Quando centenas de jovens em Portugal acabam de concluir, ou estão à beira de concluir, as suas licenciaturas; e sobretudo para aqueles que o estão a fazer em áreas que o pensamento dominante tende a denominar como menores – estou a pensar em línguas e literaturas “clássicas” ou “modernas”, história e filosofia –, reproduzo aqui parte de uma carta* escrita pelo jovem António Rodrigues Cavalheiro (finalista de História na velha Faculdade de Letras, jovem integralista, conspirador do "18 de Abril" de 1925 e do "28 de Maio" de 1926, futuro salazarista e historiador de qualidades enigmáticas). Endereçada a António Sardinha, nela fica expressa a natural e intemporal angústia daqueles que estão à beira de romper definitivamente com o único passado que até aí verdadeiramente conheceram e que ainda está demasiadamente próximo.
Rodrigues Cavalheiro confessava a Sardinha estar a atravessar “um forte ataque de neurastenia e um extraordinário desalento […]”. Pedia-lhe palavras “encorajadoras” pois sentia “uma absoluta falta de confiança” nas suas “poucas qualidades […].” Sentia-se sucumbido perante “o enigma do futuro” numa altura em que se encontrava, aos vinte e dois anos, “prestes a completar o […] curso […].” Não via “onde” podia “exercer” uma “actividade, e, unicamente pelo trabalho, adquirir aquela relativa independência material que tanto desejava.” Depois continuava: “O meu espírito de rebelde autonomia não se compadece já com a situação que hoje desfruto, cómoda para muitos, mas incompatível com a minha ânsia de actividade e de independência. Sinto que a carreira que escolhi pouco me poderá dar de proveitoso. Em Portugal, hoje, é impossível viver-se só do trabalho intelectual. […] se vir que nada aqui posso fazer, estou disposto a sair de Portugal e a procurar vida noutra terra.” Palavras que não servem de conforto? O futuro o dirá. Mesmo assim ocorreu-me publicá-las aqui.
* “Carta de António Rodrigues Cavalheiro para António Sardinha.” 23 de Dezembro de 1923 (documento 49). Envelope 70 (2.º). Espólio António Sardinha. Biblioteca João Paulo II da Universidade Católica Portuguesa.
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