terça-feira, abril 11, 2006

CPE morto: e agora?


A pergunta é de Jacques Julliard no Nouvel Obs, que esboçou uma resposta aqui. Não lhe foi difícil advinhar que Chirac, fiel a si próprio, não ia querer arriscar. (O quê? Perguntam bem). E portanto acabaria por recuar em toda a linha. (A falta de espinha dorsal não é uma aflição particular da esquerda, portanto, amigos bloguistas de direita evitam de nomear Chirac como esquerdista honorário).

Nunca percebi muito bem o CPE, que me pareceu uma medida ao mesmo tempo excessiva (no tempo) e insuficiente (porque ignorava outros aspectos importantes). Como recordava o João aplicar-se-ia a mesma receita explicitamente aos negros ou aos argelinos (aliás, muitos destes jovens desempregrados o são): ficas dois anos à experiência para ver se afinal os nossos preconceitos não fazem sentido? Por outro lado, é normal que as empresas resistam a fazer contratos de longa duração em períodos de crise. (A alternativa é ir tudo ao fundo, e a solução tão portuguesa dos salários em atraso). E é normal que queiram gente com provas dadas para poderem reduzir os riscos num mercado laboral rígido. Ora se estar desempregado de vez em quando é mau, não conseguir arranjar emprego nunca é muito pior.

Julliard nestes textos recorda o essencial: desemprego nos 10% e desemprego juvenil nos 22%. Isto é inevitável? Se calhar é. Mas se for, é mau sinal para a França e para a esquerda francesa. Será possível sair disto sem se reformar as leis do trabalho? (Aliás já começou a ser feito com a lei das 35 horas). Se calhar sim, mas duvido muito. Protestar está muito bem, é um direito, faz parte da dinâmica da economia política tanto quanto o emprego ou o consumo. (É tão natural como é natural o Estado, constitucional ou não, defender a ordem legal). Mas só terá verdadeiro impacto se tiver um fim, se apontar numa direcção. Se não houver soluções reformistas de esquerda para o problema do crescimento económico e do desemprego em França, parece-me provável que vá ser, mais tarde ou mais cedo, a direita a aplicá-las.

De vitória em vitória – referendo da Europa, CPE – até à derrota final? Sarkozy está cada vez mais próximo do Eliseu, isso é claro. Até porque Fabius parece determinado a acabar de partir o PSF. (Eu por mim, confesso: gostava de o ver a ganhar. Para apreciar as suas soluções para os imbróglios que arranjou). Portanto, festejem à vontade, mas olhem que a festa é capaz de ser curta e acabar com travo bem amargo.

PS – A Cláudia levou o Afonso Bivar a explicar-se melhor. Ainda bem. Sou contra a queima de livros, claro. (Sou contra, até, piquetes e bloqueios violentos: uma coacção ilegal de quem quer exercer o seu direito/dever, ou seja lá o que for, a trabalhar). Mas simpatizo com quem tenta analisar desapaixonadamente coisas desagradáveis tal como elas são. Quem, como eu, se arrisca ao estudo da guerrilha e o terrorismo, sabe como isso pode ser difícil e mal compreendido. A realidade, sobretudo a má, merece ser olhada de frente. E é um facto, como recorda o Afonso, remetendo para o André Belo: as Grandes Écoles não escapam ao sistema de poder francês, são a sua encarnação académica. A iconoclastia contra o poder instalado – infelizmente para estetas como eu – tem uma longa tradição em revoluções e movimentos de protesto. Et pourtant, talvez tudo isto seja realmente analisar demasiado o que é só infantil vontade de estragar de meninos privilegiados. Et pourtant, é claro que o movimento estudantil perdeu ao não conseguir controlar as suas hostes. Se (quando?) houver novos protestos estudantis, a repressão governamental tenderá a ser vista à partida como (mais) justificada. É por estas e por outras que Gandhi insistia que a não-violência exigia uma disciplina verdadeiramente militar.
PS - Ver este encore do André e ainda alguns postes interessantes no Fuga para a Vitória, nomeadamente este e este, que me parecem ir no sentido certo: o debater respostas à questão de fundo.