terça-feira, abril 11, 2006

Em nome próprio

Em boa hora o Lutz catalisou uma discussão que corria o risco de não acontecer. Quando aqui me referi ao apelo postado na Rua da Judiaria fi-lo decidida a participar na evocação desse dia, mas não o disse explicitamente e não esclareci a minha motivação. No dia 19 de abril pretendo acender uma vela no Rossio porque considero o pogrom de Lisboa um acontecimento digno de memória. Escolho lembrá-lo porque o entendo extraordinário, extraordinariamente vergonhoso. Cristãos matando judeus por serem judeus, súbditos do mesmo rei, habitantes da mesma cidade.
Acontecimentos de boa e má memória há-os muitos, mas desejo lembrar este agora. Por ter sido preciso fazer uma cadeira opcional do curso de História, há uns dez anos atrás, para ouvir falar deste facto. Por viver num tempo em que a motivação religiosa, embolada na étnica, cultural e económica, continua a gerar massacres. Por ser cristã e transportar os actos dos que me precederam. Por ter a noção de que o ecumenismo, o interconfessionalismo, e até mesmo o secularismo, têm a força de uma criança pequena. Por insistir em acreditar que nem tudo são planos obscuros, lobbies. Que tristeza viver assim, refreando cada gesto ou acto simbólico por medo de uns eles quaisquer maquinando contra nós, num individualismo tão temeroso da instrumentalização e do ridículo que aliena toda forma de associação.
Lembrarei o massacre da Pascoela em nome próprio, por nomes que não conheço.
[Foto: Wikimedia Commons]

4 Comments:

Blogger João Miguel Almeida disse...

Ainda não sei se vou, mas concordo contigo. Não percebo as discussões em torno da culpa. Como a maior parte dos portugueses, pertenço a uma família católica até onde posso recuar no tempo, mas nunca me dei ao trabalho de reconstituir a história familiar até ao século XVI. E por acaso uma parte da família até é da zona de Castro Daire, onde havia populações de origem judaica. Sei lá se algum dos meus antepassados não era judeu. Por acaso até tenho alguma simpatia com o judaísmo, por razões culturais (kafka, para não ir mais longe, mas também Isaac Singer, Albert Cohen, etc)e não por razões políticas. Mas vejo as vítimas do massacre antes de mais como portugueses e seres humanos. Outros massacres foram cometidos noutros sítios, mas este foi cometido na cidade onde vivo - Lisboa - vai fazer quinhentos anos. Este é o ponto.

10:39 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Eu desconfio sempre das intenções destes "desafios" e destas manifestações. São realmente coisas sentidas (esqueçamos então a questão do necessário ou relevante) ou são entusiasmos mediáticos e maneiras de se afirmar de forma a que alguém veja? Vão resolver o quê, especificamente?

Deixo esta questão com a maior das franquezas. Eu não detesto "povos", mas detesto todos os espertalhões que existem em todas as tribos. E para que fique bem claro: não tenho nada contra judeus, mesmo que não perceba por que é que alguém tem que se afirmar alguma coisa excuindo as outras. Muda alguma coisa? Ou melhor, benefica os outros em alguma coisa?

E depois há o problema fulcral que parece que toda a gente esquece na fugaça de ter que ter opinião... Qual foi o povo na História que não matou, chacinou, mutilou outros povos? Existe algum? Ou vamos ter que andar a pedir desculpa uns aos outros até a História acabar?

Já agora, peçam desculpa por todos os massacres do futuro.

9:04 da tarde  
Blogger J. disse...

Ana Cláudia, muito bem dito

1:11 da manhã  
Blogger Pulha Garcia disse...

Concordo com tudo, Ana Cláudia. Quer como cristão quer como cidadão do mundo que de hoje para amanhã pode ter que passar a viver noutro país (ou não somos um povo de emigrantes?).

Uma sociedade só pode ser livre se assumir as responsabilidades que lhe cabem.

12:38 da tarde  

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