domingo, setembro 20, 2009

Classe, Status e legislativas

O título deste post é uma dupla referência: imediatamente, ao ensaio de Hermínio Martins Classe, Status e Poder; mediatamente, e tal como o ensaio de Martins, relembra o ensaio de Max Weber Classe, Status e Partidos.
A propósito destas legislativas assistimos desde há muito a algo típico da sociedade portuguesa. Algo que já no tempo de Cavaco se manifestara mas, pelo menos para quem era adolescente na altura, de forma não tão visível*. O ódio de status. Não ódio de classe, por não se tratar de uma questão de propriedade (ou rendimentos). Ódio de status, por manifestar num discurso amesquinhante a respeito de alguém uma divisão social rígida. O seu critério não é a propriedade, mas a «boa sociedade» (Weber usou como critério «honra», mas o termo hoje pode ser mais equívoco).
Entenda-se: o que separa Sócrates de Manuela Ferreira Leite de Sócrates não é o dinheiro (a propriedade). Ambos serão classe média (alta). Aquilo que os distingue é o status. Anos de achincalhamento à licenciatura, à família, às casas que assinou antes de ser deputado, etc. foram um contínuo exercício de aviltamento do status de Sócrates, um parvenu aos círculos de poder. Ele bem o sabe e disse-o mesmo em várias entrevistas (sempre no estrangeiro). Nunca deu a parte fraca (e muito bem), liderando a maior mudança geracional na composição do PS desde a sua fundação. Nisso pode até ter salvo o PS de se fossilizar como o ainda cavaquista PSD. E, nisso, talvez até tenha salvo o regime político saído de 25 de Abril de 1974. De que serviu todo o exercício? Para o mesmo que servira o aviltamente de Cavaco (também ele, da província): para mostrar a diferença social, bem mais intangível, e inatingível, que a questão material da propriedade.
Isto vem a propósito de um artigo a escrever para a Finisterra. Mas fica hoje registado por causa da «peça jornalística» que o Público (sempre ele...) publicou hoje. Ferreira Leite, que não se doutorou mas é «doutora», é do «país do respeitinho», com família nos círculos do poder (leia-se: do Estado) desde o século XIX - e com resultados tão brilhantes como os dos seus consulados na Educação e nas Finanças. Sócrates é «videirinho», sem «nome» e sem nada que o recomende. Quem «explica» isto é um sociólogo, de isenção, equilíbrio e imparcialidade consabidas. Aliás, ser «sociólogo» é por si só infinitamente mais exigente que ser líder do maior partido de Portugal e chefe de Governo, a «explicação» é por isso inquestionável.
E o pior é que é mesmo.

* Embora não falte a memória de uma «reportagem» do Indy sobre o que calçavam os ministros de Cavaco, fotografando apenas os pés, para comentar sapatos e meias...

PS - E no entanto foi com dois provincianos que, em liberdade, à qual as «elites» só se conformaram após esgotada a última chance da ditadura (e o mediador ainda teve de vir dessas elites, de seu nome Mário Soares), foi com dois provincianos, dizia, com Cavaco e Sócrates, que em liberdade o país mais se desenvolveu e se alterou. Nada que interesse muito aos sociólogos. O respeitinho, de facto, ainda é muito bonito.

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3 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

Era ainda miudo quando vi a primeira novela passada em ortugal. Gabriela. Lembro-me mal, e nunca li o livro. Mas nos 2 ultimos anos tenho-me lembrado do que me lembro da novela. Um dr. mundinho que vinha de fora, com ideias novas, um novo paradigma de progresso, não mais do mesmo, mas outra coisa. E o desprezo e o odio dos que já lá estavam. Com um mundo ordenado, com cada coisa no seu lugar. Mas chega um novo. Que, se bem me lembro, até tinha dinheiro, mas os coroneis não perdoavam, nao tanto as tricas politicas mas mais o desaparecimento do seu mundo.
Socrates veio destruir o mundo de muita gente. à esquerda e à direita. quanta dessa gente que está nos palcos do poder e da oposicao não teme a nova geracao que fala do que eles percebem mal, internet, facebook, tweets, blogs, etc. Nao que dizer que socrates perceba disso, mas percebeu que o caminho é por ali, e em vez de dizer sim, mas... desatou a correr pelo caminhos novos, proclamou que se tem informatica, se tem computadores, se tem novidade é esse o norte. claro que ele sabe que tem muita porcaria pelo caminho, que muito desse progresso é uma merda, mas ninguem sabe o que é o bom e o que é o mau. ninguem sabe o futuro, mas o futuro tem sido dos que seguem em frente e largam as cangas do passado. se ficarmos parados nao teremos o mau da nova revolucao dos bits e dos gigas, mas de certeza que não teremos o bom que está ali à nossa frente.

12:16 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Ler, considerar e votar em consciência colectiva:

http://primeirofax.wordpress.com/2009/09/13/voto-util-contra-o-ps-de-socrates-actualizacao-13-de-setembro/

6:56 da tarde  
Anonymous Nuno Sousa disse...

Belo texto Sr CLeone.

1:59 da manhã  

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