sexta-feira, agosto 04, 2006

Pio XII e o Nazismo


Pio XII foi, antes de ser papa, o chefe da diplomacia de Pio XI e portanto em larga medida também responsável pelas acções destes contra o nazismo.

Em Maio de 1937 perante um protesto português pelas tentativas vaticanas de mediar um acordo na Guerra Civil de Espanha, e face às queixas do diplomata português de que o Vaticano não apoiava suficiente os grupos que combatiam o comunismo, Pacelli responde: «a Igreja não pode aplaudir qualquer orientação política que se pareça com o nazismo! Veja, Excelência, o que se passa na Alemanha: além de serem negadas aos católicos as liberdades mais elementares, […] a imprensa alemã faz uma campanha […] contra a Igreja, campanha inqualificável, odiosa e selvagem! Não pode calcular […] até que ponto vai a perseguição que se faz, neste momento, aos católicos e à Igreja». Perante a objecção de Vasco de Quevedo de que na Alemanha as igrejas permaneciam abertas, enquanto o clero era morto e torturado na Rússia, Pacelli replicou: “«Sim», diz o cardeal interrompendo-me, «mas o nazismo, não matando, nem incendiando, consegue o mesmo resultado, porque acaba com a Igreja e com a religião.»” Quevedo escreve ter tido vontade de perguntar-lhe se os católicos alemães apoiavam lealmente Hitler como os católicos franceses apoiavam Léon Blum, o primeiro-ministro judeu e socialista da Frente Popular francesa, com a benção do Vaticano, já que o cardeal Pacelli tinha recentemente visitado oficialmente a França, tinha-se encontrado com Blum, e tinha declarado publicamente que não havia qualquer hostilidade entre a Igreja e o novo governo francês de esquerda. Mas achou melhor não continuar a conversa “num tom de controvérsia.”

De facto o embaixador francês não fez segredo da preferência da França na eleição papal de 1939 por Pacelli. Pelo contrário, com a ajuda de uma série de países, como a Grã-Bretanha e Portugal, procurou deixar claro ao máximo número de cardeais que esses países viam com bons olhos a eleição do Secretário de Estado de Pio XI. A eleição de Pacelli como papa Pio XII foi saudada como uma vitória da resistência católica ao nazismo e ao fascismo pela imprensa da época, nos EUA, na França, na Grã-Bretanha.

A primeira encíclica de Pio XII, Summi Pontificatus, de Outubro de 1939, tem como tema a Unidade da Sociedade Humana e nela Pio XII afirma que o mais “pernicioso erro” que dominava o mundo “é o esquecimento daquela lei do amor e solidariedade humana” que deriva da “identidade de origem” e da “igualdade da natureza racional de todos os homens, sem distinção de povos”. E citando a famosa epístola de São Paulo afirma que para a Igreja Católica não há: “gentio ou judeu, circunciso ou não circunciso, bárbaro ou cita, escravo ou livre, pois Cristo está com todos e em todos” (Cl 3, 10-11).

Uma das prioridades do seu pontificado foi continuar a organizar o auxílio aos refugiados de guerra, entre os quais muitos judeus. Duas das principais figuras nesse esforço foram Mons. Montini que se encarregou de coordenar essas actividades a partir do Vaticano, e Mons. Roncalli, internúncio na Turquia. Ambos foram feitos cardeais por Pio XII, o primeiro veio a ser o papa Paulo VI; o segundo veio a ser o papa João XXIII.

Em Maio de 1940, alertado pelos seus contactos entre as redes clandestinas de alemães que se opunham a Hitler da iminente ofensiva alemã contra a Bélgica e a Holanda, Pio XII avisou esses estados neutros, e depois de alguns dias de hesitação, preveniu também a França e a Inglaterra. Ou seja, trabalhou activamente, ainda que naturalmente em segredo, pela derrota desta ofensiva militar decisiva para a Alemanha nazi. Quando os alemães derrotaram e ocuparam a França, o novo chefe da diplomacia vaticana nomeado por Pio XII, deixou claro ao representante português que entendia que uma Europa em paz, mas dominada pela Alemanha nazi, seria pior do que a continuação da guerra.

Inicialmente o Vaticano continuou a denunciar as perseguições e abusos nazis. Só há uma mudança de política – o famoso «silêncio» – quando os bispos polacos e lituanos a sofrerem a ocupação nazi e soviética, igualmente denunciada pela Rádio Vaticano, apelam ao fim desse tipo de ataques por serem contraproducentes em 1940. O núncio em Berlim também insistiu que era melhor deixar de fazer apelos junto dos nazis por determinadas pessoas, porque invariavelmente isso apressava a sua prisão e deportação. Ainda assim, o papa deixou aos bispos liberdade de fazerem as críticas que entendessem. Um caso que reforçou a convicção vaticana de que o «silêncio» era a melhor polítical foi a decisão do Arcebispo de Utreque, que decidiu não acompanhar os seus colegas protestantes (satisfeitos com uma garantia verbal de que os refugiados em instituições religiosas não seriam perseguidos), e se pronunciou publicamente contra a prisão e deportação de judeus. Como resultado os conventos e igrejas católicas holandeses foram alvos de raides pelas tropas nazis e todos os refugiados aí encontrados foram presos e deportados.

Esse «silêncio» foi, no entanto, sempre relativo. Na sua mensagem de Natal de 1942 Pio XII refere-se “às centenas de milhares de pessoas que sem culpa nenhuma da sua parte, às vezes só por motivos de nacionalidade ou raça, se vêem destinadas à morte ou a um extermínio progressivo.” Tanto quanto sei, e apesar da incerteza das informações em tempo de guerra, esta foi a referência mais clara que qualquer chefe de Estado, ou chefe religioso – para mais na Europa ocupada – fez ao genocídio dos judeus que então começava.

Em 1943 Hitler ocupou militarmente Roma, e pensou invadir o Vaticano e prender Pio XII (Goebbels tê-lo-á convencido a adiar a questão, pois era um desastre de propaganda). O Vaticano tinha estado envolvido nas manobras secretas que levaram a deposição de Mussolini e que conduziram a Itália a romper a aliança com a Alemanha. Pio XII ameaçou durante esta época denunciar publicamente a tentativa nazi de deportação dos judeus de Roma, que considerava estarem sob sua particular protecção, se não fosse suspensa. Quase todos os judeus romanos que escaparam encontraram refúgio em instituições católicas, nomeadamente em vários edifícios pertença do Vaticano, incluindo a villa papal de Castelgandolfo.

Pouco? Pouco claro? Isso, no meu entender é não perceber como funcionava o Vaticano na altura, como falava (e fala) um papa, as circunstâncias da Segunda Guerra Mundial, o receio de provocar represálias sobre os refugiados, a preocupação permanente do papado não ser acusado de parcialidade e de assim facilitar a tarefa da propaganda nazi que o acusava sistematicamente de ser pró-judeu e anti-alemão. Mas, sobretudo, digam-me: quem fez mais e quem falou mais claro? Mesmo que se possa considerar que mais e melhor devia ter sido feito, como é se pode falar seriamente de cumplicidade entre o Vaticano e Hitler?

Claro que houve católicos ao lado de Hitler, sobretudo em países como a Eslováquia e a Croácia a quem ele prometeu a liberdade. Mas também houve muitos católicos na resistência a ele (por exemplo de Gaulle, ouviram falar?) A ideia de que a Igreja Católica de um modo geral, e em particular o Vaticano, foi favorável ao nazismo parece-me, de acordo com a muita documentação actualmente disponível, infundada. É uma tese que não chega a justificar qualquer revisionismo, porque nunca encontrou uma audiência ampla entre os reais especialistas de história deste conflito ou da Igreja neste período. (Veja-se, por exemplo, os trabalhos do historiador judeu britânico e especialista na Segunda Guerra Martin Gilbert; ou do historiador anglicano britânico Owen Chadwich especialista na história dos cristianismo neste período). É propaganda barata para vender livros ao amplo mercado de fanáticos anti-católicos. Mas estarei, claro, sempre disposto a rever as minhas conclusões com base em factos ou documentos novos.
FOTO: Capa de Hitler's Pope de John Cornwell. A manipulação começa logo por aí. Parece uma foto de Pio XII a passear alegremente entre soldados nazis? Pois parece. Mas não é. É uma foto de Pio XII enquanto núncio na Alemanha em 1927 a ser saudado por soldados da república «democrática alemão» de Weimar.

2 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

E assim, a pouco e pouco, vai-se fazendo justiça à memória de Pio XII. Para quem está de boa fé, torna-se cada vez mais claro que a sua posição não foi de "distanciamento critico" (!!!) do nazismo, como já consente carlos leone no Esplanar, mas de sabotagem deliberada (e muita arriscada) do esforço de guerra e de extermínio nazi.

Alfredo

4:57 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

serâ por ser tanto contra o Nazismo que Pio 12 ofereceu uma recepcão especial em berlim pra festejar o 50 aniversario de hitler ???? Ou apoiar nazistas no final da guerra pra que escapassem às tropas aliadas ??? Nao poderia ter feito o mesmo aos Judeus ? è que eles tambem tinham precisado de uma rota de fuga, mas do vaticano nao tiveram ajuda.....

12:04 da tarde  

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