terça-feira, junho 20, 2006

A Vaca do Vasco

Gostei de ler este post sobre a história do pobre e da vaca contada pelo Vasco Pulido Valente na entrevista à Rádio Renascença/Público/TV2.
PS Ainda sobre a magna questão das vacas hei-de publicar um post mais longo.

7 Comments:

Blogger Fernando Martins disse...

João Miguel, descobri em ti uma paixão inquestionável pelo neo-realismo. A História da "Insónia" não tem ponta por onde se lhe pegue. Basta recordar, a propósito da questão da poupança - ou da impossibilidade desta -, que actualmente os chineses, muito mais pobres do que os norte-americanos, têm taxas de poupança muito superiores às dos norte-americanos e que os portugueses nos últimos dez a vinte anos anos pouparam, em termos relativos, muito menos do que aqueles que viveram há trinta, quarenta ou cinquenta anos. Não me digam que porque estamos mais pobres do que no tempo do dr. Salazar, do general Vasco Gonçalves ou dos tempos inesquecíveis do Governo do Bloco Central. Poupar, ou não poupar, é acima de tudo uma opção. Uns fazem-na, outros não!

10:48 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Fernando, não tenho nenhuma paixão pelo neo-realismo, embora reconheça que desta corrente literária saíram algumas obras interessantes como «Cerro Maior» de Manuel da Fonseca ou «Uma Abelha na Chuva» de Carlos de Oliveira. Não sei se reparaste, mas o teu comentário é outra refutação da tese do Vasco Pulido Valente de que «a culpa é dos pobres» ou da herança dessa cultura de pobreza anti-poupança. Pelos vistos, os chineses «não matam a vaca» - calhar porque não têm vaca e daí terem uma cozinha tão criativa. E os portugueses pobres de há quarenta ou cinquenta anos também poupavam mais do que hoje. Mas aí voltamos à tão controversa discussão entre pobreza e miséria. Muitos dos portugueses pobres que poupavam há quarenta ou cinquenta nos viviam no campo e tinham senão a sua vaca, o seu porco e as suas galinhas. Não as recebiam de ninguém. Quem não podia poupar eram os outros, os que teriam de receber «a vaca» do Estado ou de ricos generosos - trata-se de um exagero retórico, pois o Estado, quando muito, garantia preços baixos e os ricos generosos distribuiam pão para acudir aos famintos.
Agora está na moda dizer mal dos portugueses por causa do envididamento e enaltecer os norte-americanos. Ainda há poucas semanas tive um jantar de família com um casal que teve uma ouriversaria nos Estados Unidos e me garantiu que o nível de endividamento nos States era muito superior ao de Portugal. E que não era líquido que os impostos fossem mais baixos. O que era muito diferente era a cultura em relação ao pagamento dos impostos. Aqui, se um português desabafava com outro que tinha conseguido escapar aos impostos o outro pedia-lhe logo para lhe explicar como era. Nos EUA o outro dava-lhe uma reprimenda e perguntava: «Mas então queres gozar de um serviço sem pagar?»
Gostei do post do Insónia porque me irrita a cultura de «bater no pobrezinho». Quem tem mais poder tem mais responsabilidade pelo mau estado das coisas.

12:59 da tarde  
Blogger hmbf disse...

Caro Fernando Martins, julgo que o impulso de classificar «a História da Insónia» foi em si mais forte que a vontade de a interpretar. Repare bem no que diz: «Poupar, ou não poupar, é acima de tudo uma opção. Uns fazem-na, outros não!» Mas eu digo o contrário? Meu caro, o meu pai poupou. Foi a sua opção. Era muito mais pobre do que eu agora sou, mas poupou. Eu não quero poupar. É a minha opção. Por quê? Porque para poupar teria de viver tão mal quanto o meu pai viveu. Poupar para viver mal, não muito obrigado. É uma opção. Uns fazem-na, outros não! Entendeu?

1:03 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Ó diabo, calhou agora passar por aqui mais calmamente e ficar descontente com o tom do meu comentário. Pode o tom parecer arrogante, mas não é essa a sua pretensão. Permitam-me ainda que acrescente: julgo que as condições para poupar, hoje em dia, não são comparáveis às de outrora. Basta olhar para uma cozinha. Numa cozinha, uma família classe média portuguesa tem toda uma série de apetrechos cuja dispensabilidade é discutível. Durante muitos anos, lá em casa houve frigorífico e fogão. Agora há microondas, forno, máquina de lavar roupa e louça, etc. Tudo isso custa dinheiro. Não me seria difícil poupar alguma coisa, assim eu quisesse ver-me livre da Internet, da TV por cabo, de um dos carros. E se a minha mulher ficasse em casa a cuidar das pequenas, ó ó, isso é que era. Os apelos ao consumo e ao conforto são hoje cada vez mais irresistíveis. Veja-se o caso dos telemóveis. Todos os meus alunos têm hoje telemóvel. Eu tive o primeiro quando comecei a trabalhar, em 1997. Tenho alunos que vão de carro ou mota para a escola. Tudo isso custa dinheiro, o tal dinheiro que podia ser poupado. Mas o direito a viver confortavelmente poderá ser posto em causa? Eu burguês me confesso, prefiro algum conforto agora ao desconforto de uma velhice nostálgica. Sei lá se terei ossos para daqui a 35 anos correr o mundo mais a minha senhora! Ser-me-ia fácil poupar algum por ano, se deixasse de viajar. É só um exemplo. Podia dar muitos mais. Não se pode exigir a uma família que poupe, que viva desconfortavelmente. Mas pode-se exigir-lhe que não se endivide. E aí, creio, é que reside o problema. Mas quanto a isso… Ainda ontem recebi uma carta do BES que julgo vergonhosa, pura banha da cobra, um presente envenenado. Enfim… Perdoem-me o discurso neo-realista e a extensão do comentário, cuja intenção é apenas esclarecer eventuais lacunas do comentário anterior.

4:50 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

O problema dos que optam por não poupar é que, à primeira contrariedade, estão à espera que o Estado confisque ainda mais aos poupados para ir em seu auxílio... É por isso que se dão ao luxo dessa opção.

6:11 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Não sei de quem o Luís fala, mas de mim não há-de ser com toda a certeza. No entanto, deixe-me que lhe diga: se pago impostos, e não é pouco, não é para que o Estado não me auxilie quando eu precisar. Certo? Ou então, por que pagar impostos? Mais: pago impostos, e não é pouco, para que o Estado auxilie também aqueles que precisam mais do que eu. Felizmente, eu tive a vaca à nascença. Outros não. Há-de explicar melhor é essa relação entre poupar e auxílios do Estado, assim como confiscações aos mais poupados.

6:57 da tarde  
Blogger Luís Aguiar Santos disse...

O meu ponto é que deveríamos todos pagar menos impostos. E como à volta de 90% da despesa pública é para pagar aos funcionários públicos, quanto mais esquemas de protecção "social" houver (mais "extras"), menos será possível cortar nalgum lado. A despesa pública tem ainda a característica estranha de estar sempre a crescer, mesmo relativamente a encargos "fixos" como o pessoal (progressões nos escalões, mais reformados, etc.), pelo que os "extras" agravam ainda mais a situação e estão a tornar-se incomportáveis para as finanças públicas, contribuindo fortemente para tornar incontrolável o crescimento da despesa. Aquilo que se paga hoje de impostos é imediatamente gasto em despesas actuais, não é colocado num seguro pessoal nem investido; daí que seja uma ilusão dizermos que pagamos impostos para sermos protegidos mais tarde. O Estado ainda se obriga a isso, mas quando as receitas não chegarem mesmo, não terá pejo nenhum em dar o dito por não dito. E o que quis dizer foi que espero que, nessa situação, não venham obrigar os que pouparam (enquanto também pagavam impostos) a abrir mão - por via fiscal - dessas poupanças em nome de acrescidas "obrigações sociais".

10:15 da manhã  

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