sexta-feira, outubro 12, 2007

O PNR e a banalidade do mal

Não escrevi nada sobre a profanação do cemitério israelita em Lisboa, em 25 de Setembro passado, por uma razão comezinha: nessa altura estava fora do país e com o acesso à Internet limitado. Quando voltei e li alguns comentários comecei a tomar consciência de outra dificuldade em comentar o assunto. Eu podia subscrever qualquer comentário crítico. Nada podia acrescentar ao que já estava escrito ou escrever que não fosse óbvio.
Foi preciso deixar passar alguns dias para ver confirmado o que no fundo já sabia: mesmo o óbvio pode ser ofuscado pela «banalidade do mal», na conhecida expressão de Hannah Arendt. Primeiro apareceram na blogosfera textos opinando que os ministros não apareceriam num «idêntico» acto de vandalismo num cemitério cristão. Agora é o cartaz do PNR no Marquês a dizer «Este sistema liberta pedófilos, violadores e assassinos mas persegue os nacionalistas». Entre os nacionalistas «perseguidos», convém lembrar, estão os vândalos do cemitério israelita, membros dos Hammerskins, dos quais Mário Machado é o líder em Portugal.
Um acto de vandalismo num cemitério, laico ou de qualquer confissão religiosa, é sempre grave. Mas para que um acto de vandalismo num cemitério cristão tivesse um significado «idêntico» ao praticado no cemitério israelita eram necessário reunir diversos factores que, apesar de óbvios, têm de ser enumerados: o cemitério devia encontrar-se num país maioritariamente não-cristão e com um passado de perseguição violenta a cristãos. Os vândalos deviam pertencer a movimentos que, num passado recente, tivessem assassinado membros de outras minorias. As campas seriam pinchadas com símbolos anti-cristãos. Não consigo imaginar nenhum que corresponda ao sentido da cruz suástica para os judeus. O mais aproximado seriam os leões do coliseu romano, do tempo em que faziam mártires cristãos. E mesmo assim a comparação é frouxa, porque só os eruditos é que percebiam o alcance do símbolo e os romanos nunca tiveram uma «solução final» para os cristãos, nem podiam ter, pois não se nasce cristão como se nasce judeu. Por fim, um partido legal desse país, poria um cartaz num dos lugares mais visíveis da capital, com uma mensagem ambígua, que podia ser interpretada como solidária com os vândalos e acusando os Governo de persegui-los.
O cartaz do Marquês de Pombal devia ser retirado, no mínimo, por atentado ao pudor.

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7 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

Este conceito das forças politicas poderem colocar livremente numa via principal da capital, propaganda politica, fora de tempo de campanha eleitoral, é no minimo digna de um pais da América latina. Qualquer aberração é possivel. Parece que se suspende qualquer lei de ordenamento urbano e de bom senso. Restos do prec... Se isto não fosse permitido e se pagassem outdoors talves estas vergonhas desaparecessem.

6:18 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

caríssimo

Li o seu texto até ao fim. E aí, os meus olhos saltaram de imediato para o título: a banalidade do mal. Só assim sosseguei a inquietação de dar por mim a concordar consigo. É que tal como 'o amigo do povo', também eu gosto da frase de Orwell: if liberty means anything at all, it means the right to tell the people what they don't want to hear...
cumprimentos
RVN

6:33 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Se o cartaz fosse etirado do Marquês de Pombal, isso seria uma violação da liberdade de expressão.

Toda a gente deve ter o direito a essa liberdade, em todo o tempo.

Luís Lavoura

4:59 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Mas por que raio é que o direito à expressão pode ser feito, gratuitamente, com outdoors enormes no meio das ruas?
Será que posso colocar um cartaz no M. Pombal a dizer que os meus inquilinos brasileiros devem-me 3 meses de renda? E posso por os nomes deles? E se coloca-se um cartaz a defender a legalização do sexo com animais? E uma foto minha em caricias intimas com o meu cão? E se quiser colocar um cartaz a alertar a população que a irmã Lúcia afinal é extraterrestre e vive no meio de nós encarnando em Santana Lopes? Posso por o cartaz? E se quiser por outro a defender um novo partido pedófilo? E se puser outro a dizer que o Sr. Luís Lavoura é um idiota?
Bom... já enchi o Marquês de Pombal com a minha LIBERDADE DE EXPRESSÃO?!?!

6:16 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Luís Lavoura,

Sou a favor do máximo de liberdade de expressão. Ela não é, no entanto, absoluta. No regime jurídico português a liberdade de expressão não justifica, por exemplo, a calúnia e a difamação, que atentam contra outro direito que o Estado deve garantir, o direito à integridade moral e honra dos indivíduos.
Ora este cartaz tem uma mensagem de «difamação» do Estado de Direito em Portugal. Acusa-o de libertar pedófilos, violadores e assassinos ao mesmo tempo que persegue os nacionalistas, insinuando que estes não são perseguidos por serem suspeitos de crimes, mas por delito de opinião.
Deve o Estado de Direito admitir estas acusações? Por que é que queimar uma bandeira nacional é crime e acusar o Estado português de cumplicidade com pedófilos, violadores e assassinos não é?
A resposta a estas questões não me parece nada linear. Como blogger quero antes de mais levantá-las e deixar bem claro o meu protesto contra a mensagem do PNR. Acho que o Estado não deve tem uma atitude «facilitista» em relação aos desafios intolerantes à nossa tolerância.

12:38 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Poça, João Miguel, esse entendimento de "difamação" é tão lato, tão lato, mas mesmo tão lato, que nem aos tribunais mais desfavoráveis à liberdade de expressão lembraria!

LL

12:07 da tarde  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Luís Lavoura,

A questão não é linear para quem, como eu considera que a liberdade de expressão é um valor fundamental. Mas será mesmo que tenho uma posição extremista? Vejamos alguns exemplos: recentemente, no país vizinho, o Estado espanhol mandou apreender uma revista satírica na capa da qual eram caricaturados os príncipes Filipe e Letizia. No Youtube podem encontrar-se vários anúncios de campanhas pela utilização do preservativo que foram proibidos de passar na televisão. Em Itália foram retirados os cartazes da polémica campanha contra a anorexia.
Eu acho que nenhuma destas proibições faz sentido. Também não defendo que os blogues do PNR sejam fechados ou os pasquins apreendidos. Mas um cartaz no Marquês de Pombal tem uma visibilidade pública que não se encontra numa revista. Além da questão do conteúdo, há a questão da utilização de um espaço público para, sob a cobertura da legalidade, pôr em causa o Estado de Direito.

4:48 da tarde  

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