Redacted é o filme mais surpreendente e desafiante que vi este ano. Foi também um violento murro no estômago e em algumas pessoas mostrou-se capaz de provocar tremendas agonias. Apesar da força do tema – a guerra no Iraque – a surpresa e o desafio provêm, em primeiro lugar, da forma: um filme que é um mosaico de registos visuais – câmaras vídeo portáteis, vídeos de segurança, vídeos e teleconferências na Internet, fragmentos de um documentário francês, reportagens de televisões parecidas com a CNN e com a Aljazira, etc. O cinema surge como a reconstituição maior de uma multiplicidade de registos menores que não reproduzem a vida, fazem parte dela.
O cinema é montagem, já não montagem do material cinematográfico, como dizia Orson Welles, mas sim montagem de toda a imagem em movimento, ou seja, de toda a imagem derivada da matriz cinematográfica. O cinema afirma a sua especificidade ao mesmo tempo que afirma o seu princípio de aglutinador não só de todas as artes, mas também de todas as formas de imitar/reproduzir a vida.
Que seja Brian De Palma a realizar
Redacted é uma das maiores surpresas. Brian De Palma sempre foi acusado de copiar, no mau sentido do termo, os grandes mestres do cinema: sobretudo Hitchcock, mas também Howard Hawks de quem fez um
remake de
Scarface (1983) e até, pontualmente, Eisenstein, do qual surripiou uma famosa sequência do
Couraçado Potemkine para a enxertar em
Os Intocáveis (1987). Era de esperar que, ao abordar a guerra do Iraque, se «inspirasse» nos filmes sobre o Vietname. Em vez disso, gastou muito do seu tempo a fazer a ver vídeos no You Tube.
O método teve efeitos impressionantes no resultado. Esqueçam o «teatro» e a «ópera» de guerra de
Apocalipse Now, ou o melodrama travestido de realismo de
Platoon. A guerra do Iraque de Brian De Palma assemelha-se mais a um
reality show com assassínios e violações a sério. Neste filme a violência não é
cool como nos filmes de Tarantino, e, muito antes dele, nos filmes de Coppola e nos grandes clássicos de filmes de gangsters ou westerns. A violência é suja, sórdida, repugnante. Como, num registo narrativo mais tradicional, noutro filme que estreou este ano e tem passado despercebido:
Coeurs perdues/Corações solitários.
A temática da guerra do Iraque é partilhada com outro filme estreado há pouco tempo, fraquíssimo –
Peões em Jogo.
Redacted, ao mesmo tempo que rompe com a estética de violência típica de Hollywood, rejeita um dos eixos característicos do cinema «liberal» norte-americano: o herói que descobre a verdade ou denuncia a injustiça «faz a diferença». O filme expõe outra moral: numa guerra, a verdade é a primeira vítima.