D. Manuel Clemente é o Prémio Pessoa deste ano, o que quer dizer que, pela segunda vez, tenho a satisfação de conhecer e ter consideração e amizade por obras e pessoas altamente consideradas.
Teologia também é cultura, claro está, mas tanto ou mais que teólogo o Professor Manuel Clemente foi (e será, esperamos) um historiador importante e um ensaísta interessado. Numa época em que, por vezes, parece que ser-se crente passou de obrigação a proibição, em que há quem queira preservar o espaço público de qualquer contaminação religiosa (a não ser que venha multiculturalmente envernizada de uma patine exótica); mas em que também não raro as igrejas reagem fechando-se em proibições e anátemas purificadores, uma pessoa com o percurso e o perfil do actual bispo do Porto ganha redobrada importância.
Um importante historiador do religioso – sem sombras da velha historigrafia apologética (clerical ou anti-clerical) – foi uma figura marcante no avanço da História nesse campo pouco explorado (e mesmo quase tabu em Portugal, por razões mais clericais ou anti-clericais), mas incontornável: o do estudo das religiões. Com uma obra centrada sobretudo no século XIX e XX, período conturbado, pouco consensual e quase nada estudado do catolicismo português, D. Manuel Clemente mostrou que a hagiografia de uma igreja sempre martirizada, ou os lamentos de um confissão de Estado confortavelmente instalada e dominadora, estavam, to say the least, longe de esgotar toda a verdade. Através de crises várias, o catolicismo português na sua diversidade, não deixou de evoluir em percursos diversos com os tempos como contra os tempos, de se modernizar e mobilizar para causas diversas.
Como director que foi do Centro de Estudos de História Religiosa marcou esta instituição numa época fundamental com o seu espírito de abertura e interesse activo por esta temática em toda a sua diversidade. O CEHR tornou-se um oásis de discussão com ampla abertura para jovens historiadores à procura de poiso (como eu) – evidentemente, sem que nunca lhes tenha sido perguntado de crenças ou descrenças religiosas, mas que trabalho tinham feito.
Tem também sido uma figura importante no sentido da preservação e disponibilização do património religioso em sentido amplo, incluindo os desprezados arquivos, o que é sempre complicado num país mais habituado à inauguração do que à manutenção.
Como Bispo do Porto não me cabe avaliá-lo, mas como pessoa devo-lhe um obrigado público que aqui fica, assim como sinceros parabéns.
PS - Para quem o quiser conhecer (e conhecer-nos, português-mente) um pouco melhor, a colecção de ensaios:
Portugal e os Portugueses é a introdução ideal, um clássico recente, mas que como os clássicos, perdurará.