sábado, junho 24, 2006

Eu, qual Mousinho da Silveira...


Num comentário recente a um post meu, o Bruno convidou-me a esclarecer em que “cortaria” eu o Estado (presumo que “se mandasse”, como se costuma dizer). Não percebi se ele vê esse exercício de me armar em reformador-mor como condição moral para poder continuar a criticar o actual estado das finanças públicas. Suspeitando que sim, mesmo correndo o risco de excessiva exposição à crítica alheia e à própria e humana propensão para o disparate, decidi aceitar o seu desafio, vestindo as roupagens de Mousinho da Silveira. Foi este o único grande reformador da nossa história, tendo em conta o que Borges de Macedo nos ensinou sobre Pombal, que foi meramente, um pouco como Salazar, o organizador da eficácia de um modelo de Estado e de sociedade para o qual já se caminhara antes de forma um tanto ou quanto improvisada (um pouco como há uns anos Cavaco e hoje Sócrates tentam ser os organizadores do Estado “social”). A questão para mim é que Portugal está precisado de uma verdadeira reforma que acabe com este Estado “social” e não de ganhos de eficácia na sua gestão, que o viabilizem (como é o objectivo do actual governo e já era o do anterior). O Bruno pensa como o governo e como a esmagadora maioria dos portugueses. Ora, para não chocar em demasia – que somos povo de brandos costumes –, eu apresento uma versão light daquilo que julgo verdadeiramente apropriado para a reforma do Estado. Aqui vai.

Sem tocar, para já, nas estruturas administrativas dos municípios e das regiões autónomas nem nas estruturas próprias da presidência da república, do parlamento e da presidência do conselho de ministros (que teriam de ficar para um segundo fôlego reformista), eu aboliria as estruturas e serviços de todos os ministérios excepto estes: justiça, administração interna, defesa, finanças, negócios estrangeiros e obras públicas (regressaríamos, assim, aos governos de seis ministros do tempo da monarquia, pressupondo que um deles acumularia a presidência – ai estes saudosistas da Carta…). Os funcionários de todos os ministérios abolidos poderiam ficar com uma pensão vitalícia correspondente a 75% do seu vencimento actual – percentagem que deveria ser proporcionalmente reduzida a partir de determinado montante de outros rendimentos declarados. A entrada de novos funcionários nos ministérios remanescentes deveria ser congelada. Muito património seria vendido (todo para amortizar a dívida pública, depois de acudir às próprias despesas da operação de desmantelamento) e tudo privatizado, nomeadamente escolas, centros de saúde e hospitais. Os municípios poderiam requerer a anexação de alguns desses serviços se assegurassem o respectivo financiamento dentro do seu nível de despesa actual (implicaria que muitos teriam de optar entre essa nova despesa e outra menos útil que agora praticam). Nos ministérios abolidos poupar-se-iam as despesas “logísticas” actuais de manutenção e, pelo menos, 25% da sua actual despesa com pessoal abateria à despesa pública.

Tudo isto seria uma das duas partes desta reforma. A segunda diz respeito à segurança social. Para já, manter-se-iam as modificações introduzidas pelo actual governo ao regime das pensões de reforma, com a diferença que os princípios recentemente anunciados para a iniciativa privada seriam desde já também aplicados aos funcionários públicos. O actual regime de comparticipações em despesas de saúde (medicamentos e tratamentos), para não confundir muito as coisas, poder-se-ia manter. O que mudaria seria a obrigatoriedade dos cidadãos participarem no actual modelo de descontos e benefícios, podendo passar a optar por seguros de saúde privados. Por outro lado, o regime de pensões poderia ser substituído por contas poupança reforma em bancos ou seguradoras (com um montante mínimo de descontos mensais), embora se mantivesse temporariamente uma contribuição social obrigatória de modo a acudir à despesa com as pensões do regime antigo (actual), mas à qual abateria proporcionalmente tudo o que fosse voluntariamente descontado acima do mínimo requerido por lei. No fim, tendo apenas três impostos (IVA, IRS e IRC), estabelecer-se-ia uma taxa única que, sustentadamente, sem fazer crescer défice e endividamento, poderia ser substancialmente reduzida.

Depois de tudo isto, desta reforma de duas partes simultâneas e interdependentes e da sua consequência fiscal, talvez se pudesse começar a pensar seriamente nas duas seguintes: a reforma das administrações municipais e autonómicas e a reforma dos seis ministérios remanescentes. Tudo isto teria de ser feito dentro da legalidade, requerendo provavelmente uma revisão constitucional. Que deveria estar agora a ser discutida pelo País se a generalidade das pessoas estivesse realmente convencida, como eu, de que existe um enorme desperdício de recursos e de oportunidades com o sistema actual. Mas ter ideias sobre a realidade não me impede de a tentar ver como é, sem ilusões, como já quis deixar claro
aqui.
Nota: suspeito que o Bruno pense, por aquilo que escreve, que o problema financeiro do Estado é uma das consequências de uma crise económica mais geral no País. Se pensa assim, estamos de facto em completo desacordo (por mais irrelevante que isso seja), já que claramente considero o peso da despesa pública como a causa da crise económica.