quinta-feira, novembro 08, 2007

Sampaio revisto e perdoado

A estreia de Pedro Santana Lopes como líder parlamentar do PSD não me surpreendeu e fez-me reflectir sobre o controverso momento em que o Presidente da República, Jorge Sampaio, aceitou Santana como primeiro-ministro. Como muitos outros, fiquei indignado. Pensei – e de certo modo continuo a pensar – que estávamos perante a manifestação de uma grave crise da nossa democracia representativa. Pareceu-me absurdo que Sampaio, um político que passava o tempo a falar da necessidade de uma democracia mais participativa, corroborasse a escolha de um primeiro-ministro pelo Conselho Nacional do PSD, para suceder ao seu adversário vitorioso no último congresso do partido. Durão Barroso partia Bruxelas sem dar sinais de incómodo por deixar no seu lugar um homem que definira como «um misto de Zandinga e de Gabriel Alves». Cheguei mesmo a defender neste blogue uma alteração da lei de modo a impedir a repetição da mesma história com outras personagens: no caso de saída de um primeiro-ministro eleito o vice primeiro-ministro ocupava interinamente o cargo até ao novo primeiro-ministro ser eleito num congresso especial ou pelo grupo parlamentar do partido respectivo.
Hoje é óbvio que estas mudanças na lei seriam irrelevantes. Santana Lopes foi eleito líder do grupo parlamentar do PSD com 70 por cento dos votos, depois de ter sofrido uma derrota eleitoral histórica, a qual deu pela primeira vez uma maioria absoluta ao PS. Pior: muita gente no PSD continuou a ver a dissolução do parlamento por Jorge Sampaio como uma manobra politiqueira, mesmo depois do sentido do voto do eleitorado ter justificado a posteriori a decisão do Presidente da República. Quanto às «elites» do PSD, chocadas com a eleição de Luís Filipe Menezes pelas «bases revoltadas», parecem ter-se esquecido que foi pela mão de uma centena de notáveis do partido que Santana chegou ao poder.
Sampaio foi um Presidente tranquilo que se mostrou à altura de duas grandes crises: a de Timor-Leste no primeiro mandato e a sucessão de Durão Barroso por Santana Lopes no segundo. Teve ainda um gesto diplomático hábil e simpático aquando da visita do Dalai-Lama a Portugal, favorecendo um encontro informal entre ambos no Museu Nacional de Arte Antiga.
Quanto à democracia representativa continua embrulhada e será preciso mais que duas ou três medidas para desatar este nó.

Etiquetas: , ,

8 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

O tempo realmente faz esquecer tudo... Especialmente esses lindos meses em que Santana governou com o paulinho do P. Eduardo VII. Uma vergonha, um governo de incompetencia e corrupção generalizada. O Sampaio entretanto chorava com qualquer drama de pacotilha.

10:30 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Jorge Lopes,
Espero que as pessoas n�o se tenham esquecido e agora j� saibam o que as espera se houver uma nova vers�o com Santana num papel secund�rio.
Eu achei esse governo lament�vel. Acho tamb�m � que Jorge Sampaio, naquelas circunst�ncias, fez o que p�de.

11:18 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Ele faz sempre o que pode...o que não é muito. Basta ver o favor de pedinchar pelo ordenado do Eanes. Afinal parece menos mal pedir na terceira pessoa. É bom ver como ele usa o tempo, prestigio e regalias de ex-presidente. Mas afinal de contas não é muito diferente de quando era presidente.

11:00 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Não vou discutir mais o caso Sampaio. O post é uma revisão do que eu pensei na altura sobre a chegada de Santana Lopes ao poder. Achei que só tinha sido possível com «sinistras manobras dos bastidores» em que tinham participado alguns notáveis do PSD, Durão Barroso e Jorge Sampaio. Ao ver Pedro Santana Lopes como líder parlamentar, eleito com 70 por cento dos votos, depois de uma derrota histórica, a discutir com José Sócrates o orçamento do Estado, tomo consciência de que o problema era mais fundo. Tem a ver com uma crise dos partidos que não é exclusiva do PSD, mas é mais grave no PSD. O qual é o segundo maior partido português e o maior da oposição.

11:26 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Mas permite-me mais uma observação? Ou é melhor estar calado? ...se Jorge Sampaio tivesse convocado eleições quando Durão saiu, quem votaria seriam os portugueses e não só os 70 % do psd que votaram Santana. Sampaio é responsável pelos seus actos e já antes do governo de Santa/paulinho estar formado teve muitas oportunidades para não o promulgar, se bem se lembra das trapalhadas em que eles estavam na altura.
A crise dos partidos tem costas largas para tudo e mais alguma coisa, inclusivé para desculpar as mais incompetentes decisões.
Os partidos são as pessoas que os fazem e essas pessoas são os portugueses de hoje. Isso é Democracia. É assim que funciona. Se existe alguma crise foi criada pelos politicos como Sampaio e toda essa linda geração pós-prec. Só existem porque fizeram carreira partidaria e essa sempre foi a sua ocupação. Sobre o papel de sampaio em Timor... digamos que não foi por sua causa que Timor tornou se independente.

10:17 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Estar calado é sempre pior...Eu na altura enviei mails ao Presidente da República e manifestei-me frente ao palácio de Belém a pedir a convocação de eleições. E não estou arrependido de o ter feito. Mas lembro-me de como uma inesperada militância política da minha parte, que me levou a entrar em discussões em listas de mailing não-políticas e a reenviar abaixo-assinados por mail a pessoas pouco politizadas foi recebida como uma excentricidade. Meses depois essas pessoas já tinham percebido os inconvenientes do Governo Santana/Paulo Portas. O Governo perdeu rapidamente o «benefício da dúvida» de muitas pessoas. Se Sampaio tivesse convocado imediatamente eleições, Santana vitimizar-se-ia, no que é perito, e, se não ganhasse as eleições, perdia-as por pouco. Ao dar uma oportunidade a Santana Lopes reservou-se o direito de lhe retirar essa oportunidade e de convocar eleições se se confirmasse as suspeitas de um desempenho que pusesse em causa a fidelidade ao programa sufragado pelo eleitorado, a credibilidade e estabilidade das instituições democráticas. Foi o que aconteceu uns meses mais tarde. Se Santana ganhasse as eleições, a decisão do Presidente da República revelar-se-ia errada. Aconteceu justamente o contrário: a vitória do partido adversário da dupla Santana/Portas com maioria absoluta.
Assim a decisão de Sampaio de nomear Santana Lopes primeiro-ministro é um acto discutível, mas não um erro. Penso que dificilmente poderá ser tido como precedente, pois foi realizado em circunstâncias muito específicas.
Certamente que Sampaio não foi o autor da independência de Timor-Leste, mas desempenhou bem o seu papel no processo.
Que as pessoas fazem a democracia não há dúvida. Mas infelizmente em Portugal há muitas pessoas que não se revêem nos partidos e partidos fechados sobre si mesmos que não tentam perceber quais são os problemas das pessoas comuns. O recente debate sobre o orçamento de Estado, com dicas, tricas e remexidas no passado recente e não nos problemas actuais e de um futuro próximo, é um bom espelho desta situação.

6:17 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caro João,
Compreendo perfeitamente o seu ponto de vista, mas gostaria de realçar que esta coisa da crise partidária sempre existiu. As pessoas desconfiam (com razão) dos partidos, que cada vez se assemelham mais às centrais sindicais, com interesses instalados, discursos para consumo interno...mas sempre desconfiaram dos partidos e dos politicos. Fica também uma ideia no seu texto de que os politicos como Menezes ou Santana são piores do que os seus antecessores, o que não é verdade. Sempre existiram politicos bons e maus como em qualquer actividade. Relembro-lhe alguns dos primeiros-ministros portugueses pós 25/74, para confirmar se foram melhores do que os actuais:
Junta de Salvação Nacional presidida por António de Spínola
Adelino da Palma Carlos
Vasco Gonçalves
José Pinheiro de Azevedo
Vasco de Almeida e Costa
Alfredo Nobre da Costa
Carlos Mota Pinto
Francisco Pinto Balsemão.

Dá vontade de rir não dá?

10:39 da manhã  
Blogger João Miguel Almeida disse...

Caro Jorge Lopes,

Também percebo o seu ponto de vista. Nos tempos heróicos das grandes convulsões não aparecem só heróis - e às vezes nem aparecem -, mas também políticos improvisados que se vêem inesperadamente atirados para a crista da onda. E após décadas de estabilidade democrática que permitiriam alguma maturidade não aperecem só profissionais, no bom sentido, mas pessoas que se comportam desastrosamente como amadores, no mau sentido do termo.

11:01 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home