a de uma espécie de cartografia do mal. Uma História de Violência, seria um primeiro tomo deste mapa, analisando as perversões das «promessas do Oeste», do sonho norte-americano. Eastern Promises é um filme sobre os sonhos de Leste que se transformam em pesadelo, ou sobre a Europa sonhada a Leste revelando-se um inferno clandestino.
Não percebo os fiéis de Cronenberg que vêem neste filme uma traição. Ele não só se encontra intimamente ligado à longa-metragem anterior, como dá continuidade a movimentos passados do universo do autor: Spider (2002) foi uma primeira incursão no cenário londrino; M. Butterfly (1993) abordava o tema da espionagem entre Estados, o qual em Eastern Promises é transposto para as relações entre Estados e crime organizado.
Uma das obsessões de Cronenberg – o corpo e as suas transfigurações – marca presença neste filme, numa sequência antológica da sua filmografia – o atentado na sauna. Desta vez o corpo é visto com uma ambivalência inquietante: as tatuagens são máscaras que tanto podem identificar como esconder.
Viggo Mortensen, na pele de Nicolai, volta a ser uma peça fulcral na história contada pelo realizador canadiano. É uma grande interpretação, que se distingue da de Uma História de Violência pelo processo de interiorização. As motivações da sua personagem nunca são plenamente desvendadas ao espectador, como se a sua conduta fosse explicada por uma promessa silenciada, que fará tudo para cumprir. É um filme que cintila na sala de cinema como a neve na noite escura.

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sexta-feira, dezembro 07, 2007

Kadhafi como Pai Natal

Kadhafi está em Lisboa e vai pagar mil dólares por cabeça a portugueses de origem africana para participarem numa recepção. As más línguas lembrarão Valentim Loureiro, que distribuía electrodomésticos durante as campanhas eleitorais. A comparação, no entanto, é injusta. Em primeiro lugar, porque Kadhafi não quer comparar votos, mas apenas receber carinho. Em segundo lugar, porque, ao distribuir dinheiro em vez de produtos, Kadhafi mostra mais respeito pela liberdade individual das pessoas que deseja seduzir. Em terceiro lugar, porque nos encontramos em vésperas natalícias, não em período eleitoral. Uma comparação mais correcta seria, portanto, com o Pai Natal, ou seja, S. Nicolau. Parece despropositado, pois a Coca-Cola vestiu-o de vestes vermelhas, rodeou-o de neve e sentou-o num trenó. A verdade, porém, é que S. Nicolau viveu e testemunhou a sua fé…na Turquia. Kadhafi podia ser um Pai Natal alternativo, representado numa travessia do deserto em cima de um camelo, carregado com sacos repletos de notas, e protegido por um séquito de esbeltas guarda-costas.
Eu cá prefiro o menino Jesus.

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quinta-feira, dezembro 06, 2007

A sovinice protege o ambiente

O súbito desaparecimento em alguma gaveta ministerial do projecto de cobrar uma taxa de cinco cêntimos pelos sacos de plástico nos supermercados resultou de uma reacção precipitada e infeliz de distribuidores e consumidores. Quer uns quer outros olharam apenas para o efeito imediato: o aumento de custos. Eu, que vivo ao pé de um Pingo Doce e de outros supermercados, sai por experiência própria que a sovinice protege ao mesmo tempo o ambiente e o bolso do consumidor. Como de vez em quando vou ao Pingo Doce onde os sacos de plástico custam dois cêntimos, habituei-me a guardar os sacos de plástico que recebo gratuitamente nos outros supermercados. Quando faço compras no Pingo Doce levo uns sacos de plástico gratuitos enroladinhos no bolso e é neles que trago as compras.
Estamos habituados a aprovar ou rejeitar as estratégias do Estado, com uma psicologia que Freud nunca explicou apesar de ter aí terreno fértil para as suas análises, e ignoramos as estratégias dos consumidores e da iniciativa privada. O Estado quer cobrar uma taxa sobre os sacos de plástico? Malvado Estado que nos quer ir ao bolso. A questão é que só nos iria ao bolso se usássemos sacos de plástico. Ninguém impediria um supermercado de inventar sacos biodegradáveis e de distribuí-los gratuitamente para obter vantagens perante a concorrência. Nenhum consumidor estaria proibido de entrar num supermercado com os seus sacos de compras. Exigimos tudo do Estado, sendo que a não intervenção também é uma exigência, e não esperamos nada de nós mesmos nem da iniciativa privada.

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A inconstância laranja

Não me precipitei a lançar mão da palavra «populismo» para caracterizar Luís Filipe Menezes. Conheço mal o político. Se tivesse que recorrer ao pouco que conheço para desenhar uma escala de populismo no PSD colocava no topo Alberto João Jardim; alguns pontos abaixo Pedro Santana Lopes. E Luís Filipe Menezes abaixo de Santana Lopes. A merecer o benefício da dúvida, portanto. O recente episódio de aprovação de um empréstimo na câmara municipal de Lisboa esclareceu as dúvidas no pior sentido. Não se percebe como é que o PSD aprova o Plano de Saneamento Financeiro, que prevê não só o empréstimo de 360 milhões de euros com o objectivo de pagar a fornecedores, mas também discrimina e justifica mais uma tranche de 140 milhões de euros, para depois se revoltar contra o empréstimo. Acresce que 98,2 por cento da dívida em causa fora contraída durante o exercício do poder camarário pelo PSD. A solução encontrada para a crise aberta pelo PSD é «morna», que é como quem diz, nem aquece nem arrefece, não é pão nem queijo, não afirma nem rejeita: o PSD acordou em abster-se se o montante do empréstimo encolhesse para 400 milhões de euros.
Quem sai bem desta crise é António Costa. Mostra-se pragmático sem abdicar de princípios e capaz de liderar um projecto numa câmara balcanizada, unindo uma esquerda fragmentada e neutralizando os adversários à direita. Não precisava de ameaçar demitir-se? A questão é que, até prova em contrário, estava mesmo disposto a demitir-se caso não tivesse condições de cumprir as promessas feitas aos eleitores. Uma atitude exemplar e meritória num país em que os políticos se viciam em mentir a si mesmos acerca do cumprimento de promessas.

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segunda-feira, dezembro 03, 2007

Don´t come knocking

Don´t come knocking voltou a juntar Wim Wenders e Sam Shepard, quase vinte anos depois do primeiro ter realizado Paris, Texas com um guião escrito pelo segundo. O risco do filme do século XXI parasitar e estragar as memórias de um dos filmes mais marcantes dos anos 80 era óbvio. Deste ponto de vista, as minhas apreensões não se concretizaram. Don´t come kocking é um filme menor e não bastam as brilhantes interpretações de Sam Shepard, Jessica Lange, Tim Roth, Eva Marie Saint, ou a direcção de fotografia por Franz Lustig para resgatá-lo dessa menoridade. Falta-lhe uma estrela como Nastassja Kinski em dias de maior esplendor; falta-lhe esse ritmo lento e voluptuoso, pontuado por silêncios, murmúrios e a música de Ry Cooder; falta-se a densidade dramática criada pelo luto de um grande amor ou a devolução de um filho a uma mãe. Falta-lhe tudo o que fez de Paris, Texas, uma peça única, imensa, completa.
Mas o tom menor de Don´t come knocking é justamente o mais adequado a contar uma história que expõe relações humanas frágeis: um sexagenário que parte à procura de um filho desconhecido e nascido de uma relação fortuita; o esboço de fraternidade entre dois estranhos; reencontros de pouca consequência. Filme de misfits, inadaptados de duas gerações, uma à beira dos trinta e outra à beira dos sessenta, que vêm uma na outra, com perturbação, um futuro imaginável ou um passado submerso. O desajustamento não vem só de percursos falhados e também de uma dificuldade de envolvimento num mundo subtilmente transformado pelas novas tecnologias e por todo o sistema mediático, de que a personagem principal, Howard Spence faz parte como estrela de westerns. A melancolia de Paris, Texas cede lugar a uma visão da distância entre as personagens e os lugares que percorrem com ecos de Antonioni e um sentido de humor com laivos de Jacques Tati.
O filme é uma estrela solitária, como o título mal achado para a versão portuguesa, e uma estrela pálida, que ainda assim merece ser vista.

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Gostei

João Miguel Almeida gostou de ler a crónica de RAP na Visão intitulada «Araújo Pereira leu a crítica de Pulido Valente e não gostou.»

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Manuel Monteiro

Já o critiquei em tom algo violento neste blogue, por causa da campanha patética durante as últimas eleições municipais de Lisboa. Agora só posso aplaudi-lo por limpar o Partido Nova Democracia de elementos de extrema-direita.

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domingo, dezembro 02, 2007

Almanaque do Povo

Eu é mais bolos: recentemente ecoou na imprensa o projecto Fabrico Próprio, da autoria de Rita João, Pedro Ferreira e Frederico Duarte, três designers portugueses. O seu objecto é a pastelaria nacional. Desta bela glico-causa resultará, no próximo ano, um livro. Do caminho de dois anos resulta já uma primeira listagem, alfabeticamente ordenada, da pesquisa feita. Pensava-me uma apreciadora erudita da bolaria semi-industrial, mas afinal nada disso: dos mais de setenta tipos e variantes encontradas, não conhecia o nome a pelo menos uns vinte. Digam lá a verdade, conheciam o "contraplacado"?

A bloga destra está mais velha: saúde ao 31 da Armada (1 ano no passado 25 de Novembro) à Rititi (4 anos hoje) e ao Alexandre Soares Silva (também hoje, 5 anos. Chiça!).

Mas a ideia não é boa?: o ICE, acrónimo correspondente a in case of emergency, número telefónico de parente ou indivíduo próximo a registar no nosso telemóvel para o uso de profissionais de emergência médica caso nos aconteça algo, foi ideia britânica que se difundiu por muitos outros países nos anos mais recentes. Curiosamente, circula desde o Verão passado, em forward, pelas e-caixas lusas, uma mensagem que apela à introdução do ICE por cá, aparentemente a pedido das corporações de bombeiros e do INEM. Quando a recebi não me ocorreu que não fosse verdadeira, mas as instituições oficiais não demoraram a invalidar esta suposição. OK. Contudo, uma pergunta: mas a ideia não é boa? Não se podia considerá-la?

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