O título deste post é uma dupla referência: imediatamente, ao ensaio de Hermínio Martins Classe, Status e Poder; mediatamente, e tal como o ensaio de Martins, relembra o ensaio de Max Weber Classe, Status e Partidos.
A propósito destas legislativas assistimos desde há muito a algo típico da sociedade portuguesa. Algo que já no tempo de Cavaco se manifestara mas, pelo menos para quem era adolescente na altura, de forma não tão visível*. O ódio de status. Não ódio de classe, por não se tratar de uma questão de propriedade (ou rendimentos). Ódio de status, por manifestar num discurso amesquinhante a respeito de alguém uma divisão social rígida. O seu critério não é a propriedade, mas a «boa sociedade» (Weber usou como critério «honra», mas o termo hoje pode ser mais equívoco).
Entenda-se: o que separa Sócrates de Manuela Ferreira Leite de Sócrates não é o dinheiro (a propriedade). Ambos serão classe média (alta). Aquilo que os distingue é o status. Anos de achincalhamento à licenciatura, à família, às casas que assinou antes de ser deputado, etc. foram um contínuo exercício de aviltamento do status de Sócrates, um parvenu aos círculos de poder. Ele bem o sabe e disse-o mesmo em várias entrevistas (sempre no estrangeiro). Nunca deu a parte fraca (e muito bem), liderando a maior mudança geracional na composição do PS desde a sua fundação. Nisso pode até ter salvo o PS de se fossilizar como o ainda cavaquista PSD. E, nisso, talvez até tenha salvo o regime político saído de 25 de Abril de 1974. De que serviu todo o exercício? Para o mesmo que servira o aviltamente de Cavaco (também ele, da província): para mostrar a diferença social, bem mais intangível, e inatingível, que a questão material da propriedade.
Isto vem a propósito de um artigo a escrever para a Finisterra. Mas fica hoje registado por causa da «peça jornalística» que o Público (sempre ele...) publicou hoje. Ferreira Leite, que não se doutorou mas é «doutora», é do «país do respeitinho», com família nos círculos do poder (leia-se: do Estado) desde o século XIX - e com resultados tão brilhantes como os dos seus consulados na Educação e nas Finanças. Sócrates é «videirinho», sem «nome» e sem nada que o recomende. Quem «explica» isto é um sociólogo, de isenção, equilíbrio e imparcialidade consabidas. Aliás, ser «sociólogo» é por si só infinitamente mais exigente que ser líder do maior partido de Portugal e chefe de Governo, a «explicação» é por isso inquestionável.
E o pior é que é mesmo.
* Embora não falte a memória de uma «reportagem» do Indy sobre o que calçavam os ministros de Cavaco, fotografando apenas os pés, para comentar sapatos e meias...
PS - E no entanto foi com dois provincianos que, em liberdade, à qual as «elites» só se conformaram após esgotada a última chance da ditadura (e o mediador ainda teve de vir dessas elites, de seu nome Mário Soares), foi com dois provincianos, dizia, com Cavaco e Sócrates, que em liberdade o país mais se desenvolveu e se alterou. Nada que interesse muito aos sociólogos. O respeitinho, de facto, ainda é muito bonito.
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