sexta-feira, março 28, 2008

A histeria do Ministério Público

A exploração pelas televisões, até à náusea, do vídeo expondo o caso de indisciplina bárbara no liceu Carolina Michaëlis está a contaminar de histeria responsáveis de cargos públicos. É o caso do procurador-geral da República, o qual afirmou aos jornais que «os ilícitos dentro da escola são ilícitos criminais» e que «os conselhos executivos deveriam ser obrigados a participar desses casos de agressão» [Público de hoje]. A primeira afirmação ou é redundância ou denuncia a intenção de submeter as escolas a uma absurda vigilância policial. Esfaquear alguém é um ilícito criminal dentro ou fora de uma escola. Copiar num teste é um ilícito e não vejo como é que pode servir de pretexto para chamar a polícia ou justificar uma sanção mais grave do que a anulação do teste ou, se for caso disso, um chumbo. Nem todos os ilícitos praticados numa escola são agressões, nem todas as agressões justificam a intervenção dos poderes públicos. Tratar a adolescente histérica mais famosa do país como criminosa é «promovê-la». Tratar os conselhos executivos das escolas como «informadores» do Ministério Público é rebaixá-los. Pretender arrumar na mesma categoria uma miúda que se agarra ao telemóvel como um bicho desalmado a uma presa e um violador ou um esfaqueador, a pretexto de que «as pequenas agressões conduzem às grandes agressões» corre o risco de se tornar uma profecia auto-realizada. Será o excesso de zelo a misturar miúdos malcriados com criminosos a sério. A bem da autoridade e da saúde mental de todos, nestas questões requer-se sensibilidade e bom senso. Que se manifesta na distinção de níveis de agressão e na divisão de tarefas entre responsáveis por manter qualquer ordem disciplinar e a polícia ou o Ministério Público.

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domingo, março 23, 2008

Crise de valores (I)

Não tencionava escrever sobre isto, nada de inédito se passou, nem este blog é dado a polémicas fáceis. Fui desencaminhado pelo António Manuel Venda. A conversa de Rousseau (versão Filomena Mónica) anuncia a lengalenga da crise de valores, velho tropo vácuo e falso em todos os tempos. Daí o título do post.
O problema da turma 9º C do Carolina Michaelis é antigo (cf. Platão, Górgias); não é «de classe», nem permite supor que aquela não possa até ser a melhor turma de Francês. Quem dá aulas sabe como mesmo os bons alunos têm maus hábitos. O aproveitamento pela oposição ao governo do «estatuto do aluno» é óbvio mas irrelevante (antes dele, e agora, não havia já a possibilidade de expulsão, sem reinscrição durante o ano, para aluna e «realizador», nem o «chumbo» automático na disciplina para todos os restantes); o problema nem é novo na sua forma actual, os dados estatísticos indicam que isto acontece todos os dias (hipocritamente, os professores «como classe», note-se, não como profissão, dizem em público adorar os seus alunos e, em privado, só se queixam deles, queixas acompanhadas de casos de depressão na profissão numerosos). E de resto a cultura «juvenil», à força de ser pedopsiquiatricamente compreendida (tratando o óbvio e elementar como se fosse caso «especial» e de compreensão particular, gerando ambiguidade e duplicidade irrestritas), tornou-se mainstream (como a pornografia) e exibe-se onde antes se esforçava por ser remota do mundo «adulto» (dos pregões no Blitz passou-se ao Youtube).
O problema surge da auto-desautorização dos adultos (em casa será muito diferente, mesmo? Os filhos dos professores não são mais bem comportados que os restantes…) e da desresponsabilização dos comportamentos dos adultos. Como comentei há semanas em conversa com Miguel Real (autor, e professor de Filosofia no Secundário), as manif’s de professores convocadas por SMS com ameaças a ministros e membros do PS, insultos e espalhafato na TV contra a ministra, e a grotesca «semana de luto» só podiam diminuir os professores aos olhos dos adolescentes que os viam em cenas completamente rascas e demagógicas. Quando a «autoridade» se comporta irresponsavelmente, como esperar que o normal, i. e., a disciplina na sala, seja sequer considerada pelos alunos? Não o fazem e fazem gala em não o fazer. Isto não é substantivamente diferente de quem não desliga os télelés nos cinemas, e de professores que também não o fazem na sala de aula, ou dos deputados que os deixam ligados para servirem de «fontes» dos trabalhos em comissão parlamentar a jornais sem escrúpulos. Para cúmulo do simbolismo, neste caso reapareceu o ilustre Prof. Charrua a servir de fonte para os jornais. Ainda há pouco tempo houve quem falasse de «censura» quando no Minho não gostaram que um professor tivesse um blog obsceno, agora admirem-se que os meninos tratem os «profs» por «tu»… Não é uma crise de valores, é realmente uma grande coerência de comportamentos sociais e vem de longe, adquirindo agora, sobretudo pela conjuntura política, uma visibilidade apenas um pouco maior.
A minha experiência como docente (do ensino superior) é essa: pastores luteranos quarentões a atenderem telefonemas na aula; jovens a fazê-lo também (mas, depois de mandado embora, procurou-me para se desculpar, como um adulto – que era, apesar de jovem). A vulgaridade não muda por haver expulsões da sala.
No dia em que «a cena» foi conhecida, professores de uma escola (salvo erro em Coimbra) votaram por suspender a avaliação docente…esperem até os alunos saberem.

PS- Para o próxima passo das formas inferiores de luta, já em curso, ver Rui Bebiano em A Terceira Noite (mas professores showmen vs professores distantes é equívoco; só há aulas com professores e alunos, e em Portugal estes querem ser passivos e os professores por regra querem que eles assim sejam, Bolonha reduz-se a maquilhagem).

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