O Diabo e o Protocolo
Além de se ter em conta as especificidades institucionais da Igreja Católica, convém ter presente que, ao contrário do que acontece no Reino Unido, Portugal é uma República. Daqui se deduz que podemos vir a ter um Presidente judeu ou muçulmano, após um Presidente agnóstico – Mário Soares – e um Presidente de origem judaica, embora não praticante – Jorge Sampaio. Se a Igreja Católica mantivesse uma situação de privilégio no Protocolo de Estado tal facto poderia chocar a sensibilidade desse eventual Presidente. Mas o problema também se pode ver da perspectiva oposta: um fanático católico poderia ficar chocado por o Protocolo de Estado colocar o Cardeal-Patriarca ou o Presidente da Conferência Episcopal numa posição de inferioridade hierárquica em relação a um Chefe de Estado de uma confissão minoritária. Apesar de eu achar, que por princípio, as posições de fanáticos não devem ser tidas em conta, este exemplo permite captar o significado do Protocolo de Estado como uma hierarquização simbólica.
Usa-se como argumento a favor da manutenção do status quo a tradição e até a tradição liberal, mas não se pode esquecer que o sentido desta tradição era o regalismo: a subordinação do poder espiritual ao poder temporal. Durante a monarquia constitucional os padres eram funcionários públicos pagos pelo Estado. Após as convulsões da I República, o Estado Novo voltou a dar importância à Igreja Católica no Protocolo de Estado. Mas, na prática, servia-se da Igreja afirmando que a servia. Basta ver como, na crise após as eleições de 1958 e da carta do Bispo do Porto, Salazar lembra as autoridades católicas que a Acção Católica não se encontrava garantida pela Concordata. Se os católicos quisessem fazer política fora da União Nacional e contra a «frente nacional», ele não hesitaria em acabar com a Acção Católica.
Em suma, a tradição expressa neste Protocolo de Estado nada tem a ver com uma «Igreja livre num Estado livre». E a sua recusa não implica uma atitude jacobina. Um católico intransigente bem poderia achar que o Protocolo vigente é que era obra do demónio e lançar contra ambos um vibrante: viva Cristo-Rei!
PS Na minha lista de precedência, a namorada está acima do blogue. Dêem-me a pancada que me derem só respondo segunda-feira.
1 Comments:
Achando que tens uma lista de precedências lógica, deixa-me que te diga uma coisa: se um eventual presidente da república muçulmano ficasse chocado com a presença protocolar do patriarca de Lisboa, era melhor que nem se tivesse candidatado ao cargo. Porque todos os dias andaria chocado por ser presidente de um país de maioria católica. O protocolo serve simbolicamente o país ou o presidente?
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